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Ela espalhou quatro detectores de movimento ao redor da casa e explicou que, se alguém se aproximasse a menos de seis, sete metros, um sinal de rádio dispararia o bipe que havia instalado no quarto de Mikael. Na mesma hora, duas câmeras de vídeo ultra-sensíveis colocadas nas árvores, na frente e atrás da casa, começariam a enviar sinais a um laptop dentro do armário do vestíbulo. Ela dissimulou as câmeras com um tecido escuro, deixando apenas as objetivas descobertas.

Colocou uma terceira câmera numa gaiola de passarinho em cima da porta. Para introduzir o cabo ali, fez um buraco na parede. A objetiva estava apontada para a estrada e para o caminho do portão até a porta de entrada. A câmera tirava uma foto de baixa resolução por segundo, armazenada no disco rígido de um segundo laptop no armário.

Em seguida, instalou um capacho com captores de pressão no vestíbulo. Se alguém burlasse os detectores de movimento e entrasse na casa, um alarme de cento e quinze decibéis dispararia. Lisbeth mostrou como fazer para desativar os detectores com a chave de um pequeno cofre colocado no armário. Ela também emprestara um binóculo de visão noturna, que deixou na mesa da saleta de trabalho.

— Você parece ter pensado em tudo — disse Mikael, servindo-lhe uma xícara de café.

— Outra coisa, nada mais de jogging até que a gente tenha resolvido tudo isso.

— Pode crer que perdi todo o interesse pelo treinamento.

— Não estou brincando. Esse caso começou como um enigma histórico, mas hoje de manhã havia um gato morto na entrada e no fim da tarde alguém tentou estourar os seus miolos. Nós cutucamos alguém do esconderijo.

Eles fizeram uma refeição fora de hora, com carne fria e salada de batatas. Mikael estava muito cansado e com uma dor de cabeça terrível. Não conseguia falar mais nada e foi se deitar.

Lisbeth Salander permaneceu ali de pé e depois continuou lendo o inquérito até as duas da manhã. A missão em Hedeby havia se transformado em algo ameaçador e complicado ao mesmo tempo.

23.  SEXTA-FEIRA 11 DE JULHO

Mikael despertou às seis da manhã com o sol batendo direto no rosto porque a cortina não fora bem fechada. A cabeça estava vagamente dolorida e ele sentiu uma dor aguda ao tocar o curativo. Lisbeth Salander dormia de bruços, com um braço em cima dele. Ele olhou o dragão que se estendia em suas costas, do ombro direito às nádegas.

Contou as tatuagens. Além do dragão nas costas e de uma vespa no pescoço, havia uma tira em volta do tornozelo, outra em volta do bíceps esquerdo, um macaco chinês no quadril e uma rosa na panturrilha. Afora o dragão, todas as tatuagens eram pequenas e discretas.

Mikael saiu lentamente da cama e puxou a cortina. Foi ao banheiro e voltou para a cama sem fazer ruído, para não despertar Lisbeth.

Algumas horas depois, tomavam o café-da-manhã no jardim. Lisbeth olhou para Mikael.

— Temos um mistério para resolver. Como faremos?

— Vamos fazer um balanço das informações que já temos e tentar descobrir outras.

— Uma das informações é que alguém da vizinhança está tentando te acertar.

— A questão é saber por quê. É porque estamos prestes a resolver o mistério de Harriet ou porque descobrimos um assassino serial até então desconhecido?

— Deve haver uma ligação. Mikael concordou com a cabeça.

— Se Harriet descobriu um assassino serial, era, necessariamente, alguém do seu meio. Se examinarmos a galeria dos personagens dos anos 1960, havia pelo menos duas dúzias de candidatos possíveis. Hoje não resta praticamente ninguém, com exceção de Harald Vanger, e não dá para acreditar que ele, com quase noventa e cinco anos, anda pelos bosques com um rifle. Não teria força sequer para levantar uma espingarda de caça. Hoje todos são ou muito velhos para ser perigosos, ou muito jovens para terem agido nos anos 1950. O que nos leva de volta ao ponto de partida.

