— Entendo. Suponho que Cecilia foi importuná-lo. Mas não acredito que Martin faria barganhas. Ele é muito honesto para isso. E lembre-se que eu também participo do conselho administrativo da pequena sociedade paralela que criamos no momento que entramos na Millennium.
— Mas, caso a situação se complique, qual seria a posição dele?
— Contratos são feitos para ser respeitados. Trabalho para Henrik. Ele e eu somos amigos há quarenta e cinco anos e atuamos mais ou menos da mesma forma nesse tipo de contexto. Se Henrik morrer, serei eu, e não Martin, o sucessor dele na sociedade paralela. O contrato estipula claramente que nos comprometemos a gerar recursos para a Millennium durante quatro anos. Se Martin quiser criar obstáculos — o que não acredito —, poderá, teoricamente, barrar a entrada de alguns novos anunciantes.
— O que é a base da existência da Millennium.
— Sim, mas considere as coisas deste modo: entregar-se a tais baixezas toma tempo. Martin está lutando por sua própria sobrevivência industrial e trabalha catorze horas por dia. Não tem tempo de se dedicar a outras coisas.
Mikael ficou em silêncio, pensativo.
— Se me permite uma pergunta: sei que isto não me diz respeito, mas qual é a situação geral do grupo?
Dirch Frode assumiu um ar mais grave.
— Estamos com problemas.
— Certo, mesmo um simples jornalista econômico como eu percebeu isso. Mas até que ponto são problemas sérios?
— Promete que fica entre nós?
— Com certeza.
— Nas últimas semanas perdemos dois grandes pedidos na indústria eletrônica e estamos sendo ejetados do mercado russo. Em setembro, seremos obrigados a demitir mil e seiscentos funcionários em Örebro e em Trollhättan. Uma triste recompensa para pessoas que trabalham há tantos anos no grupo. Sempre que fechamos uma fábrica, a confiança no grupo fica abalada.
— Martin está sob pressão?
— É um boi de carga pisando em ovos.
Mikael voltou para casa e ligou para Erika. Ela não estava na redação e ele discutiu o assunto com Christer Malm.
— E o seguinte: Erika me telefonou ontem quando voltei de Norsjö. Martin Vanger conversou com ela e a estimulou, por assim dizer, a propor que eu voltasse a trabalhar na redação.
— É o que eu também acho — disse Christer.
— Entendo. Mas o fato é que tenho um contrato com Henrik Vanger que não posso romper e Martin age a pedido de uma pessoa que deseja que eu pare de investigar e desapareça da aldeia. A proposta dele, portanto, não passa de uma tentativa de me afastar daqui.
— Entendo.
— Diga a Erika que só voltarei para Estocolmo quando eu tiver terminado tudo, não antes.
— Está bem, transmitirei seu recado. Mas você é completamente louco.
— Christer, está acontecendo algo aqui, e eu não tenho a menor intenção de recuar.
Christer deu um forte suspiro.
Mikael foi procurar Martin Vanger. Eva Hassel abriu a porta e o saudou amigavelmente.
— Bom dia. Martin está?
Em resposta à pergunta, Martin apareceu com sua pasta de executivo na mão. Beijou o rosto de Eva e cumprimentou Mikael.
— Estou indo para o escritório. Quer falar comigo?
— Posso esperar, se está com pressa.
— Vamos, fale.
— Não tenho a intenção de voltar para a redação da Millennium antes de terminar o trabalho que Henrik me confiou. Aviso desde já, para que não conte comigo no conselho administrativo antes do fim do ano.
Martin Vanger balançou-se nos calcanhares para a frente e para trás.
— Entendo. Acha que estou querendo me livrar de você. — Fez uma pausa. — Mikael, falaremos disso mais tarde. Não tenho realmente tempo para me dedicar a uma atividade no conselho administrativo da revista e preferia não ter aceitado a proposta de Henrik. Mas, acredite, farei o melhor que puder para que a Millennium sobreviva.
