Выбрать главу

Annika Giannini encontrou-se com Lisbeth no bar do Sõdra Teatern por volta das nove da noite. Lisbeth terminava seu segundo copo de cerveja.

— Desculpe o atraso — disse Annika, dando uma olhada no relógio. — Tive um pepino com outro cliente.

— Ah, é? — disse Lisbeth.

— O que você está comemorando?

— Nada. Apenas me deu vontade de encher a cara.

Annika observou-a com ceticismo e se sentou.

— Você tem sempre essa vontade?

— Eu tomei o maior porre quando me soltaram, mas não tenho tendência ao alcoolismo, se é isso que te preocupa. Apenas tive consciência de que, pela primeira vez na vida, desde que sou maior de idade, estou legalmente autorizada a me embebedar aqui na Suécia.

Annika pediu um Campari.

— Bem — disse ela. — Você quer beber sozinha ou quer companhia?

— Dê preferência, sozinha. Mas se você não falar muito, pode ficar comigo. Imagino que não queira ir até a minha casa dar uma trepada?

— Hein? — disse Annika Giannini.

— Não, foi o que eu pensei. Você é dessas héteros convictas. De repente, Annika Giannini pareceu achar graça.

— É a primeira vez que um cliente me propõe uma trepada.

— Está interessada?

— Nem um pouco, sinto muito. Mas obrigada pelo convite.

— Então, o que você queria comigo, senhora advogada?

— Duas coisas. Ou você começa a atender os meus telefonemas, ou eu renuncio a ser sua advogada aqui e agora. Já conversamos sobre isso quando você foi solta.

Lisbeth fitou Annika Giannini.

— Faz uma semana que estou tentando falar com você. Liguei, escrevi, mandei e-mails.

— Eu estava viajando.

— Você esteve incomunicável quase o outono todo. Não dá para ser desse jeito. Aceitei ser sua representante jurídica em tudo o que diz respeito aos seus problemas com o Estado. Isso implica formalidades e documentos. Papéis para assinar. Perguntas que devem ser respondidas. Preciso ter como te encontrar, e não acho a menor graça em ficar feito uma boba, sem saber onde você se meteu.

— Entendo. Passei duas semanas no exterior. Cheguei ontem e liguei assim que percebi que você estava tentando falar comigo.

— Não basta. Você precisa me manter informada sobre onde você está e me dar notícias pelo menos uma vez por semana até que todas as pendências de indenização e coisas desse tipo estejam resolvidas.

—  Estou me lixando para a indenização. Só quero que o Estado me deixe em paz.

— Mas o Estado não vai te deixar em paz, isso não depende de você. A sua absolvição, no julgamento, trouxe uma cadeia de conseqüências. Você não é a única envolvida. O Peter Teleborian vai ser processado pelo que fez com você. Isso significa que você vai ter que testemunhar. O procurador Ekstrõm está sendo investigado por erro profissional, e também pode acabar sendo indiciado se ficar provado que ele, em sã consciência, negligenciou seu dever como funcionário a pedido da Seção.

Lisbeth ergueu as sobrancelhas. Por um segundo, pareceu quase interessada.

—  Não acredito que haja indiciamento. Ele se deixou enganar e, na verdade, não tem nada a ver com a Seção. Mas, ainda na semana passada um procurador abriu um inquérito preliminar sobre a Comissão de Tutelas O ombudsman recebeu várias reclamações e o mediador, uma.

— Eu não dei queixa contra ninguém.

— Não. Mas é óbvio que erros profissionais graves foram cometidos e tudo isso terá que ser investigado. Você não é a única pessoa sob responsabilidade da comissão.

Lisbeth deu de ombros.

— Eu não me sinto envolvida. Mas prometo manter um contato mais regular com você. As duas últimas semanas foram uma exceção. Eu estava trabalhando.

Annika Giannini olhou desconfiada para sua cliente.

— Trabalhando no quê?

— Serviço de consultoria.

— Está bem — ela disse afinal. — O outro assunto é que o inventário da sucessão foi concluído.

— Que inventário?

