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— Quando comecei esse trabalho, achei que seria uma perda de tempo. Mas o fato é que, contra todas as expectativas, encontramos novidades. Acho que estamos perto de uma descoberta e que talvez seja possível explicar o que aconteceu.

— Não quer me dizer o que foi que descobriu?

— De acordo com o contrato, não posso falar disso com ninguém sem o consentimento de Henrik.

Martin Vanger pôs a mão no queixo. Mikael viu dúvida nos olhos dele, mas por fim Martin se decidiu.

— Certo, nesse caso o melhor a fazer é resolver primeiro o mistério de Harriet. Darei todo o apoio que puder para que você termine o trabalho de forma satisfatória, o mais rápido possível, e em seguida retorne à Millennium.

— Que bom. Não tenho vontade de ser obrigado a lutar contra você também.

— Não será necessário. Tem meu inteiro apoio. Pode me procurar quando quiser, se tiver problemas. Pressionarei Birger para que não crie mais obstáculos. E tentarei acalmar Cecilia.

— Obrigado. Preciso fazer umas perguntas a ela, mas há um mês vem evitando minhas tentativas de conversa.

Martin Vanger sorriu.

— Talvez tenha outras coisas a acertar com ela. Mas não é da minha conta.

Despediram-se com um aperto de mão.

Lisbeth Salander havia escutado em silêncio a conversa entre Mikael e Martin Vanger. Assim que o industrial foi embora, ela pegou o Hedestads-Kuriren e leu o artigo. A seguir, largou o jornal sem fazer nenhum comentário.

Mikael não disse nada. Ele refletia. Gunnar Karlman nascera em 1942, portanto tinha vinte e quatro anos em 1966. Também era uma das pessoas presentes na ilha quando Harriet desapareceu.

Depois do café-da-manhã, Mikael incumbiu sua colaboradora de ler o inquérito policial. Fez uma triagem do material e lhe passou os arquivos que enfocavam o desaparecimento de Harriet. Passou-lhe também todas as fotos do acidente na ponte, bem como a longa síntese que escreveu com base nas investigações particulares de Henrik.

Depois Mikael foi à casa de Dirch Frode e o convenceu a redigir um contrato determinando a contratação de Lisbeth como colaboradora por um mês.

Ao voltar à casa dos convidados, encontrou Lisbeth no jardim, mergulhada no inquérito policial. Mikael entrou para esquentar o café e a espiou pela janela da cozinha. Ela parecia percorrer o inquérito superficialmente, não dedicando mais que dez ou quinze segundos a cada página. Folheava o documento de maneira automática. Mikael achou estranha essa negligência, ainda mais considerando a aplicação com que realizara sua própria investigação. Levou duas xícaras de café ao jardim e juntou-se a ela.

— O que você escreveu sobre o desaparecimento de Harriet foi escrito antes de perceber que estamos atrás de um assassino serial.

— Exato. Anotei o que me pareceu importante, perguntas que gostaria de fazer a Henrik Vanger et cetera. Como você deve ter percebido, está bem mal estruturado. Na verdade, até agora andei tateando no escuro, e ao mesmo tempo tentando escrever uma história, um capítulo da biografia de Henrik Vanger.

— E agora?

— No começo, todas as investigações estavam centradas em Hedebyön. Agora estou convencido de que a história começou mais cedo no mesmo dia, não na ilha, mas em Hedestad. Isso muda a perspectiva.

Lisbeth assentiu com a cabeça e refletiu por um momento.

— É fantástico o que descobriu com as fotos — ela disse.

Mikael levantou as sobrancelhas. Lisbeth Salander não parecia ser do tipo pródigo em elogios e Mikael sentiu-se estranhamente lisonjeado. Mas, do ponto de vista jornalístico, tratava-se mesmo de uma proeza bastante in-comum.

— Preciso de mais alguns detalhes. Conte o que descobriu sobre a fotografia que foi buscar em Norsjö.

— Está me dizendo que não viu essa foto no meu computador?

— Não tive tempo. Preferi me concentrar nos resumos, nas conclusões que tirou.

Mikael suspirou, abriu seu notebook e depois a pasta de fotos.

