— É claro que não foi para isso, mas para criar empregos e ajudar a econ...
— Nada? Você não serviu a Satã, o xá, durante anos?
— Não — gritou novamente Paknouri —, eu era da oposição, todo mundo sabe que eu... eu era da opôs...
— Mas assim mesmo você o serviu e cumpriu as suas ordens?
O rosto de Paknouri estava contorcido e quase sem controle. Ele mexeu com a boca mas não conseguiu falar. Então disse com voz rouca:
— Todo mundo o serviu. É claro que todo mundo o serviu, ele era o xá, mas nós trabalhamos pela revolução. O xá era o xá, é claro que todo mundo o serviu enquanto ele esteve no poder...
— O imã não — disse Yusuf, com súbita violência. — O imã Khomeini nunca serviu ao xá. Em nome de Deus, ele o serviu? — Vagarosamente, ele olhou rosto por rosto. Ninguém respondeu.
No silêncio que se seguiu, Bakravan observou o homem pôr a mão no bolso rasgado, apanhar um pedaço de papel e examiná-lo, e viu que ele era o único ali que podia acabar com aquele pesadelo.
— Por ordem do Komiteh Revolucionário — começou Yusuf — e de Ali'allah Uwari, agiota Paknouri você é levado a julgamento. Submeta-se...
— Não, Excelência — Bakravan disse educadamente, mas com firmeza, com as batidas do coração ressoando nos ouvidos. — Aqui é o bazar. Desde o início dos tempos o senhor sabe que o bazar tem as suas próprias leis, os seus próprios líderes. Emir Paknouri é um deles, ele não pode ser preso nem levado contra a sua vontade. Ele não pode ser tocado. Isto é uma lei bazaari que existe desde o começo dos tempos. — Ele olhou para o rapaz, sem medo, sabendo que nem o xá, nem mesmo a Savak, tinham ousado desafiar aquelas leis ou o direito de proteção.
— A lei do bazar é maior do que a lei de Deus, agiota Bakravan? Ele sentiu um arrepio gelado percorrê-lo.
— Não... não, é claro que não.
— Ótimo. Eu obedeço à lei de Deus e faço o trabalho de Deus.
— Mas você não pode prend...
— Eu obedeço à lei de Deus e faço apenas o trabalho de Deus. — Os olhos do homem eram castanhos e francos sob as sobrancelhas pretas. Ele apontou para a sua carabina. — Eu não preciso desta arma. Nenhum de nós precisa de armas para fazer o trabalho de Deus. Eu rezo de todo o coração para ser um mártir de Deus, pois assim irei diretamente para o paraíso, sem a necessidade de ser julgado, com todos os meus pecados perdoados. Se for hoje, então eu morrerei abençoando o meu assassino porque sei que terei morrido fazendo o trabalho de Deus.
— Deus é grande — disse um dos homens, e os outros repetiram.
— Sim, Deus é grande. Mas você, agiota Bakravan, você hoje rezou cinco vezes como o Profeta ordenou?
— É claro, é claro — respondeu Bakravan, sabendo que esta mentira não era pecado por causa do taqiyah, ocultamento, a permissão que o Profeta dá a qualquer muçulmano para mentir a respeito do Islã se a sua vida estiver ameaçada.
— Ótimo. Fique quieto e seja paciente, depois eu me encarregarei de você. — Outro arrepio percorreu Bakravan enquanto ele via o homem voltar a atenção para Paknouri. — Por ordem do Komiteh Revolucionário e de Ali'allah Uwari: agiota Paknouri, submeta-se a Deus pelos crimes contra Deus.
— Eu... eu... você não pode... — Paknouri tentou falar mas não conseguiu. Um pouco de espuma escorreu-lhe pelos cantos dos lábios. Todos o observavam, os Faixas Verdes sem emoção, os outros com horror
Ali Kia Pigarreou.
— Ouça, talvez fosse melhor deixar isso para amanhã — começou, tentando manter um tom importante. — Emir Paknouri está obviamente perturbado pelo err...
— Quem é você? — Os olhos do líder o transpassaram, como haviam feito com Paknouri e Bakravan. — Hein?
— Eu sou o ministro interino Ali Kia — respondeu Ali, mantendo a coragem sob a força daqueles olhos — do Ministério das Finanças, membro do gabinete do primeiro-ministro Bazargan, e sugiro que você espere até...
