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Ela fora mantida em reclusão durante um ano. Depois o perdão e a paz — uma espécie de paz. Ela implorara para ir para a universidade em Teerã.

— Eu concordo, contanto que você jure por Deus que não vai ter nenhum caso, vai me prestar obediência absoluta e só vai se casar com quem eu escolher — dissera o khan.

A primeira da classe. Depois pedira para entrar para o Corpo de Professores, qualquer desculpa para sair do palácio.

— Eu concordo, mas só se for nas nossas propriedades. Nós temos aldeias mais do que suficientes para você tomar conta — ele tinha dito.

Muitos homens em Tabriz queriam se casar com ela, mas seu pai os recusara, com vergonha dela. E então Erikki.

— E quando esse estrangeiro, esse... esse gigante pobretão, vulgar, mal-educado, herege, que não sabe falar nem uma palavra de farsi nem de turco, que não sabe nada a respeito dos nossos costumes nem da nossa história, que não sabe se comportar numa sociedade civilizada, cujo único talento é beber enormes quantidades de vodca e pilotar um helicóptero... quando ele descobrir que você não é virgem, que foi maculada, estragada, talvez arruinada para sempre?

— Eu já contei a ele, papai — ela dissera em lágrimas. — Também disse que sem a sua permissão eu não posso me casar.

Então aconteceu o milagre do ataque ao palácio e seu pai quase foi assassinado, e Erikki comportou-se como um guerreiro vingador das antigas lendas. A permissão para o casamento foi outro milagre. A compreensão de Erikki, outro milagre. Mas até agora, nenhum filho. O velho dr. Nutt diz que eu sou normal e perfeita e que tenho que ter paciência. Com a ajuda de Deus, em breve vou ter um filho, e então só haverá felicidade, como com Xarazade, tão linda, com seu belo rosto, seus seios, suas costas, o cabelo e a pele como seda.

Ela sentiu a maciez da amiga em suas mãos e isso lhe deu um enorme prazer. Distraidamente, começou a acariciá-la, deixando-se levar pelo calor e pela ternura. Nós somos abençoadas por sermos mulheres, pensou, podendo tomar banho juntas e dormir juntas, nos beijarmos e nos tocarmos e amar sem nos sentirmos culpadas.

— Ah, Xarazade — murmurou, entregando-se também —, como eu adoro sentir você.

NA CIDADE VELHA: 19:52H. O homem atravessou apressado a praça coberta de neve, perto da antiga mesquita Mehrid, e entrou pelo portão principal do bazar, saindo do frio congelante para uma semi-escuridão quente, apinhada e familiar. Ele tinha uns cinqüenta anos, era corpulento e estava sem fôlego, com o chapéu de astracã meio de lado, vestido com roupas caras. Um burro carregado bloqueou seu caminho pela estreita passagem e ele praguejou, recuou para deixar o animal e seu dono passarem, depois continuou andando apressado, virou à esquerda numa passagem e entrou na rua dos vendedores de roupas.

Não corra, disse a si mesmo muitas vezes, sentindo dor no peito e nas pernas. Agora você está seguro, vá devagar. Mas o terror era mais forte e, ainda em pânico, ele continuou depressa, desaparecendo no enorme labirinto. No seu rastro, com um intervalo de poucos minutos, surgiu um grupo de Faixas Verdes armados. Eles não tinham pressa.

À frente, a estreita rua de lojas de arroz estava bloqueada por multidões maiores do que habitualmente, todos disputando a pequena quantidade que havia para vender. Ele parou por um momento e enxugou a testa, depois prosseguiu. O bazar parecia uma colmeia, palpitando de vida, com centenas de caminhos de terra, corredores e passagens, alinhados de ambos os lados, com lojas mal-iluminadas dando para fora — algumas de dois andares — além de cubículos, muitos não passando de nichos abertos nas paredes, com mercadorias e serviços de todos os tipos — desde comida até relógios estrangeiros, de açougueiros a comerciantes de ouro, de agiotas a negociantes de armas — todos esperando por um freguês, embora, no momento, não houvesse muito o que vender nem o que fazer. Acima do barulho, das vozes e das pessoas que regateavam, o teto alto e abobadado tinha clarabóias para ventilação e para deixar entrar luz durante o dia. O ar era pesado, com o cheiro característico do bazar — cheiro de fumaça e de comida rançosa, de fruta podre e churrasco, de temperos, fezes, poeira, gasolina, mel, tâmaras e restos de comida, tudo misturado com o cheiro dos corpos e do suor da multidão que nascia, vivia e morria aqui.

