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Ela não sabia o que responder. Eu sempre soube. Preferiu ir se deitar sem dizer boa-noite.

Para irritá-la ainda mais, Mikael não pareceu reagir quando ela virou as costas. De sua cama, ela o escutou mexer-se na cozinha, limpar a mesa e lavar a louça. Ele sempre ficava de pé mais tempo que ela, mas agora estava claramente indo se deitar. Ela o ouviu no banheiro, o ouviu entrar no quarto e fechar a porta.. Um momento depois, ouviu o rangido da cama quando ele se deitou, a cinquenta centímetros dela, do outro lado da parede.

Durante a semana que passou na casa dele, ele não tentou abordá-la sexualmente. Trabalhou com ela, pediu sua opinião, criticou-a quando raciocinava errado e apreciou suas objeções quando ela o corrigia. Tratou-a, nem mais nem menos, como um ser humano.

De repente, ela percebeu que gostava da companhia de Mikael Blomkvist e que até mesmo confiava nele. Nunca confiara em ninguém, com exceção de Holger Palmgren. Mas por razões bem diferentes. Palmgren fora uma boa alma previsível.

Levantou-se, foi até a janela e ficou olhando, nervosa, a escuridão lá fora. O que mais a paralisava era mostrar-se nua diante de alguém pela primeira vez. Estava convencida de que seu corpo raquítico era repulsivo. Os seios, patéticos. Não tinha quadris que merecessem esse nome. A seus próprios olhos, não tinha grande coisa a oferecer. No entanto, era uma mulher perfeitamente normal, com os mesmos desejos e pulsões sexuais que as outras. Refletiu durante cerca de vinte minutos antes de se decidir.

Mikael estava deitado e lia um romance de Sara Paretsky quando ouviu a maçaneta da porta girar e viu Lisbeth Salander aparecer. Estava envolvida num lençol e se mantinha no vão da porta sem dizer nada, como se refletisse.

— Algum problema? — perguntou Mikael. Ela fez que não com a cabeça.

— O que você quer?

Ela se aproximou dele, pegou seu livro e o pôs na mesa-de-cabeceira. Depois se curvou para a frente e o beijou na boca. As intenções dela não podiam ser mais claras. Sentou-se na cama e ficou olhando-o de um jeito perscrutador. Pôs uma mão sobre o lençol acima do ventre dele. Como ele não protestasse, ela se inclinou e mordiscou um de seus mamilos.

Mikael Blomkvist estava totalmente perplexo, mas não indiferente. Depois de alguns segundos, pegou-a pelos ombros e afastou-a um pouco para poder ver seu rosto.

— Lisbeth... não sei se é uma boa idéia. Devemos trabalhar juntos.

— Quero fazer sexo com você. E não vejo problema algum em trabalharmos juntos; ao contrário, terei um problema sério se me mandar embora.

— Mas nem nos conhecemos direito.

Ela riu, um riso abrupto que mais parecia uma tosse.

— Quando fiz minha investigação sobre você, percebi que nunca teve esse tipo de problema. Ao contrário, você é daqueles que têm dificuldade de ficar longe das mulheres. Que está havendo? Não pareço bastante sexy?

Mikael balançou a cabeça e tentou encontrar algo inteligente para dizer. Como ele não respondeu, ela afastou o lençol e sentou-se de pernas abertas sobre ele.

— Não tenho preservativos — disse Mikael.

— Não faz mal.

Quando Mikael despertou, Lisbeth já estava de pé. Ouviu-a mexendo nas louças da cozinha. Eram quase sete da manhã. Ele dormira apenas duas horas e continuou de olhos fechados.

Não conseguia entender Lisbeth Salander. Em nenhum momento ela havia insinuado, nem mesmo através de um olhar, que estivesse interessada nele.

— Bom dia — disse Lisbeth à porta. Ela sorria. Um pouco, é verdade.

— Oi — disse Mikael.

— Não temos mais leite. Vou até o supermercado. Eles abrem às sete. E afastou-se tão depressa que Mikael nem teve tempo de responder. Ele a ouviu calçar-se, pegar a mochila, o capacete da moto e sair pela porta da frente. Ele fechou os olhos. Depois ouviu a porta ser aberta de novo e em alguns segundos ela reapareceu. Desta vez não sorria mais.