— Em nome de Deus: você, o seu Ministério das Finanças, o seu gabinete, o seu Bazargan não têm nada a ver comigo ou conosco. Nós obedecemos ao mulá Uwari, que obedece ao Komiteh Revolucionário, que obedece ao imã, que obedece a Deus. — O homem se coçou displicentemente e voltou a atenção outra vez para Paknouri. — Para a rua! — ordenou, com a voz ainda gentil. — Ou nós o arrastaremos.
Paknouri deu um gemido e desmaiou. Os outros ficaram olhando, impotentes. Alguém murmurou: "É a vontade de Deus", e o pequeno copeiro começou a chorar.
— Fique quieto, garoto — disse Yusuf, sem raiva. — Ele está morto? Um dos homens se agachou perto de Paknouri.
— Não. Seja como Deus quiser.
— Seja como Deus quiser. Hassan, levante-o e ponha a cabeça dele na tina de água, e se ele não acordar nós o carregaremos.
— Não — interrompeu corajosamente Bakravan —, não, ele vai ficar aqui, ele está doente e...
— Você é surdo, velho? — Havia uma nova tensão na voz de Yusuf. Uma onda de medo varreu a sala. O garoto enfiou o punho na boca para não soluçar. Yusuf manteve os olhos em Bakravan enquanto o homem chamado Hassan, forte e de ombros largos, levantou Paknouri facilmente e saiu da loja.
— Seja como Deus quiser — disse, com os olhos em Bakravan. — Hein?
— Onde... por favor, para onde vocês o estão levando?
— Para a prisão, é claro. Para onde mais?
— Que... que prisão, por favor? Um dos homens riu.
— E importa que prisão?
Para Jared Bakravan e para os outros a sala agora estava abafada como uma cela, embora o ar não tivesse mudado e a abertura para a rua estivesse como sempre esteve.
— Eu gostaria de saber, Excelência — disse Bakravan, com a voz rouca, tentando disfarçar o ódio. — Por favor.
— Evin.
Era a mais infame das prisões de Teerã. Yusuf percebeu uma nova onda de medo. Eles devem ser todos culpados, já que sentem tanto medo, pensou. Olhou para seu irmão mais moço, que estava atrás dele.
— Dê-me o papel.
Seu irmão não tinha nem 15 anos, estava imundo e tossia muito. Apanhou meia dúzia de papéis e folheou-os. Encontrou o que estava procurando.
— Aqui está, Yusuf.
— Tem certeza de que este é o certo? — perguntou o líder, examinando o papel.
— Sim. — O jovem apontou para o nome com um dedo grosso. Vagarosamente, ele soletrou o nome.
— J-a-r-e-d B-a-k-r-a-v-a-n.
— Que Deus nos proteja! — murmurou alguém. E no enorme silêncio que se seguiu, Yusuf apanhou o papel e estendeu-o para Bakravan. Os outros observavam, paralisados.
Quase sem respirar, o velho apanhou-o, com os dedos trêmulos. Por um momento, não conseguiu focalizar os olhos. Então viu as palavras: "Jared Bakravan, do bazar de Teerã, por ordem do Komiteh Revolucionário e de Ali'allah Uwari, está intimado a comparecer diante do Tribunal Revolucionário, na prisão de Evin, amanhã, imediatamente após a primeira oração, para responder a algumas perguntas." O papel estava assinado: "Ali'allah", com uma letra de analfabeto.
— Que perguntas? — perguntou, bestificado.
— As que Deus quiser. — O líder pôs a carabina no ombro e se levantou.
— Até amanhã. Traga o papel com você e não chegue atrasado. — Nesse momento, ele notou a bandeja de prata, as taças e a garrafa de vodca pela metade que estavam numa mesa baixa, quase escondida por uma cortina na passagem escura, brilhando à luz de algumas velas. — Por Deus e pelo Profeta — disse indignado —, você esqueceu as leis de Deus?
As pessoas se afastaram do seu caminho enquanto ele virava a garrafa, derramando o seu conteúdo no chão de terra e a atirava longe. Um pouco do líquido escorreu para um dos tapetes. Instintivamente, o copeirinho caiu de joelhos e começou a enxugá-lo.
— Pare com isso!
Apavorado, o garoto saiu correndo. Com o pé, Yusuf espalhou a poça.
— Deixe que a mancha o faça lembrar das leis de Deus, velho — disse.