Ele não era ruim de cama, constatou Lisbeth. Sem muito treino, talvez, e às vezes desnecessariamente brutal.
Dieter de fato parecera surpreso que ela, apenas por impulso, tivesse dado em cima de um executivo alemão com excesso de peso e que nem sequer estava buscando uma aventura. Era casado e não costumava ser infiel ou procurar companhia feminina durante suas viagens de negócios. Mas quando a possibilidade se apresentou na forma de uma garota frágil e tatuada, não resistira à tentação. Foi o que ele disse.
A Lisbeth Salander importava muito pouco o que ele dizia. Seu único objetivo eram alguns bons momentos de sexo, mas surpreendera-se ao ver que ele realmente se esforçava por satisfazê-la. Na quarta noite, a última que passaram juntos, ele tivera de repente um angustiado acesso de pânico e começara a se perguntar o que diria a sua mulher. Lisbeth Salander achava que ele devia ficar de boca fechada e não contar nada para a mulher.
Mas ela não disse o que pensava.
Ele já era bem crescidinho e poderia ter recusado sua oferta. Ela não estava nem aí com os ataques de culpa dele ou se ele iria confessar tudo para a mulher. Ela deu-lhe as costas e o escutou por uns quinze minutos, até que, irritada, ergueu os olhos para o céu, virou-se e sentou escarranchada em cima dele.
— Será que você podia dar um tempo para a sua angústia e me dar prazer mais uma vez? — perguntou.
Já Jeremy MacMillan era outra história. Lisbeth Salander não se sentia nem um pouco atraída por ele. Era um tratante. Estranhamente, lembrava um pouco Dieter. Tinha quarenta e oito anos, algum charme, também uns quilos a mais, cabelos grisalhos penteados para trás. Usava óculos finos com aro de metal dourado.
No passado, fora advogado de empresas, com diploma de Oxbridge e baseado em Londres. Tinha um futuro promissor, era sócio num escritório de advocacia que prestava consultoria para grandes empresas e yuppies cheios da grana que brincavam com questões imobiliárias e fiscais. Passara os alegres anos 1980 freqüentando novos-ricos que brincavam de celebridades. Tinha bebido um bocado e cheirado coca com gente que ele na verdade preferia não encontrar na sua cama ao acordar no dia seguinte. Nunca tinha sido indiciado, mas perdera a mulher e os dois filhos, e depois fora despedido por má gestão e por ter se apresentado embriagado numa audiência de conciliação.
Passada a ressaca, sem parar muito para pensar, fugira de Londres um tanto envergonhado. Não sabia por que tinha escolhido justamente Gibraltar, mas em 1991 associara-se a um advogado local e abrira um modesto escritório de segunda categoria que oficialmente cuidava de sucessões e testamentos não muito glamorosos. De maneira nem tão oficial, o escritório MacMillan & Marks também abria empresas-fantasma e servia de testa de ferro para europeus que optavam por permanecer na sombra. A atividade se mantinha aos trancos e barrancos, até que Lisbeth Salander escolheu Jeremy MacMillan para administrar os 2,4 bilhões de dólares que ela surrupiara do império falido do financista Hans-Erik Wennerstróm.
MacMillan era inegavelmente um vigarista. Mas Lisbeth o considerava o seu vigarista, e ele próprio se surpreendera ao manter com ela um relacionamento de uma honestidade irretocável. Na primeira vez, ela o contratara para uma tarefa simples. Por uma modesta quantia, ele abrira algumas empresas--fantasma que ela poderia usar e nas quais investira um milhão de dólares. Ela o contatara por telefone e não passara de uma voz longínqua. Ele nunca havia lhe perguntado de onde vinha aquele dinheiro. Contentara-se em agir conforme as instruções dela, separando cinco por cento do negócio para si mesmo. Pouco depois, ela injetara uma quantia maior, que ele deveria usar para abrir uma empresa, a Wasp Enterprises, com a finalidade de comprar um apartamento em Estocolmo. Assim, a relação com Lisbeth Salander se tornara lucrativa, mesmo que para ele se tratasse de pequenas quantias.
