— Agora, faça sinal para Dubois partir.
Consciente do perigo, Ayre obedeceu. Dubois respondeu e começou a subir. Em pouco tempo estava no ar.
— Agora para o escritório — disse Esvandiary, acima do ruído dos motores. Mandou que os homens se afastassem de Manuela e voltassem para os carros. — Deixem um carro aqui e quatro guardas. Tenho mais algumas ordens para dar a estes estrangeiros. Você — acrescentou severamente para Pavoud —, verifique todos os aparelhos que existem aqui, todas as peças, todos os tipos de transporte, bem como a quantidade de gasolina, e também o número de empregados, estrangeiros e iranianos, seus nomes, profissões, números de passaporte, vistos de residência, vistos de trabalho, permissões para pilotar. Entendido?
— Sim, sim, Excelência Esvandiary. Sim, cer...
— E eu quero ver todos os passaportes e vistos amanhã. Ande!
O homem saiu apressadamente. Esvandiary foi na frente até o escritório de Starke e sentou-se na cadeira maior, atrás da escrivaninha, seguido por Ayre.
— Sente-se.
— Obrigado, você é muito gentil — disse ironicamente Ayre, sentando-se em frente a ele. Os dois homens eram da mesma idade e ficaram se estudando mutuamente.
— De agora em diante este será o meu escritório. — O iraniano apanhou um cigarro e o acendeu. — Agora que finalmente o Irã está outra vez em mãos iranianas, podemos começar a fazer as mudanças necessárias. Durante as próximas duas semanas você vai agir sob minhas ordens, até que eu tenha certeza de que os nossos hábitos foram entendidos. Eu sou a autoridade mais alta da IranOil em Kowiss e eu é que darei todas as permissões de vôo; ninguém decola sem uma aprovação por escrito e sempre com um guarda armado e...
— É contra a lei aérea e contra a lei iraniana e está proibido. Além disso é muito perigoso. E fim!
Houve um longo silêncio. Então Esvandiary concordou.
— Vocês levarão guardas armados, mas sem munição. — E sorriu. — Está vendo, nós podemos chegar a um acordo. Nós podemos ser razoáveis, oh, sim. Você vai ver, a nova era vai ser boa para vocês também.
— Espero que sim. Para vocês também.
— O que você está querendo dizer?
— Estou querendo dizer que toda revolução de que já ouvi falar sempre acaba por se desgastar, os amigos se transformam rapidamente em inimigos e morrem mais depressa ainda.
— Não a nossa. — Esvandiary estava totalmente confiante. — Não vai ser assim conosco. Nossa revolução é uma revolução realmente popular, de todo o povo. Todo mundo queria a saída do xá. E dos seus patrões estrangeiros.
— Espero que você tenha razão. — Seu filho da mãe imbecil, pensou Ayre, tendo gostado dele um dia. Se os seus líderes podem julgar, condenar e executar quatro generais, todos homens bons com exceção de Nasiri, em menos de 24 horas, podem prender e maltratar bons patriotas como Peshadi e sua mulher, que Deus nos ajude. — Você já terminou comigo por ora?
— Quase. — Esvandiary sentiu uma onda de raiva. Pela janela viu Manuela voltando para o bangalô com alguns dos pilotos, e o desejo aumentou-lhe a raiva. — Seria bom que aprendesse bons modos e que o Irã é um país asiático, oriental, uma potência mundial e que nunca mais será explorado por ingleses, americanos ou mesmo soviéticos. Nunca mais. — Ele se recostou na cadeira e pôs os pés sobre a mesa, como tinha visto Starke e Ayre fazerem uma centena de vezes, as solas dos pés viradas para Ayre, o que sempre fora considerado um insulto daquele lado do mundo. — Os ingleses foram piores do que os americanos. Eles foram motivo de vergonha nacional por 150 anos, tratando o Trono do Pavão e o nosso país como se fossem um feudo deles, usando a defesa da índia como desculpa. Eles deram ordens aos nossos governantes, ocuparam o nosso país três vezes, nos obrigaram a assinar tratados injustos, subornaram os nossos líderes para conceder-lhes vantagens. Durante 150 anos os ingleses e os russos dividiram o meu país, os ingleses ajudaram aquelas outras hienas a roubar as nossas províncias do norte, o nosso Cáucaso, e ajudaram a colocar Reza Khan no trono. Eles nos invadiram, junto com os soviéticos, durante a sua guerra mundial e só os nossos grandes esforços conseguiram partir os grilhões e expulsá-los. — Repentinamente, o rosto do homem se contorceu e ele gritou: — Não é verdade?
