— Mac!
— Oh, desculpe Charlie — Mac despertou do devaneio. — Eu estava a quilômetros de distância. O quê? Olhou para a porta da cozinha. Ainda estava fechada.
— Você não acha que deveria tirar Genny do Irã? — perguntou Pettikin, em voz baixa. — As coisas estão ficando realmente muito feias.
— Ela não sai de jeito nenhum. Já mandei cinqüenta vezes, já pedi cinqüenta vezes, mas ela é teimosa como uma mula, como a sua Claire — respondeu McIver, também em voz baixa. — Ela apenas sorri e diz: "Quando você for, eu vou." — Ele terminou o uísque, olhou para a porta, e preparou outro apressadamente. Mais forte. — Charlie, fale com ela. Ela vai ouvi...
— Vai o quê!
— Você tem razão. Malditas mulheres. Maldita teimosia. Elas são todas iguais. — Eles riram.
— Como vai Xarazade? — perguntou Pettikin, depois de um intervalo.
McIver refletiu um momento.
— Tom Lochart é um homem de sorte.
— Por que ela não foi para a Inglaterra com ele, quando ele foi de licença, e não ficou lá até o Irã se acalmar?
— Não havia motivo nenhum para que ela fosse — não tem família nem amigos lá. Ela queria que Tom fosse ver os filhos, passar o Natal, você sabe. Disse que achava que iria atrapalhar se fosse com ele. Deirdre Lochart ainda está furiosa com o divórcio e, de qualquer modo, a família de Xarazade está aqui; você sabe como são fortes os laços de família no Irã. Ela não irá enquanto Tom não for, e mesmo então não garanto. E quanto a Tom, se tentasse mandá-lo de volta, acho que pediria demissão. Ele vai ficar aqui para sempre. Como você. — E sorriu. — Por que você fica?
— Foi o melhor posto que já tive, quando tudo estava normal. Posso voar o quanto quiser, esquiar no inverno, velejar no verão... Mas vamos encarar os fatos, Mac, Claire sempre detestou isto aqui. Durante anos ela passou mais tempo na Inglaterra do que aqui, para poder ficar perto de Jason e de Beatrice, da sua própria família e do nosso neto. Pelo menos nossa separação foi amigável. Pilotos de helicóptero não deveriam casar-se, são obrigados a viajar demais. Eu nasci expatriado, e é assim que vou morrer. Não quero voltar a Cape Town, mal conheço aquele lugar, e não suporto aqueles malditos invernos ingleses. — Tomou um gole de cerveja, na penumbra, e disse com decisão: — Insha'Allah. — Nas mãos de Deus. A idéia o agradou.
Inesperadamente, o telefone tocou, dando-lhes um susto. Há meses o sistema telefônico estava péssimo — nas últimas semanas era totalmente inviável, as linhas permanentemente cruzadas, ligações erradas, o sinal às vezes funcionando por um dia ou por uma hora e depois tornando a ficar mudo.
— Aposto cinco libras que é um cobrador — disse, Pettikin, sorrindo para Genny, que saiu da cozinha, também espantada com a campainha.
— Impossível, Charlie! — Os bancos estavam em greve há dois meses, em resposta ao apelo de Khomeini por uma greve geral, de modo que ninguém, pessoas, companhias, nem mesmo o governo, conseguira retirar dinheiro e a maioria dos iranianos usava dinheiro e não cheque.
McIver levantou o fone sem saber o que esperar. Ou quem.
— Alô.
— Meu Deus, esta maldita coisa está funcionando — disse a voz. — Duncan, você pode-me ouvir?
— Posso, posso sim. Quem é?
— Talbot. George Talbot da embaixada britânica. Sinto muito, meu velho, mas a merda está atingindo o ventilador. Khomeini nomeou Mehdi Bazargan primeiro-ministro e pediu a renúncia de Bakhtiar. Quase um milhão de pessoas estão nas ruas de Teerã neste momento, procurando barulho. Acabamos de saber que está havendo uma revolta de aviadores em Doshan Tappeh, e Bakhtiar disse que se eles não se entregarem vai chamar os Imortais. Os Imortais eram unidades de assalto da fanática Guarda Imperial pró-xá. O governo de Sua Majestade, bem como os Estados Unidos, o Canadá e outros estão aconselhando todos os seus cidadãos que não forem imprescindíveis aqui a deixarem o país imediatamente.