—  O inventário dos bens do seu pai. O advogado do Estado me procurou, já que ninguém sabia onde te achar. Você e sua irmã são as únicas herdeiras.

Lisbeth Salander contemplou Annika sem esboçar nenhuma reação. Depois, capturou o olhar da garçonete e apontou para o seu copo.

— Eu não quero nenhuma herança do meu pai. Pode fazer o que quiser com ela.

— Errado. Você pode fazer o que quiser com essa herança. O meu trabalho é cuidar para que você possa fazer isso.

— Eu não quero um só ore daquele porco.

— Certo. Doe o dinheiro para o Greenpeace, ou para quem você quiser.

— Estou pouco me lixando para as baleias.

De repente, a voz de Annika tornou-se autoritária.

— Lisbeth, se você quer ser maior de idade, já está na hora de se comportar como tal. Não estou nem aí para o que você faz com o seu dinheiro. Só assine aqui dizendo que recebeu e depois pode ficar bebendo à vontade.

Lisbeth olhou de esguelha para Annika, depois para a mesa. Annika supôs que aquilo fosse uma espécie de gesto arrependido, ao qual, quem sabe, se seguiria um pedido de desculpas no limitado repertório de mímicas de Lisbeth Salander.

— Certo. Qual é a quantia?

— E bastante razoável. Seu pai tinha pouco mais de trezentas mil coroas em títulos. A propriedade de Gosseberga, que inclui alguns hectares de floresta, está avaliada em cerca de um milhão e meio de coroas. Além disso, seu pai era proprietário de mais três bens imóveis.

— Bens imóveis?

— Sim. Parece que ele investiu algum dinheiro. Não são propriedades de um valor extraordinário. Ele era dono de um pequeno prédio em Uddevalla, com seis apartamentos, o que gera alguma renda de aluguéis. Mas o prédio está em mau estado, falta manutenção. O fato de ser um imóvel velho até foi mencionado na Comissão de Locações. Isso não vai te deixar rica, mas a venda vai render uma quantia razoável. Ele também tinha uma casa de campo em Smâland, avaliada em duzentas e cinqüenta mil coroas.

— Ah, é?

— E também um prédio industrial deteriorado próximo a Norrtálje.

— Por que ele juntou essa porcaria toda?

— Não faço a menor idéia. De modo geral, depois de vender tudo e descontando impostos e coisas assim, a herança poderia chegar a quatro milhões e pouco, mas...

— Sim?

— Depois, ela tem que ser dividida igualmente entre você e sua irmã. O problema é que ninguém sabe onde ela se encontra.

Lisbeth fitou Annika Giannini com um silêncio inexpressivo.

— E então?

— Então o quê?

— Onde está sua irmã?

— Não faço idéia. Faz dez anos que eu não sei dela.

— Ela detém informações protegidas como segredo de segurança nacional, mas tiveram a gentileza de me informar que nos cadastros do país ela não consta como residente.

— Ah, é? — disse Lisbeth com um interesse controlado. Annika suspirou, resignada.

— Tudo bem. Então eu sugiro que a gente liquide todos os ativos e deposite a metade do dinheiro no banco até sua irmã ser localizada. Posso dar entrada em todos os papéis, se você me autorizar.

Lisbeth deu de ombros.

— Eu não quero o dinheiro dele.

— Dá para entender. Mas, seja como for, temos que apresentar um balanço. Faz parte das suas responsabilidades como maior de idade.

— Então venda essa porcaria toda. Deposite a metade do dinheiro no banco e o resto você doa para quem quiser.

Annika Giannini ergueu uma sobrancelha. Já percebera que Lisbeth Salander tinha dinheiro guardado, mas não havia se dado conta de que sua cliente era rica o suficiente para se permitir desprezar uma herança de quase dois milhões de coroas, talvez mais. Não fazia a menor idéia de como Lisbeth tinha tanto dinheiro, nem de quanto era exatamente. No entanto, gostaria de encerrar todos aqueles trâmites administrativos.

— Por favor, Lisbeth... Leia o inventário da sucessão e me dê sinal verde para pormos um ponto final nesse assunto.