— A menos que dois colaborem um com o outro. Um velho e um jovem.

— Harald e Cecilia. Não creio. Acho que ela disse a verdade quando afirmou que não estava na janela.

— Quem seria então?

Abriram o notebook de Mikael e passaram a hora seguinte examinando com atenção todas as pessoas que apareciam nas fotos do acidente.

— Imagino que a aldeia inteira veio ver o acidente. Era setembro. A maioria está de casaco ou pulôver. Só uma pessoa tem cabelos louros compridos e vestido claro.

— Cecilia Vanger aparece em muitas fotos. Dá a impressão de estar o tempo todo em movimento, entre as casas e as pessoas que observam o acidente. Aqui ela está falando com Isabella. Aqui está com o pastor Falk. Aqui com Greger, o irmão de Henrik.

— Espere! — interrompeu Mikael. — O que é isso na mão dele, Greger?

— Uma coisa quadrada. Parece uma caixinha.

— É uma Hasselblad! Ele também estava com uma máquina fotográfica.

Repassaram as fotos mais uma vez. Greger era visto em várias, mas em geral encoberto. Numa das fotos, via-se claramente que ele tinha uma caixa quadrada na mão.

— Acho que você está certo. É uma máquina fotográfica.

— O que significa que podemos nos lançar a uma outra caça às fotos.

— Vamos deixar isso pra lá por enquanto — disse Lisbeth Salander. — Posso levantar uma hipótese?

— Diga.

— O que acha disto: alguém da jovem geração descobre que alguém da velha geração era um assassino serial, mas não quer que ninguém saiba. A honra da família, et cetera e tal. Isso significaria que existem duas pessoas envolvidas na história, mas que não agem juntas. O assassino pode estar morto há muito tempo, enquanto o nosso perseguidor quer simplesmente que a gente abandone o caso e saia daqui.

— Também pensei nisso — disse Mikael. — Mas, nesse caso, por que pôr um gato esquartejado na nossa porta? É uma referência direta aos assassinatos. — Mikael tocou a Bíblia de Harriet. — Mais uma paródia das leis sobre os sacrifícios por imolação.

Lisbeth Salander inclinou-se para trás e olhou a igreja enquanto citava a Bíblia com ar pensativo. Parecia falar sozinha.

"Depois imolará o novilho diante do Senhor, e os sacerdotes, filhos de Aarão, oferecerão o sangue e o derramarão ao redor sobre o altar que está à entrada da Tenda da Reunião. Depois esfolará a vítima e a cortará em pedaços."

Ela se calou e de repente percebeu que Mikael a olhava com o rosto tenso. Ele abriu a Bíblia no início do Levítico.

— Conhece o versículo 12 também? Lisbeth permaneceu calada.

— A seguir... — começou Mikael, balançando a cabeça para estimulá-la a continuar.

— "A seguir a vítima será cortada em pedaços, com a cabeça e a gordura, que o sacerdote disporá sobre a lenha colocada no fogo do altar." A voz dela estava gelada.

— E o seguinte?

Ela se levantou de repente.

— Lisbeth, você tem memória fotográfica! — exclamou Mikael, estupefato. — É por isso que lê as páginas do inquérito em segundos.

A reação dela foi quase explosiva. Fulminou Mikael com tanta raiva no olhar que ele ficou perplexo. Depois, os olhos de Lisbeth se encheram de desespero; virou-se e saiu correndo em direção ao portão do jardim.

— Lisbeth! — chamou Mikael, completamente atônito.

Ela desapareceu na estrada.

* * *

Mikael levou o computador para dentro de casa, ativou o alarme e trancou a porta antes de sair atrás de Lisbeth. Encontrou-a vinte minutos depois sentada num pontão do porto de recreio molhando os pés na água e fumando um cigarro. Lisbeth o ouviu chegar e ele percebeu os ombros dela se enrijecerem um pouco. Deteve-se a dois metros de onde ela estava.

— Não sei o que fiz de mal, mas não tive a intenção de deixá-la nesse estado.