— Se manchar. — Por um momento ele examinou o tapete. — Que cores! Lindo! Lindo! — Suspirou e se coçou, depois voltou-se para Bakravan e Kia.
— Se vocês juntassem toda a riqueza que nós, pasadan, temos, e a juntasse à de toda a nossa família, e à da família dos nossos pais, ainda assim não poderíamos comprar nem um cantinho de um tapete desses. — Yusuf deu um sorriso debochado. — Mas mesmo que eu fosse tão rico quanto você, agiota Bakravan... você sabe que agiotagem também é contra a lei de Deus? Mesmo que eu fosse assim tão rico, não quereria comprar esse tapete. Eu não preciso de um tesouro como esse. Eu não tenho nada, nós não temos nada, nós não precisamos de nada. Só de Deus.
E saiu majestosamente.
PERTO DA EMBAIXADA DOS ESTADOS UNIDOS: 20:15H. Erikki esperava há quase quatro horas. De onde estava sentado, na janela do apartamento do primeiro andar, do seu amigo Christian Tollonen, ele podia ver os muros altos cercando as instalações americanas, bem iluminadas, fuzileiros uniformizados perto dos enormes portões batendo com os pés para espantar o frio, e o grande prédio da embaixada mais atrás. O trânsito ainda estava pesado, com retenções aqui e ali, todo mundo buzinando e tentando avançar, com os pedestres tão impacientes e egocêntricos como sempre. Nenhum sinal estava funcionando. Não havia polícia. Não que isso fizesse alguma diferença, pensou, os habitantes de Teerã não ligam a mínima para as leis do trânsito, nunca ligaram e nunca ligarão. Como aqueles loucos na estrada da montanha que se mataram. Como os habitantes de Tabriz. Ou os de Qazvin.
Ele apertou os punhos enormes ao se lembrar de Qazvin. Na embaixada da Finlândia, naquela manhã, havia comunicados de que Qazvin estava em estado de rebelião, de que nacionalistas azerbeijanos em Tabriz tinham-se rebelado novamente e que prosseguia a luta contra as forças leais ao governo de Khomeini e que aquela província de fronteira, rica em petróleo e altamente estratégica, tinha mais uma vez se declarado independente de Teerã, independência pela qual vinha lutando através dos séculos, sempre ajudada pela Rússia, a inimiga permanente do Irã e que desejava o seu território. Rakoczy e outros como ele deviam estar espalhados por todo o Azerbeijão.
— É claro que os soviéticos estão atrás de nós — dissera Abdullah Gorgon Khan indignado, durante a discussão, pouco antes dele e Azadeh terem partido para Teerã. — É claro que o seu Rakoczy e seus homens estão aqui por imposição. Nós andamos na mais fina corda bamba do mundo porque somos a chave deles para o golfo e para Ormuz, a jugular do Ocidente. Se não fosse por nós, Gorgons, por nossas relações tribais, e por alguns dos nossos aliados curdos, nós agora seríamos uma província soviética, junto com a outra metade do Azerbeijão que os soviéticos nos roubaram anos atrás, ajudados, como sempre, pelos insidiosos britânicos. Oh, como eu odeio os britânicos, mais ainda do que os americanos, que são apenas bárbaros estúpidos e sem educação. É verdade, não é?
— Eles não são assim, não os que eu conheço. E a S-G tem me tratado bem.
— Até agora. Mas vão traí-lo. Os britânicos traem todo mundo que não é britânico e até a eles mesmos, se for preciso.
— Insha'Allah!
Abdullah Gorgon Khan rira sem vontade.
— Insha'Allah! E Insha'Allah que em 1946 os soviéticos tenham recuado da fronteira e que então nós tenhamos destruído os traidores e acabado com a sua 'República Democrática do Azerbeijão' e com a 'República Popular Curda'. Mas eu admiro os soviéticos, eles planejam apenas vencer e mudar as regras em seu próprio benefício. O verdadeiro vencedor da sua guerra mundial foi Stalin. Ele era um colosso. Ele não dominou tudo em Potsdam, Yalta e Teerã? Ele não manobrou Churchill e Roosevelt? Roosevelt não chegou até a ficar com ele em Teerã, na embaixada soviética? Como nós, os iranianos, rimos! O grande presidente deu o futuro para Stalin quando poderia tê-lo mantido atrás das suas próprias fronteiras. Que gênio! Ao lado dele, o seu aliado Hitler era um covarde desajeitado. Como Deus quiser, hein?
— A Finlândia só se juntou a Hitler para lutar contra Stalin e recuperar as nossas terras.
