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Ela descobrira um atalho. Regularmente eram publicados artigos sobre crimes não solucionados, e no suplemento de um jornal vespertino topou com um artigo de 1999 intitulado "Matadores de mulheres continuam em liberdade". O artigo era conciso, mas trazia os nomes e as fotos de várias vítimas que fizeram correr muita tinta. O caso Solveig em Norrtälje, o assassinato de Anita em Norrköping, o de Margareta em Helsingborg e uma série de outros mistérios.

Os casos mais antigos datavam dos anos 1960 e nenhum dos crimes figurava na lista que Mikael passara a Lisbeth. No entanto, um deles chamou sua atenção.

Em junho de 1962, uma prostituta de trinta e dois anos, Lea Persson, de Göteborg, foi a Uddevalla para visitar sua mãe e seu filho de nove anos de quem a mãe tinha a guarda. Alguns dias depois, Lea abraçou a mãe, despediu-se e partiu para pegar o trem de volta a Göteborg. Foi encontrada dois dias depois atrás de um contêiner abandonado num terreno baldio industrial. Fora violentada e seu corpo sofrera sevícias particularmente brutais.

O assassinato de Lea foi objeto de várias matérias folhetinescas na imprensa, mas o culpado jamais foi identificado. O nome Lea não estava na lista de Harriet Vanger e nenhuma das citações bíblicas correspondia a esse crime.

Contudo, um detalhe muito bizarro levantou as antenas de Lisbeth Salander. A cerca de dez metros do local onde o corpo de Lea foi encontrado, descobriram um vaso de flores com um pombo dentro. Alguém pusera um cordão em volta do pescoço do pombo e o puxara pelo buraco no fundo do vaso. Depois, o vaso foi colocado sobre um pequeno fogo entre dois tijolos. Nada provava que essa crueldade com o animal tivesse relação com o assassinato de Lea; talvez apenas crianças se divertindo dessa maneira ignóbil. Na imprensa, porém, o caso ficou conhecido como "O crime do pombo".

Lisbeth Salander não lia a Bíblia — nem mesmo possuía uma —, mas no fim da tarde foi até a igreja de Högalid e, depois de insistir um pouco, emprestaram-lhe uma Bíblia. Ela se instalou num banco no adro da igreja e leu o Levítico. Ao chegar ao capítulo XII, versículo 8, levantou as sobrancelhas. O capítulo XII falava da purificação da mulher que deu à luz:

"Se as suas posses não lhe permitirem trazer um cordeiro, ela tomará duas rolas ou dois pombinhos, um para o holocausto e outro para o sacrifício pelo pecado. O sacerdote fará por ela a expiação e ela será purificada."

Lea poderia perfeitamente ter figurado na lista de Harriet Vanger como Lea 31208.

De repente Lisbeth Salander percebeu que as investigações que fizera até então não possuíam, nem de longe, as dimensões de sua atual missão.

Mildred Brännlund, que voltara a se casar e agora tinha o nome Berggren, atendeu Mikael Blomkvist quando ele bateu à sua porta às dez horas da manhã do domingo. Com quarenta anos a mais, a mulher parecia ter engordado também uns quarenta quilos. Mas Mikael a reconheceu de imediato.

— Bom dia, meu nome é Mikael Blomkvist. É Mildred Berggren, imagino.

— Sim, sou eu.

— Desculpe incomodá-la, mas há algum tempo venho tentando encontrá-la por causa de um assunto bastante difícil de explicar. — Mikael sorriu. — Será que posso entrar e tomar um pouquinho do seu tempo?

Como o marido de Mildred e seu filho de trinta e cinco anos estavam em casa, sem muita hesitação ela convidou Mikael a entrar e a se sentar na cozinha. Mikael bebera mais café do que nunca nos últimos dias, mas sabia que uma recusa, no Norrrland, seria uma descortesia. Quando as xícaras foram postas na mesa, Mildred sentou-se e perguntou, muito curiosa, o que podia fazer por ele. Como Mikael não compreendia bem seu dialeto de Norsjö, ela passou a falar no sueco de Estocolmo.

Mikael respirou fundo.

— E uma longa e estranha história. Em setembro de 1966, a senhora estava em Hedestad com seu marido, na época Gunnar Brännlund.