Pessoas de todas as idades e de todos os tipos comprimiam-se nas passagens — naturais de Teerã, turcomanos, curdos, kash kai, armênios, árabes, libaneses e levantinos — mas o homem não prestou atenção nenhuma nelas, nem nas constantes súplicas para parar e comprar, ele simplesmente foi abrindo caminho no meio da multidão, atravessou rapidamente a sua própria rua, a dos ourives, desceu a rua dos vendedores de especiarias, a dos joalheiros, enfiando-se cada vez mais para o interior do labirinto, com o cabelo molhado de suor por baixo do chapéu de astracã, e o rosto vermelho. Dois vendedores que repararam nele riram e comentaram:

— Por Deus, nunca vi o velho Paknouri andar tão depressa antes. Aquele cão velho deve estar indo receber uma dívida de dez riais.

— É mais provável que o avarento Paknouri tenha um garoto suculento esperando por ele, com a bunda sacudindo para o ar.

A alegria deles depressa acabou, quando os Faixas Verdes armados passaram. Quando eles já estavam a uma distância segura, alguém resmungou:

— O que será que esses filhos de uma cadela querem aqui?

— Eles estão procurando alguém. Deve ser isso. Que seus pais queimem no inferno! Vocês não ouviram dizer que eles têm prendido gente o dia inteiro?

— Estão prendendo pessoas? E o que estão fazendo com elas?

— Colocando-as na cadeia. Eles agora controlam as cadeias. Não ouviram dizer que eles arrombaram a porta da prisão de Evin e soltaram todo mundo e prenderam os carcereiros e que agora estão controlando tudo? Eles organizaram seus próprios pelotões de fuzilamento e seus tribunais e ouvi dizer que fuzilaram vários generais e policiais. E está havendo um tumulto agora mesmo, na universidade.

— Que Deus nos proteja! O meu filho Farmad está num comício lá, o idiota! Eu disse a ele para não ir.

Jared Bakravan, o pai de Xarazade, estava em sua loja, na sala particular que ficava sobre a loja, na rua dos Agiotas, que pertencia à sua família há cinco gerações e que ficava num dos melhores pontos. Sua especialidade era empréstimo e financiamento. Estava sentado numa espessa pilha de tapetes, tomando chá com seu velho amigo, Ali Kia, que conseguira ser nomeado funcionário público no governo de Bazargan. O filho mais velho de Bakravan, Meshang, sentara-se atrás dele, ouvindo e aprendendo — um rapaz bonito de uns trinta anos, com propensão a uma confortável corpulência. Ali Kia usava óculos e estava barbeado, mas Bakravan tinha uma barba branca e era corpulento. Ambos tinham cerca de sessenta anos e se conheciam quase que a vida inteira.

— E como o empréstimo será pago, e em que prazo? — Bakravan perguntou.

— Com os lucros do petróleo, como sempre — Kia respondeu, pacientemente —, da mesma forma que o xá teria feito, num prazo acima de cinco anos, a um por cento ao mês, como de costume. Meu amigo, Mehdi... Mehdi Bazargan, diz que o Parlamento vai garantir o empréstimo assim que se reunir. — Ele sorriu e acrescentou, exagerando um pouco: — Como eu não estou apenas no gabinete de Mehdi, mas também no seu gabinete particular, posso vigiar pessoalmente a negociação. Evidentemente, você sabe o quanto o empréstimo é importante, e que é importante também para o bazar.