— Mas vocês perderam, vocês escolheram o lado errado e perderam. Até um idiota podia ver que Hitler ia perder. Como pôde o Reza Xá ser tão estúpido? Ah, capitão, eu nunca entendi por que Stalin deixou vocês, finlandeses, vivos. Se fosse eu, teria arrasado a Finlândia como uma lição. Como ele dizimou dezenas de outras terras. Por que ele deixou vocês todos vivos? Por que vocês resistiram a ele na sua Guerra do Inverno?
— Não sei. Talvez. Eu concordo que os soviéticos não vão desistir nunca.
— Nunca, capitão. Mas nós também não. Nós, azerbeijanos, vamos sempre manobrá-los e mantê-los ao largo. Como em 1946.
Mas naquela época o Ocidente era forte, havia a Doutrina Truman para fazer frente ao intervencionismo dos soviéticos, Erikki pensou melancolicamente. E agora? Agora com Carter no comando? Que comando?
Pesadamente, ele se inclinou e tornou a encher o copo, impaciente para voltar para perto de Azadeh. Estava frio no apartamento e ele ainda estava usando o sobretudo — o aquecimento central estava desligado e as janelas deixavam entrar vento. Mas a sala era grande, agradável e masculina, com velhas poltronas, as paredes decoradas com tapetes persas, pequenos mas de boa qualidade, e objetos de bronze. Livros, revistas e jornais estavam espalhados por toda parte, em cima de mesas, cadeiras e estantes — finlandeses, russos e iranianos. Um par de sapatos femininos estava jogado numa das prateleiras. Ele tomou um gole de vodca, apreciando o calor que ela lhe dava, depois tornou a olhar pela janela em direção à embaixada. Por um momento, ele se perguntou se valeria a pena emigrar para os Estados Unidos com Azadeh.
— Os bastiões estão caindo — murmurou em voz alta. — O Irã não é mais seguro, a Europa é muito vulnerável, a Finlândia tem uma espada sobre sua cabeça...
Sua atenção focalizou-se lá embaixo. Agora o tráfego estava totalmente bloqueado por enxames de jovens vindos de duas ruas — a embaixada dos Estados Unidos ficava na esquina de Tahkt-e-Jamshid com a rua principal, chamada Roosevelt. Chamava-se Roosevelt, pensou. Como se chama agora? Rua Khomeini? Rua da Revolução?
A porta da frente do apartamento se abriu.
— Oi, Erikki — disse o jovem finlandês, com um sorriso. Christian Tollonen usava um chapéu de pele em estilo russo e um casaco impermeável debruado de pele que ele comprara em Leningrado, num fim-de-semana de bebedeira com outros amigos da universidade. — O que há de novo?
— Estou esperando há quatro horas.
— Três horas e vinte e dois minutos e meia garrafa da melhor Moskava russa que o dinheiro pode comprar, e nós combinamos três ou quatro horas. — Christian Tollonen tinha trinta e poucos anos, era solteiro, louro de olhos cinzentos, e adido cultural da embaixada da Finlândia. Eles eram amigos desde que ele viera para o Irã, há alguns anos. — Sirva-me uma, por Deus, eu bem que preciso. Estão fazendo uma outra manifestação e eu tive um bocado de dificuldade para passar. — Ele manteve o casaco vestido e foi até a janela.
Agora, as duas partes da multidão tinham se juntado, com as pessoas se comprimindo em frente às instalações da embaixada. Todos os portões tinham sido fechados. Inquieto, Erikki notou que não havia nenhum mulá no meio dos jovens. Eles podiam ouvir os gritos.
— Morte à América, morte a Carter — traduziu Christian — ele sabia falar farsi fluentemente porque seu pai também servira como diplomata no Irã e ele tinha passado cinco anos da sua juventude numa escola em Teerã. — É a mesma merda de sempre, abaixo Carter e o imperialismo americano.
— Nenhum Allah-u Akbar—disse Erikki. Por um momento, sua mente o levou de volta ao bloqueio da estrada, e ele sentiu um frio no estômago. — Nenhum mulá.
— Não. Eu não vi nenhum aqui por perto. — Na rua, diferentes facções se revezavam diante dos portões de ferro. — A maioria é de estudantes universitários. Eles pensaram que eu era russo e me contaram que houve uma terrível batalha na universidade, esquerdistas contra Faixas Verdes, com uns vinte ou trinta mortos ou feridos e a luta ainda continua. — Enquanto eles olhavam, cinqüenta ou sessenta jovens começaram a bater nos portões. — Eles estão loucos por uma briga.