— Venha, você precisa ver uma coisa — disse com uma voz estranha. Mikael saltou imediatamente da cama e enfiou a calça. Durante a noite alguém viera lhe trazer um presente indesejado. No terraço da entrada, jazia o cadáver semicarbonizado de um gato esquartejado. As patas e a cabeça haviam sido cortadas, o ventre aberto e as entranhas removidas; os restos do gato estavam ao lado do cadáver, que parecia ter sido posto no fogo. A cabeça estava intacta e fora colocada em cima do assento da moto de Lisbeth. Mikael reconheceu a pelagem ruiva.

22.  QUINTA-FEIRA 10 DE JULHO

Eles tomaram o café-da-manhã no jardim, em silêncio e sem leite no café. Lisbeth havia apanhado uma pequena Canon digital e fotografado a cena macabra antes de Mikael trazer um saco de lixo para levar tudo. Ele pôs o gato no porta-malas do carro que lhe emprestaram, mas não tinha muita certeza do que fazer com o cadáver. O lógico seria apresentar queixa por crueldade contra os animais, talvez também por ameaças, mas não sabia muito bem como explicar o porquê da ameaça.

Por volta das oito e meia, Isabella Vanger passou a pé e dirigiu-se à ponte. Não os viu ou fingiu não vê-los.

— Como está se sentindo? — perguntou finalmente Mikael a Lisbeth.

— Bem. — Ela olhou para ele, surpresa. Entendi. Ele gostaria que eu estivesse nervosa. — Quando encontrar o canalha que torturou um pobre gato inocente só para nos deixar uma advertência, vou acertá-lo com um taco de beisebol.

— Acha que é uma advertência?

— Tem explicação melhor? Claro que significa alguma coisa. Mikael assentiu com a cabeça.

— Seja o que for, a verdade é que acabamos inquietando muito alguém, a ponto de deixar essa pessoa doente. Mas há um outro problema — disse ele.

— Eu sei. E um sacrifício de animal semelhante aos de 1954 e 1960. E parece impossível que um matador em atividade há cinquenta anos continue por aí, deixando animais torturados na sua porta.

— Os únicos que podem figurar na lista, nesse caso, são Harald Vanger e Isabella Vanger. Existem alguns parentes mais velhos do ramo Johan Vanger, mas nenhum mora na região.

Mikael suspirou antes de prosseguir.

— Isabella é uma mulher estúpida que certamente não hesitaria em matar um gato, mas duvido que passasse o tempo matando mulheres em série nos anos 1950. Harald Vanger... não sei, parece tão decrépito que mal consegue andar e é difícil acreditar que saia sorrateiramente à noite para achar um gato e fazer isso.

— A não ser que sejam duas pessoas, uma velha e uma jovem.

Mikael ouviu um carro passar, ergueu os olhos e viu Cecilia Vanger desaparecer no final da ponte. Harald e Cecilia, pensou. Mas havia um grande ponto de interrogação: pai e filha não se viam e raramente se falavam. Apesar de Martin Vanger ter prometido falar com ela, Cecilia continuava sem responder aos telefonemas de Mikael.

— Com certeza é alguém que sabe que estamos investigando e que fizemos progressos — disse Lisbeth, levantando-se e entrando na casa.

Ao voltar, ela vestia sua roupa de motoqueira.

— Vou a Estocolmo. Volto à noite.

— O que você vai fazer?

— Umas pesquisas. Se um cara é bastante louco para matar um gato desse jeito, ele, ou ela, pode nos atacar da próxima vez. Ou pôr fogo no barraco enquanto dormimos. Quero que vá a Hedestad comprar dois extintores e dois detectores de incêndio hoje. Um dos extintores deve ser com halon.

Sem dizer mais nada, pôs o capacete, acionou a moto e desapareceu pela ponte.

Mikael jogou o cadáver no coletor de lixo do posto de gasolina, antes de ir a Hedestad comprar os extintores e os detectores de incêndio. Pôs as compras no porta-malas do carro e foi para o hospital. Havia telefonado para Dirch Frode e marcado um encontro com ele na cafeteria. Contou o que havia acontecido de manhã. Dirch Frode empalideceu.

— Mikael, nunca pensei que essa história pudesse se tornar perigosa.