Dois meses depois, ela fora visitá-lo repentinamente em Gibraltar. Ligara para ele e propusera que ele fosse jantar com ela no seu quarto do Rock que era, se não o maior, o hotel mais refinado do Rochedo. Ele não sabia bem o que esperar, mas certamente não uma cliente com jeito de boneca, uma garota que aparentava não ter mais que quinze anos. Por um momento, pensou que fosse alguma brincadeira.
Logo mudou de opinião. A garota estranha falava, despreocupada, sem nunca sorrir ou se mostrar calorosa. Aliás, nem distante. Ele ficara paralisado quando, em poucos minutos, ela pusera abaixo a fachada profissional de respeitabilidade mundana que ele fazia questão de exibir.
— O que você quer? — ele perguntou.
— Eu roubei uma quantia de dinheiro — ela respondeu muito séria. — Preciso de um vigarista para administrá-la.
Ele se perguntara se ela batia bem da cabeça, mas entrara educadamente no jogo. Ela era um alvo potencial para uma trapaça passível de render pequenos lucros. Depois, ficara como que fulminado quando ela lhe explicara de quem tinha roubado o dinheiro, como tinha sido e qual o total da pilhagem. O caso Wennerstrõm vinha sendo o assunto mais discutido no mundo das finanças internacionais.
— Entendi.
Vieram-lhe à cabeça inúmeras possibilidades.
— Você é um bom advogado empresarial e um bom investidor. Se fosse algum idiota, não teria obtido os contratos que obteve nos anos 1980. Agora, você se comportou como um idiota, a ponto de ter sido mandado embora.
Ele ergueu as sobrancelhas.
— Daqui para a frente, eu vou ser sua única cliente.
Ela o fitara com os olhos mais inocentes que ele já tinha visto.
— Tenho duas exigências. A primeira é que você nunca deve cometer nenhum crime ou se envolver com qualquer coisa que possa nos criar problemas e òhamar a atenção das autoridades para as minhas empresas e as minhas contas bancárias. A outra é que você jamais deve mentir para mim. Jamais, está entendendo? Nem uma vez. E por motivo nenhum. Se você mentir, nosso contrato fica imediatamente anulado e, caso eu me aborreça de fato, arruíno você.
Ela lhe serviu uma taça de vinho.
— Não há motivo nenhum para mentir para mim. Já sei tudo o que há para saber sobre sua vida. Sei quanto você ganha nos meses das vacas gordas e nos meses das vacas magras. Sei quanto você gasta. Sei que freqüentemente você fica sem dinheiro. Sei que tem uma dívida de cento e vinte mil libras, a ser quitada a curto e médio prazo, e se arrisca e trapaceia o tempo todo para saldar essa dívida. Você se safa com elegância e tenta manter as aparências, mas está afundando e faz meses que não compra um paletó novo. Em compensação, há duas semanas mandou consertar o forro de um paletó velho. Antigamente, você colecionava livros raros, mas aos poucos foi vendendo todos. No mês passado, vendeu uma antiga edição de Oliver Twist por setecentas e sessenta libras.
Ela se calou e olhou para ele. Ele engoliu em seco.
— Mesmo assim, na semana passada, você tirou a sorte grande. Uma fraude esperta contra a viúva que você representa. Você passou a mão em seis mil libras que decerto não vão fazer muita falta para ela.
— Droga, como você sabe disso?
— Eu sei que você foi casado, que tem na Inglaterra dois filhos que não querem te ver e que depois do divórcio você deu seu grande salto, mantendo hoje em dia basicamente relações homossexuais. Talvez sinta vergonha, já que foge de boates gays, evita ser visto na cidade com um de seus namorados e sempre atravessa a fronteira espanhola para se encontrar com outros homens.
Com o choque, Jeremy MacMillan tinha ficado mudo. De repente, ficou apavorado. Ignorava como ela descobrira tudo aquilo, mas o fato é que ela tinha informações suficientes para acabar com ele.
— E eu vou falar uma vez só: não me interessa nem um pouco com quem você trepa. Não tenho nada com isso. Quero saber quem você é, mas jamais iria tirar vantagem do que sei. Não tenho a intenção de te ameaçar nem de te chantagear.
MacMillan não era nenhum idiota. Percebeu, obviamente, que o que ela sabia a seu respeito representava uma ameaça. Ela estava no controle. Por um instante, considerou a possibilidade de erguê-la e jogá-la sacada abaixo, mas controlou-se. Nunca na vida havia sentido tanto medo.