Ayre não tinha se mexido e nem piscado.
— 'Pé-quente', e eu prometo que nunca mais vou chamá-lo assim — disse tranqüilamente —, não quero discursos, vou apenas fazer o meu trabalho. Se não conseguirmos um método de trabalho satisfatório, isto é outra coisa. Aí teremos que ver. Se quer este escritório, fique com ele. Se quer fazer uma cena, faça. Dentro dos limites, você tem direito de comemorar. Você venceu, tem o poder, e agora é o encarregado. E você está certo, este é o seu país. Então vamos ficar por aqui, hein?
Esvandiary ficou olhando para ele, com a cabeça doendo do ódio acumulado durante anos e que agora não precisava mais ser reprimido. E embora soubesse que a culpa não era de Ayre, também sabia que há poucos instantes atrás o teria enchido de balas e a todos os outros, se não tivessem obedecido e levado o mulá e o traidor Peshadi para o julgamento e o inferno que ele merecia. Eu não me esqueci do soldado que Peshadi assassinou — aquele que queria abrir os portões para nós — nem os outros, assassinados há dois dias atrás, quando Peshadi nos derrotou e centenas morreram, meu irmão e dois dos meus melhores amigos entre eles. E todos os outros, centenas, talvez milhares deles que morreram em todo o Irã... Não me esqueci de nenhum deles.
Um fio de saliva escorria-lhe pelo queixo e ele o limpou com as costas da mão, recuperando o controle ao lembrar-se da importância de sua missão.
— Está bem, Freddy. — Disse 'Freddy' involuntariamente. — Está bem... esta é a última vez que eu chamo você assim. Está bem, vamos ficar por aqui.
Ele se levantou, muito cansado, mas orgulhoso pelo modo como os dominara e muito confiante de que conseguiria fazer esses estrangeiros trabalharem e se comportarem até serem expulsos. Isto está bem perto, agora, pensou. Não terei dificuldades em colocar em prática o plano a longo prazo dos sócios aqui. Concordo com Valik. Temos muitos pilotos iranianos e não precisamos de estrangeiros. Posso dirigir esta operação — como um dos sócios. Louvado seja Deus por Valik ter sido sempre um partidário secreto de Khomeini! Logo terei uma casa grande em Teerã e meus dois filhos irão para a universidade lá, bem como minha querida Fatmeh, embora talvez ela também deva passar um ou dois anos na Sorbonne.
— Voltarei às nove horas. — Não fechou a porta ao sair.
— Maldição! — resmungou Ayre. Uma mosca começou a se debater contra a vidraça. Ele não a notou e nem o barulho que fazia. Tendo uma idéia súbita, foi para o outro gabinete. Pavoud e os outros estavam nas janelas, vendo a saída dos estrangeiros. — Pavoud!
— Sim... sim, Excelência?
Ayre notou que o rosto do homem estava cinzento e que ele parecia muito mais velho do que habitualmente.
— Você sabia sobre os generais, que eles tinham capitulado? — perguntou, sentindo pena dele.
— Não, Excelência. — Pavoud mentiu com facilidade, acostumado a mentir. Ele estava fechado em si mesmo, tentando recordar, apavorado, se teria escorregado nos últimos três anos e se traído para Esvandiary, sem nunca ter sonhado que o homem pudesse ser, secretamente, um guarda islâmico. — Nós... nós tínhamos ouvido boatos acerca da capitulação deles, mas o senhor sabe como os boatos circulam.
— Sim, sim, tem razão.
— Eu... o senhor se importa que eu me sente?
Pavoud agarrou uma cadeira, sentindo-se muito velho. Ele vinha dormindo muito mal nesta última semana e o trajeto de três quilômetros de bicicleta até ali nesta manhã, da pequena casa de quatro cômodos em Kowiss que ele dividia com a família do irmão — cinco adultos e seis crianças — tinha sido mais cansativa do que o normal. É claro que ele e todo o povo de Kowiss tinham ouvido falar na rendição covarde dos generais. As primeiras notícias tinham vindo da mesquita, espalhadas pelo mulá Hussein, que disse tê-las recebido pelo rádio, secretamente, do quartel-general de Khomeini em Teerã, então devia ser verdade.