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Rakoczy recordou o choque de incredulidade que sentiu quando os seus contatos em Washington murmuraram que Carter abandonaria o xá. Ah, que aliado Carter foi para nós. Se acreditasse em Deus, eu rezaria: Deus é Grande, Deus é Grande, proteja o nosso melhor aliado, o presidente amendoim, e permita que ele consiga se reeleger! Com ele reeleito, nós conquistaremos a América e dominaremos o mundo! Deus é Grande, Deus é...

De repente, ele sentiu um calafrio. Fingia ser muçulmano há tanto tempo que às vezes o disfarce virava o seu verdadeiro eu, e ele começava a se questionar e a ter dúvidas.

Eu ainda sou Igor Mzytryk, capitão da KGB, casado com a minha querida Delaurah, minha linda armênia, que está esperando por mim em casa, em Tbilisi? Ela estará em casa, ela que, secretamente, acredita em Deus — o Deus dos cristãos, que é o mesmo Deus dos muçulmanos e dos judeus?

Deus. Deus que tem mil nomes. Existirá um Deus?

Não há nenhum Deus, disse a si mesmo como uma ladainha, e guardou de volta esse pensamento no seu compartimento e se concentrou na batalha que estava por acontecer.

Em volta deles, a tensão estava crescendo no meio da massa estudantil, com gritos zangados de todos os lados:

— Nós não derramamos o nosso sangue para que os mulás ficassem com todo o poder! Unam-se, irmãos e irmãs! Unam-se sob a divisa do Tudeh...

— Abaixo o Tudeh! Unam-se pela causa sagrada islãmico-marxista, nós, mujhadins, derramamos o nosso sangue e somos os mártires do imã Ali, Senhor dos Mártires, e de Lenin...

— Abaixo os mulás e Khomeini, arquitraidor do Irã...

Grandes aplausos acompanhavam esses gritos e outros juntavam-se a eles, então aos poucos, mais uma vez, a palavra que prevalecia era:

— Unam-se, irmãos e irmãs, unam-se aos verdadeiros líderes da revolução, o Tudeh, unam-se para proteger o...

Rakoczy observou a multidão criticamente. Ela ainda estava fragmentada, amorfa, não era ainda uma massa que pudesse ser comandada e usada como uma arma. Alguns espectadores, islâmicos, observavam com graus variados de descontentamento ou raiva. Os poucos moderados balançavam a cabeça e se afastavam, deixando o palco para a grande maioria que estava profundamente comprometida e era anti-Khomeini.

Em volta deles, os edifícios eram altos, de tijolos, a universidade tinha sido construída pelo Reza Xá na década de 30. Há cinco anos, Rakoczy passara algum tempo ali, fingindo ser natural do Azerbeijão, embora os membros do Tudeh o conhecessem como Dimitri Yazernov e soubessem que ele fora enviado — continuando um modelo — para organizar células estudantis. Desde o início, a universidade foi sempre um lugar de oposição, antixá, embora o Muhammad Xá, mais do que qualquer monarca na história da Pérsia, tivesse dado todo o apoio à educação. Os estudantes de Teerã tinham sido a vanguarda da rebelião, muito antes de Khomeini ter-se transformado no seu pólo aglutinador.

Sem Khomeini, nós nunca teríamos conseguido, pensou. Khomeini foi a chama em torno da qual todos nós pudemos nos unir para tirar o xá do trono e expulsar os Estados Unidos. Ele não é nem senil nem fanático como muitos dizem, mas um líder impiedoso, com um plano perigosamente claro, um enorme carisma e um enorme poder entre os xiitas. E agora está na hora dele se juntar ao Deus que nunca existiu.

Rakoczy riu de repente.

— O que foi? — perguntou Farmad.

— Eu só estava pensando no que Khomeini e todos os mulás vão dizer quando descobrirem que não existe e que nunca existiu nenhum Deus. Que não existe nem céu, nem inferno, nem huris e que tudo isso não passa de um mito.

Os outros riram também. Menos um deles. Ibrahim Kyabi. Não havia mais nenhuma alegria nele, só o desejo de vingança. Quando ele fora em casa na véspera, tinha achado sua casa em polvorosa, sua mãe prostrada, chorando, seus irmãos e irmãs desesperados. Acabara de chegar a notícia de que seu pai, engenheiro, tinha sido assassinado por guardas islâmicos do lado de fora do QG da IranOil em Ahwaz e que seu corpo fora abandonado aos abutres.