McIver tentou manter-se calmo e disse aos outros:
— É Talbot, da embaixada.
— ...Ontem, um americano da ExTex Oil e um funcionário iraniano foram emboscados e mortos por 'atiradores não identificados', a sudoeste, perto de Ahwaz — o coração de McIver deu um salto — ...vocês ainda estão operando lá, não estão?
— Perto de lá, em Bandar Delam, na costa. — disse McIver, sem alterar a voz.
— Quantos cidadãos britânicos você tem aqui, sem contar os dependentes?
McIver pensou por um momento.
— Quarenta e cinco, do nosso contingente atual de sessenta e sete: são vinte e seis pilotos, trinta e seis mecânicos e engenheiros, cinco administradores, o que é essencial para nós.
— Quem são os outros?
— Quatro americanos, três alemães, dois franceses, e um finlandês, todos pilotos. Dois mecânicos americanos. Mas trataremos todos como britânicos, se for necessário.
— Dependentes?
— Quatro, só mulheres, nenhuma criança. Retiramos os outros há três semanas. Genny ainda está aqui, uma americana em Kowiss e duas iranianas.
— É melhor você mandar as esposas iranianas para suas embaixadas amanhã, com as certidões de casamento. Elas estão em Teerã?
— Uma está, a outra está em Tabriz.
— É melhor você lhes conseguir novos passaportes, o mais depressa possível.
Pelas leis iranianas, todos os cidadãos iranianos que regressavam ao país tinham que entregar os passaportes ao Serviço de Imigração, onde eram guardados até que quisessem tornar a sair. Para sair, era necessário se apresentar pessoalmente à repartição pública adequada e obter um visto de saída para o qual era preciso uma carteira de identidade em dia, uma razão satisfatória para querer ir para o estrangeiro, e caso fossem de avião, uma passagem paga para um determinado vôo. Podia-se levar dias ou semanas para conseguir este visto de saída. Em épocas normais.
— Graças a Deus não temos este problema — disse McIver.
— Podemos agradecer a Deus por sermos britânicos — prosseguiu Talbot. — Felizmente, nós não temos nenhuma rixa com o aiatolá, com Bakhtiar ou com os generais. Ainda assim, todos os estrangeiros vão ter que enfrentar um bocado de problemas, por isto nós o aconselhamos formalmente a evacuar todos os dependentes, o mais depressa possível, e cortar o resto do pessoal ao que for estritamente necessário, por enquanto. O aeroporto vai se transformar numa bagunça, de amanhã em diante. Estimamos que ainda haja cinco mil estrangeiros, na maioria americanos, mas pedimos a cooperação da British Airways no sentido de aumentar o número de vôos para nós e nossos compatriotas. O problema é que todos os controladores civis de tráfego aéreo ainda estão em greve. Bakhtiar mandou que os controladores militares assumissem e eles são ainda mais meticulosos, se isto é possível. Temos certeza de que vai ser um novo êxodo.
— Oh, Deus!
Há poucas semanas, depois de meses de ameaças cada vez maiores contra os estrangeiros — principalmente contra os americanos, por causa dos constantes ataques de Khomeini ao materialismo americano como sendo o Grande Satã — uma multidão violenta saiu às ruas na cidade industrial de Isfahan, com seu enorme complexo siderúrgico, sua refinaria petroquímica, suas fábricas de material bélico e de helicópteros, e onde uma grande parte dos cinqüenta e poucos mil americanos trabalhavam e viviam com suas famílias. A multidão pôs fogo em bancos — o Corão proibia emprestar dinheiro por lucro — em lojas de bebidas — o Corão proibia tomar bebidas alcoólicas — e em dois cinemas — lugares de 'pornografia e de propaganda ocidental', sempre alvos preferidos dos fundamentalistas — depois atacaram instalações fabris, atiraram coquetéis Molotov no QG de quatro andares da Grumman Aircraft, queimando-o completamente. Isto precipitou o 'exôdo'.