— Nunca duvidei disso — respondeu Mikael polidamente.
— Faremos uma reunião na semana que vem para avaliar toda a situação financeira e depois eu lhe darei uma opinião a esse respeito. Mas acredito sinceramente que a Millennium não pode se dar ao luxo de ter um de seus principais representantes ocioso aqui em Hedebyön. Gosto da revista e estou certo de que poderemos recuperá-la, mas você é indispensável para esse trabalho. Quanto a mim, vejo-me pressionado por um conflito de interesses: seguir a vontade de Henrik ou cumprir meu trabalho no conselho administrativo da Millennium.
Mikael vestiu uma roupa esportiva e saiu para praticar jogging até a Fortificação. Depois passou pela cabana de Gottfried antes de voltar, num ritmo mais lento, beirando a praia. Dirch Frode estava sentado à mesa do jardim. Ele esperou pacientemente que Mikael esvaziasse uma garrafa de água e enxugasse o rosto.
— Tem certeza de que é bom para a saúde com esse calor?
— Ora, vamos! — respondeu Mikael.
— Eu me enganei. Não é Cecilia quem está importunando Martin. É Isabella que está mobilizando todo o clã Vanger para arrancar as suas penas e, se possível, assar você na panela. Ela é apoiada por Birger.
— Isabella?
— É uma mulher maldosa e mesquinha que, de modo geral, não gosta de ninguém. Neste momento, o ódio dela se dirige a você em particular. Espalhou boatos de que você é um vigarista que convenceu Henrik a contratá-lo e que o excitou a ponto de causar-lhe um infarto.
— E alguém acreditou nisso?
— Há sempre gente pronta a acreditar nas más-línguas.
— Estou tentando descobrir o que aconteceu com a filha dela e ela me odeia. Se fosse a minha filha, acho que eu reagiria de outro modo.
* * *
Por volta das duas da tarde, o celular de Mikael tocou.
— Bom dia, meu nome é Cony Torsson, trabalho no Hedestads-Kuriren. Teria um tempinho para responder a algumas perguntas? Obtivemos informações confidenciais de que está morando aqui na aldeia.
— Nesse caso as informações demoraram um pouco a chegar. Estou morando aqui desde 1º de janeiro.
— Eu não sabia. E o que faz em Hedeby?
— Estou escrevendo. E tendo uma espécie de ano sabático.
— Está escrevendo sobre o quê?
— Saberá quando for publicado.
— Você acaba de sair da prisão...
— E...?
— Qual é a sua opinião sobre jornalistas que falsificam dados?
— Jornalistas que falsificam dados são imbecis.
— Está querendo dizer que é um imbecil?
— Por que eu diria isso? Nunca falsifiquei dados.
— Mas foi condenado por difamação.
— E...?
O repórter Conny Torsson hesitou tanto tempo que Mikael foi obrigado a explicar.
— Fui condenado por difamação, não por ter falsificado dados.
— Mas publicou esses dados.
— Se telefonou para falar da minha condenação, não tenho nenhum comentário a fazer.
— Gostaria de entrevistá-lo.
— Sinto muito, nada tenho a dizer sobre esse assunto.
— Então não quer conversar sobre o processo?
— Isso mesmo — respondeu Mikael, pondo fim à conversa. Ele refletiu um bom tempo antes de voltar ao computador.
Lisbeth Salander seguiu as instruções que lhe deram e cruzou a ponte na sua Kawasaki. Parou diante da primeira casa à esquerda. Era um lugar distante, mas estaria disposta a ir ao Pólo Norte se estivesse sendo paga para isso. Além do mais, fora bom correr a toda a velocidade pela rodovia E4. Estacionou a moto e desatou a correia que prendia sua sacola de viagem.
Mikael Blomkvist abriu a porta e acenou com a mão. Saiu e inspecionou a moto com um assombro sincero.