— Por que razão? — ele gritara.

— Por... por crimes contra o Islã — disse seu tio, Dewar Kyabi, que trouxera a terrível notícia, através das lágrimas. — Foi isso que eles nos disseram... os seus assassinos. Eles eram de Abadan, fanáticos, quase todos analfabetos, e nos disseram que ele era um traidor vendido aos americanos, que durante anos ele tinha colaborado com os inimigos do Islã, ajudando-os a roubar o nosso petróleo, o...

— Mentira, tudo mentira — gritara Ibrahim. — Papai era anti-xá, um patriota, um crente! Quem são esses cães? Quem? Eu vou queimá-los e a seus pais. Como eles se chamam?

— Foi a Vontade de Deus, Ibrahim. Insha'Allah\ Oh, meu pobre irmão! A Vontade de Deus...

— Não existe nenhum Deus!

Os outros tinham olhado para ele, chocados. Era a primeira vez que Ibrahim exprimia um pensamento que vinha sendo construído há anos, alimentado por colegas que voltavam do estrangeiro, amigos da universidade, por alguns dos professores que nunca tinham dito isso abertamente, apenas encorajado-os a questionar tudo.

— Insha'Allah é para os idiotas — ele dissera —, uma blasfêmia supersticiosa que serve de proteção para os idiotas.

— Você não deve dizer isso, meu filho! — exclamara sua mãe, assustada. — Vá até a mesquita, peça perdão a Deus. O fato de seu pai estar morto é a Vontade de Deus, nada mais. Vá até a mesquita.

— Eu irei — ele disse, mas no seu coração sabia que sua vida tinha mudado. Nenhum Deus poderia ter permitido que isso acontecesse. — Quem eram os homens, tio? Descreva-os.

— Eles eram comuns, Ibrahim, como eu já lhe disse, mais moços do que você, a maioria deles. Não havia nenhum líder ou mulá com eles, embora houvesse um no helicóptero dos estrangeiros que veio de Bandar Delam. Mas o meu pobre irmão morreu maldizendo Khomeini; se ao menos ele não tivesse voltado no helicóptero dos estrangeiros, se ao menos... não importa, Insha'Allah, eles estavam esperando por ele de qualquer jeito

— Havia um mulá no helicóptero?

— Sim, havia.

— Você vai à mesquita, Ibrahim? — Sua mãe tinha tornado a perguntar.

— Sim — ele tinha respondido, a primeira mentira que lhe dizia. Ele não demorara a encontrar os líderes universitários do Tudeh e Dimitri Yazernov, para jurar fidelidade, conseguir uma metralhadora e, acima de tudo, pedir-lhes para descobrir o nome do mulá que estava no helicóptero de Bandar Delam. E agora estava ali esperando, desejando vingança, com a alma gritando contra o ultraje cometido contra seu pai em nome do falso Deus.

— Dimitri, vamos começar! — disse, sua fúria espicaçada pela gritaria da multidão.

— Nós temos que esperar, Ibrahim — disse delicadamente Rakoczy, muito satisfeito por ter o jovem com eles. — Não se esqueça de que a multidão não passa de um meio para um determinado fim. Lembre-se do plano! — Quando ele o relatara, há uma hora atrás, eles tinham ficado estarrecidos.

— Atacar a embaixada americana?

— Sim — dissera calmamente —, um ataque rápido, entrar e sair, amanhã ou depois. Esta noite, o comício vai se transformar numa batalha. A embaixada fica a pouco mais de um quilômetro de distância. Vai ser fácil mandar a multidão enfurecida avançar naquela direção. Que disfarce pode ser mais perfeito para um ataque do que um tumulto? Nós deixamos os mujhadins e os fedayins lutarem contra os guardas islâmicos e matarem-se uns aos outros enquanto tomamos a iniciativa. Esta noite vamos plantar mais sementes. Amanhã ou depois atacaremos a embaixada dos Estados Unidos.

— Mas isso é impossível, Dimitri, impossível.