— A viagem a Norsjö foi ao mesmo tempo um avanço e uma decepção total. Encontrei a foto, mas ela não revela grande coisa. A tal Mildred Berggren conservou todas as suas fotos de viagem num álbum, e ali colou com cuidado toda a coleção. A foto que eu procurava estava lá, tirada com um filme colorido barato. Depois de trinta e sete anos, a cópia está bastante apagada e amarelada, mas Mildred também conservou os negativos numa caixa de sapatos. Ela me emprestou os de Hedestad e eu os escaneei. Aqui está o que Harriet viu.

Ele clicou num arquivo chamado harriet/bd-19.eps.

Lisbeth entendeu a decepção dele. Era uma foto em plano geral, bastante mal enquadrada, mostrando os palhaços no desfile da Festa das Crianças. Ao fundo via-se o canto da loja Sundström. Umas dez pessoas apareciam na calçada em frente à loja.

Mikael apontou com o dedo.

— Acho que foi este o sujeito que ela viu. Primeiro, porque tentei calcular o que ela via baseando-me no rosto dela e na direção para a qual ele estava voltado; fiz um desenho exato do local. Depois, porque ele é a única pessoa que parece olhar diretamente para a máquina fotográfica, ou seja, para Harriet.

Lisbeth viu uma figura imprecisa um pouco recuada atrás dos espectadores, na rua transversal. Vestia uma jaqueta escura com um tom diferente nos ombros, vermelho, e uma calça escura, provavelmente um jeans. Mikael ampliou a imagem para que a figura ocupasse toda a tela a partir da cintura. A imagem ficou ainda mais imprecisa.

— É um homem. Mede cerca de um metro e oitenta, corpulência normal. Cabelos castanho-claros, não muito curtos, sem barba. Mas é impossível distinguir as feições ou mesmo calcular a idade. Pode ser tanto um adolescente quanto um quinquagenário.

— Podemos retocar a foto...

— Já retoquei. Inclusive enviei uma cópia a Christer Malm da Millennium, que é um craque em tratamento de imagens. — Mikael clicou em outra foto. — O que vemos aqui é o que se pode obter de melhor. O problema é que a máquina fotográfica é muito ruim e a distância muito grande.

— Mostrou essa foto a alguém? As pessoas podem reconhecer a atitude...

— Mostrei a Dirch Frode. Ele não tem a menor idéia de quem possa ser.

— Dirch Frode não é o cara mais esperto de Hedestad.

— Mas é para ele e para Henrik que eu trabalho. Quero mostrar a foto a Henrik antes de fazê-la circular.

— Talvez seja apenas um simples espectador.

— É possível. Mas nesse caso ele soube provocar uma reação bem estranha em Harriet.

Na semana seguinte, Mikael e Lisbeth trabalharam no caso Harriet praticamente o tempo todo. Lisbeth continuou lendo o inquérito e fez uma série de perguntas às quais Mikael tentou responder. Só podia haver uma verdade e as respostas pouco claras, os dados equívocos os levavam a aprofundar a discussão. Passaram um dia inteiro verificando os horários das pessoas durante o acidente na ponte.

Lisbeth Salander deixava Mikael cada vez mais perplexo. Embora percorresse superficialmente os textos do inquérito, ela parecia deter-se nos detalhes mais obscuros e incompatíveis.

Eles faziam uma pausa à tarde, quando o calor os impedia de continuar no jardim. Várias vezes foram tomar banho no canal ou beber alguma coisa no Café Susanne. Susanne passou a olhar Mikael com uma frieza ostensiva. Ele se deu conta de que Lisbeth parecia mais jovem do que era e estava hospedada em sua casa, o que aos olhos de Susanne o transformava num velho safado que gosta de menininhas. Era desagradável.

Mikael continuava praticando jogging todos os fins de tarde. Lisbeth não fazia nenhum comentário sobre esses exercícios quando ele voltava ofegante para casa. Correr não era bem a idéia que ela fazia de um lazer de verão.

— Passei dos quarenta — disse Mikael. — Sou obrigado a fazer exercício para não engordar.