Bem, o que é que eu faço então?
Ligou o computador e entrou no Google com as palavras-chave Magda + crime. Era a forma de pesquisa mais simples que podia fazer. Para sua grande surpresa, uma porta abriu-se imediatamente em suas investigações. A primeira ocorrência era a programação da TV-Värmland em Karlstad, que indicava um episódio da série Crimes no Värmland levada ao ar em 1999. Depois, ela encontrou um breve artigo no Värmlands Folkblad.
Um novo episódio da série Crimes no Värmland focaliza o caso Magda Lovisa Sjöberg, de Ranmoträsk, um crime misterioso e abominável que mobilizou a polícia de Karlstad dezenas de anos atrás. Em abril de 1960, a proprietária rural Lovisa Sjöberg, de quarenta e seis anos, foi encontrada no estábulo de seu sítio, assassinada de maneira brutal. O repórter Claes Gunnars reconstitui seus últimos momentos e a busca infrutífera do criminoso. Esse crime provocou muita comoção na época e inúmeras teorias sobre o culpado. No programa, um parente mais jovem, suspeito do crime, conta o quanto sua vida foi destruída por essa acusação. 20 horas.
Lisbeth encontrou informações mais consistentes no artigo "O caso Lovisa abalou toda uma região", publicado na revista Värmlandskultur, cujo texto aparecia na net reproduzido na íntegra. Num tom persuasivo e envolvente, contava como o marido de Lovisa, o lenhador Holger Sjöberg, encontrara a mulher morta ao voltar do trabalho, às cinco da tarde. Ela fora violentada, apunhalada e por fim morta com um forcado. O crime ocorrera no estábulo da família, mas o que causara mais comoção é que o assassino, depois de cometer o crime, a pusera de joelhos numa baia de cavalo.
Mais tarde, descobriu-se que um dos animais do sítio, uma vaca, recebera uma facada no pescoço.
De início suspeitaram do marido, mas ele apresentou um álibi sólido. Estava com os colegas de trabalho desde as seis da manhã numa área de corte a quarenta quilômetros do sítio. Lovisa Sjöberg ainda estava viva às dez da manhã, quando uma vizinha passou para vê-la. Ninguém viu nem ouviu nada; o sítio mais próximo ficava a cerca de quatrocentos metros.
Depois de abandonar o marido como principal suspeito, o inquérito policial voltou-se para um sobrinho da mulher assassinada, um jovem de vinte e três anos. Ele já tivera vários problemas com a Justiça, estava seriamente endividado e quase sempre pedia dinheiro emprestado à tia. Seu álibi era bem mais frágil. Ele foi detido para investigações e depois solto por falta de provas. Mesmo assim, muitos habitantes da aldeia o consideravam o mais provável culpado.
A polícia também seguiu outras pistas. Grande parte das investigações girou em torno de um misterioso caixeiro-viajante visto na região; circulava ainda um boato sobre um grupo de supostos ciganos que teriam praticado uma série de roubos. Nada se falava, porém, sobre a razão que os teria levado a cometer um assassinato brutal de caráter sexual, sem que nada tivesse sido roubado.
Por um momento, o interesse se voltou para um vizinho da aldeia, um homem solteiro que na juventude fora suspeito de um crime homossexual — isso numa época em que a homossexualidade ainda era crime — e que, segundo várias declarações, tinha a reputação de ser "estranho". Mas tampouco ficou esclarecido por que um eventual homossexual cometeria um crime sexual contra uma mulher. Nenhuma dessas ou outras pistas jamais levou a uma detenção ou condenação.
Lisbeth Salander achou que a ligação com a lista da agenda telefônica de Harriet era evidente. A citação do Levítico XX, 16 dizia: "Se uma mulher se aproximar de um animal para se prostituir com ele, será morta juntamente com o animal. Serão mortos e levarão a sua iniquidade." Impossível atribuir ao acaso o assassinato de uma camponesa de prenome Magda, proprietária de um estábulo, e seu corpo ter sido colocado numa baia de cavalo.
