— Você e Erika Berger são adultos e parecem gostar muito um do outro. O que fazem na cama não interessa a ninguém, e tudo que eu conseguiria, ao falar dela, seria só prejudicar você ou oferecer material de chantagem a alguém. Sei lá, não conheço Dirch Frode, e esse material poderia chegar às mãos de Wennerström.
— E você não quer fornecer material a Wennerström?
— Se eu precisasse escolher entre você e ele, escolheria o seu lado do ringue.
— Eu e Erika temos um... nosso relacionamento é...
— Estou pouco me lixando para o relacionamento de vocês. Mas não respondeu à minha pergunta: o que pretende fazer agora que sabe que eu invadi o seu computador?
A pausa de Mikael foi quase tão longa quanto a dela.
— Lisbeth, eu não vim aqui para aborrecê-la, não vou denunciar você.
Estou aqui para pedir sua ajuda numa investigação. Responda sim ou não. Se disser não, vou embora, procuro outra pessoa e não terá mais notícias de mim. — Ele refletiu um segundo e depois sorriu. — Com a condição de eu não pegar você de novo no meu computador, é claro. Ela o olhou com uma expressão vazia.
19. QUINTA-FEIRA 19 DE JUNHO — DOMINGO 29 DE JUNHO
Mikael passou dois dias estudando seus documentos, enquanto aguardava notícias sobre se Henrik Vanger sobreviveria ou não. Permanecia em contato com Dirch Frode. Na quinta-feira à noite, Frode foi vê-lo na casa dos convidados para anunciar que a crise parecia superada por enquanto.
— Ele está fraco, mas consegui falar um pouco com ele hoje. Quer te ver o mais breve possível.
A uma da tarde do sábado, dia do solstício de verão, Mikael foi ao hospital de Hedestad e dirigiu-se ao setor onde Henrik Vanger estava internado. Deparou com Birger Vanger, muito irritado, que lhe barrou o caminho dizendo, com muita autoridade, que Henrik não estava em condições de receber visitas. Sem perder a calma, Mikael contemplou o conselheiro municipal.
— E estranho. Henrik Vanger me mandou um recado muito claro de que desejava me ver hoje.
— Você não é da família e não tem nada o que fazer aqui.
— É verdade, não faço parte da família. Mas vim atender um pedido expresso de Henrik, e só recebo ordens dele.
A troca de palavras poderia ter virado uma disputa violenta se Dirch Frode não tivesse saído do quarto de Henrik justamente naquele momento.
— Ah, aí está você. Henrik acabou de perguntar onde você estava. Frode manteve a porta aberta e Mikael entrou no quarto, passando por
Birger Vanger.
Henrik parecia ter envelhecido dez anos em uma semana. Suas pálpebras permaneciam semicerradas, um tubo de oxigênio entrava pelo nariz e seus cabelos estavam mais emaranhados do que nunca. Uma enfermeira deteve Mikael, pondo a mão em seu braço.
— Só dois minutos. E evite emoções. — Mikael assentiu com a cabeça e sentou-se numa cadeira de modo a poder ver o rosto de Henrik. Ficou surpreso por sentir-se tão enternecido e estendeu a mão para apertar suavemente a do velho, muito frouxa. Henrik Vanger falou com voz fraca, entrecortada.
— Novidades?
Mikael fez que sim com a cabeça.
— Farei um relatório assim que você melhorar. Ainda não resolvi o mistério, mas descobri novos elementos e estou seguindo algumas pistas. Dentro de uma semana ou duas, poderei dizer se isso nos leva a algum lugar.
Henrik tentou balançar a cabeça. Foi com um bater de pálpebras que indicou haver entendido.
— Vou me ausentar por alguns dias.
As sobrancelhas de Henrik se contraíram.
— Não, não estou abandonando o navio. Vou fazer uma investigação. Combinei com Dirch Frode de passar meus relatórios a ele. Está de acordo?
— Dirch é... meu mandatário... em todos os assuntos. Mikael assentiu com a cabeça.
— Mikael... se por acaso... eu vier a... quero que termine... o trabalho assim mesmo.
— Prometo que vou terminar.
— Dirch tem todas as... procurações.