Ela parecia estupefata. Ele esperou até que ela assentisse com a cabeça e depois colocou na mesa a foto tirada na rua da Estação.

— E então tiraram essa foto. Lembra-se da ocasião?

— Santo Deus — disse Mildred Berggren. — Faz uma eternidade. O segundo marido e o filho olharam a foto por cima de seu ombro.

— Era uma viagem de núpcias. Fomos a Estocolmo e a Sigtuna de carro, estávamos voltando e simplesmente paramos em qualquer lugar. O senhor disse Hedestad?

— Sim, Hedestad. Essa foto foi tirada por volta da uma da tarde. Já há algum tempo venho tentando identificar a senhora. Não foi nada fácil.

— Descobriu uma velha foto minha e me encontrou. Nem consigo imaginar como fez isso.

Mikael mostrou-lhe a foto do estacionamento.

— Foi graças a esta outra foto, tirada um pouco mais tarde no mesmo dia, que pude seguir sua pista. — Mikael explicou como, através da Marcenaria de Norsjö, encontrara Hartman, que, por sua vez, o levou a Henning Forsman em Norjösvallen.

— Suponho que tenha uma boa razão para estar fazendo essa estranha pesquisa.

— De fato. A jovem na foto diante da senhora chamava-se Harriet. Ela desapareceu nesse dia e muitos acham que foi morta. Por favor, deixe que eu lhe mostre.

Mikael pegou seu notebook e, enquanto o computador iniciava, foi explicando todo o contexto da história. Depois passou a sequência que mostrava a mudança de expressão do rosto de Harriet.

— Foi ao examinar essas fotos antigas que eu a vi. A senhora está bem atrás de Harriet, tem na mão uma máquina fotográfica e parece estar fotografando justamente o que ela está vendo e que provocou essa reação nela. Sei que é uma aposta insensata. Mas a razão que me levou a procurá-la é que talvez a senhora ainda conserve as fotos desse dia.

Mikael esperava que Mildred Berggren abanasse as mãos dizendo que não sabia o que fora feito das fotos, que as jogara fora ou que o filme nunca fora revelado. Em vez disso, ela fitou Mikael com seus olhos azul-claros e anunciou, como se fosse a coisa mais natural do mundo, que ainda guardava todas as fotos de suas viagens.

Foi até outro cômodo e voltou depois de um minuto ou dois com uma caixa contendo álbuns onde havia um grande número de fotos. Não demorou muito para encontrar as da viagem a Hedestad. Ela tirara três fotos na cidade. Uma estava desfocada e mostrava a rua principal. Na outra estava seu ex-marido. Na terceira, viam-se os palhaços no desfile.

Mikael se aproximou, muito excitado. Viu uma pessoa do outro lado da rua. A foto não lhe dizia absolutamente nada.

20.  TERÇA-FEIRA 1º DE JULHO — QUARTA-FEIRA 2 DE JULHO

A primeira coisa que Mikael fez de manhã assim que chegou a Hedestad foi procurar Dirch Frode para ter notícias de Henrik Vanger. O estado de saúde do velho havia melhorado consideravelmente durante a semana. Ainda estava fraco e frágil, mas já podia se sentar na cama. Seu estado não era mais considerado crítico.

— Graças a Deus! — disse Mikael. — Descobri que gosto muito dele.

— Eu sei. Henrik também gosta de você — respondeu Frode balançando a cabeça. — E a viagem ao Grande Norte, como foi?

— Bem-sucedida e insatisfatória. Mais tarde eu conto. Agora tenho uma pergunta a lhe fazer.

— Diga.

— O que acontecerá à Millennium se Henrik falecer?

— Nada de especial. Martin assumirá o lugar dele no conselho administrativo.

— Há um risco, mesmo hipotético, de que Martin crie problemas para a Millennium se eu não parar de investigar o desaparecimento de Harriet Vanger?

Dirch Frode lançou um olhar inquiridor a Mikael.

— O que aconteceu?

— Para dizer a verdade, nada. — Mikael relatou a conversa que teve com Martin na noite de São João. — Quando voltei de Norsjö, Erika me telefonou para dizer que Martin entrou em contato com ela e lhe pediu que insistisse comigo que eles estão precisando de mim na redação.