Mas por que Harriet Vanger anotara o prenome Magda, e não Lovisa, como a vítima era mais conhecida? Se o nome completo dela não estivesse na programação de tevê, Lisbeth nada teria percebido.
E permanecia, claro, a questão fundamentaclass="underline" havia uma ligação entre o assassinato de Rebecka em 1949, o de Magda Lovisa em 1960 e o desaparecimento de Harriet Vanger em 1966? Em caso afirmativo, como Harriet Vanger soube disso?
No sábado, Hartman acompanhou Mikael em um passeio sem muitas expectativas até Norsjö. De manhã, visitaram cinco ex-funcionários da marcenaria que moravam suficientemente perto um do outro para que pudessem ir a pé. Três moravam no centro e dois em Sörbyn, na periferia do vilarejo. Todos ofereceram café. Todos examinaram as fotos e sacudiram negativamente a cabeça.
Após um almoço trivial na casa dos Hartman, saíram de carro para mais uma volta. Foram a quatro aldeias nos arredores de Norsjö onde moravam outros ex-funcionários da marcenaria. A cada parada, Hartman era calorosamente recebido, mas ninguém foi capaz de ajudá-los. Mikael começava a se desesperar e a achar que a viagem a Norsjö não serviria para nada.
Por volta das quatro da tarde, Hartman estacionou o carro em frente a uma casa pintada de vermelho, típica do Västerbotten, em Norsjövallen, ao norte de Norsjö, e apresentou Mikael a Henning Forsman, marceneiro aposentado.
— Sim, é o filho de Assar Brännlund — disse Henning Forsman assim que Mikael mostrou a fotografia.
Bingo!
— E onde posso encontrá-lo?
— Esse rapaz? Bem, vai ter que cavar. Chamava-se Gunnar, morreu numa explosão em meados dos anos 1970.
Droga!
— Mas a mulher dele ainda está viva. É essa da foto. Chama-se Mildred e mora em Bjursele.
— Bjursele?
— Fica a uns dez quilômetros logo que se pega a estrada de Bastuträsk. Mora numa casinha vermelha à direita, na entrada na aldeia. A terceira casa. Conheço bem a família.
"Bom dia, meu nome é Lisbeth Salander. Estou fazendo uma tese de criminologia sobre a violência contra as mulheres no século XX e gostaria de saber se é possível passar no distrito policial de Landskrona para examinar documentos sobre um caso de 1957. Trata-se do assassinato de uma mulher de quarenta e cinco anos chamada Rakel Lunde. Por acaso sabe onde esses documentos podem estar hoje?"
Bjursele parecia uma publicidade viva da vida rural do Västerbotten. A aldeia era composta de umas vinte casas, relativamente próximas, que formavam um semicírculo na extremidade de um lago. No meio da aldeia havia um cruzamento com uma placa indicando Hemmingen, 11 km, e outra apontando para Bastuträsk, 17 km. Ao lado do cruzamento, uma pequena ponte cruzava um riacho que Mikael supôs ser o sele de Bjursele. Nessa época, em pleno verão, era tão bonito como um cartão-postal.
Mikael estacionou no pátio de um supermercado Konsum definitivamente fechado, do outro lado da estrada, a pouca distância da terceira casa à direita. Quando bateu à porta, ninguém atendeu.
Andou durante uma hora pela estrada de Hemmingen. Passou num lugar onde o riacho se transformava numa torrente impetuosa, viu dois gatos e uma cabra antes de retornar, mas nenhum ser humano. A porta de Mildred Brannlund continuava fechada.
Num poste junto à ponte, um pequeno cartaz convidava para assistir ao BTCC, o Bjursele Tukting Car Championship 2002. Mikael olhou pensativamente para o cartaz. Tukt a car parecia ser uma distração de inverno que consistia em conduzir um veículo sobre o lago gelado até arrebentá-lo.
Esperou até as dez da noite antes de desistir e retornar a Norsjö, onde jantou tarde e recolheu-se para terminar de ler o policial de Vai McDermid.
Um final abominável.
* * *
Às dez da noite, Lisbeth Salander acrescentou outro nome à lista de Harriet Vanger. Fez isso com muita hesitação, depois de refletir por horas.