— Henrik, quero que se restabeleça logo. Eu ficaria muito chateado com você se desaparecesse agora que avancei tanto em meu trabalho.
— Dois minutos — disse a enfermeira.
— Preciso ir. Da próxima vez que eu vier, espero ter uma longa conversa com você.
Birger Vanger esperava Mikael quando ele saiu no corredor e o deteve pondo uma mão em seu ombro.
— Não quero que perturbe Henrik outra vez. Ele está gravemente doente e não deve ser incomodado, seja qual for o motivo.
— Entendo sua preocupação. Não vou mais perturbá-lo.
— Todos sabem que Henrik o contratou para investigar seu pequeno hobby... Harriet. Dirch Frode me contou que Henrik ficou muito perturbado depois de uma conversa que vocês tiveram pouco antes do infarto. Disse que você mesmo achou que ela pode ter deflagrado a crise.
— Não penso mais assim. Henrik Vanger tem uma arteriosclerose nas coronárias. Poderia ter sofrido um infarto ao ir ao banheiro. Tenho certeza de que você também sabe muito bem disso.
— Quero ter o direito de fiscalizar todas essas bobagens. É na minha família que você está se metendo.
— Bem, como eu disse... trabalho para Henrik, não para a sua família.
Birger Vanger não estava aparentemente habituado a que alguém o contrariasse. Por um breve instante, encarou Mikael com um olhar destinado a lhe inspirar respeito, mas que lhe dava sobretudo o aspecto de um alce presunçoso. Depois, girou os calcanhares e entrou no quarto de Henrik.
Mikael conteve o riso. Não era muito conveniente rir no corredor tão perto do leito onde Henrik se achava enfermo, que também poderia vir a ser seu leito de morte. Mas Mikael se lembrou de repente de uma estrofe de um abecedário rimado de Lennart Hyland, divulgado no rádio nos anos 1960, e que por uma razão incompreensível ele memorizara quando estava sendo alfabetizado: Era a letra A: o Alce soberbo e solitário insiste/ em olhar o bosque arruinado e triste.
Na entrada do hospital, Mikael topou com Cecilia Vanger. Havia ligado para o celular dela dezena de vezes desde que ela retornara de suas férias interrompidas, mas não obtivera resposta. Ela também não estava em sua casa na ilha quando ele passou por lá e bateu na porta.
— Oi, Cecilia — ele disse. — Lamento o que aconteceu com Henrik. Ela agradeceu com um gesto de cabeça. Mikael tentou captar seus sentimentos, mas não percebeu nem calor nem frieza.
— Precisamos conversar.
— Sinto muito ter te excluído daquela forma. Entendo que esteja furioso, mas estou passando por um momento difícil.
Mikael franziu o cenho até entender o que ela queria dizer. Pôs a mão no braço de Cecilia e sorriu.
— Espere, não é isso, Cecilia. Não estou nem um pouco furioso com você. Queria muito continuar seu amigo, mas se não tem vontade de me ver... se for essa a sua decisão, eu respeitarei.
— Os relacionamentos nunca foram o meu forte — ela disse.
— Nem o meu. Vamos tomar um café?
Ele fez um sinal com a cabeça em direção à cafeteria do hospital. Cecilia hesitou.
— Não, hoje não. Gostaria de ver Henrik agora.
— Tudo bem, mas mesmo assim preciso falar com você. Sobre trabalho.
— O que está querendo dizer? — Ela se pôs em guarda.
— Lembra-se quando nos vimos pela primeira vez, quando você veio me ver em janeiro? Eu disse que tudo o que falássemos seria off the record e que quando eu tivesse perguntas de verdade para lhe fazer, eu avisaria. É sobre Harriet.
O rosto de Cecilia inflamou-se num furor súbito.
— Seu filho-da-puta!
— Cecilia, descobri coisas sobre as quais preciso falar com você. Ela deu um passo para trás.
— Você não entende que essa maldita investigação dessa maldita Harriet é só uma maneira de Henrik se ocupar? Não entende que ele talvez esteja morrendo lá em cima e que a última coisa que ele precisa agora é ser perturbado e que lhe dêem falsas esperanças?...