— O homem que você procura não está aqui. Vá embora.
— Quem é você?
— Isso não importa. Vá embora.
A chama da vela era apenas uma réstia de luz no meio da escuridão, fazendo com que esta parecesse ainda maior.
— Você viu alguém passar por aqui, passar correndo por aqui?
O homem riu baixinho e disse alguma coisa em farsi. Imediatamente, pés se arrastando e gargalhadas abafadas cercaram Erikki e ele se virou, protegendo-se com a faca.
— Quem são vocês?
O arrastar de pés continuou. De todos os lados. Em algum lugar, derramaram água numa cisterna. O ar tinha um cheiro úmido e rançoso. Ele ouviu barulho de tiros ao longe. Outro arrastar de pés. Ele tornou a virar-se, sentindo que havia alguém perto dele, mas não vendo ninguém, só o arco e a noite escura lá fora. O suor escorria pelo seu rosto. Cautelosamente, ele foi até a porta e encostou as costas na parede, certo agora de que Rakoczy estava lá. O silêncio tornou-se mais pesado.
— Por que você não responde? — disse. — Você viu alguém? Mais uma vez um risinho abafado.
— Vá embora. — Depois o silêncio.
— Por que você está com medo? Quem é você?
— Quem eu sou não lhe interessa, e não existe medo aqui, exceto o seu. — A voz era tão gentil como antes. Então o homem acrescentou alguma coisa em farsi e houve mais risadas em volta dele.
— Por que você fala inglês comigo?
— Eu falo inglês com você porque nenhum iraniano ou leitor da língua do Livro viria aqui de dia ou de noite. Só um idiota viria aqui.
A visão periférica de Erikki viu alguma coisa ou alguém passar entre ele e a chama da vela. Imediatamente, ele preparou a faca.
— Rakoczy?
— É este o nome do homem que você procura?
— Sim. É este. Ele está aqui, não está?
— Não.
— Eu não acredito em você, seja você quem for. Silêncio, depois um profundo suspiro.
— Seja como Deus quiser — e deu uma ordem baixa em farsi que Erikki não entendeu.
Fósforos foram acesos em volta dele. Velas e lamparinas a óleo brilharam. Erikki engasgou. Havia trouxas esfarrapadas encostadas nas paredes e colunas da caverna. Centenas delas. Homens e mulheres. Os doentes, restos podres de homens e mulheres deitados em palha ou farrapos. Olhos em rostos deformados olhando para ele. Pedaços de membros. Um velho encarquilhado estava quase nos pés dele e ele deu um salto, apavorado, para o meio do portal.
— Somos todos leprosos aqui — disse o homem. Ele estava encostado numa coluna, um monte de farrapos. Outro farrapo cobria-lhe os buracos dos olhos. Não havia sobrado quase nada do seu rosto, exceto os lábios. Fracamente, ele fez um gesto com um toco de braço. — Somos todos leprosos aqui. Impuros. Esta é uma casa de leprosos. Você está vendo esse homem entre nós?
— Não. Não. Eu... eu sinto muito. — Disse Erikki, tremendo.
— Sente muito? — A voz do homem era cheia de ironia. — Sim. Nós todos sentimos muito. Insha'Allah! Insha'Allah!
Erikki queria desesperadamente virar-se e fugir, mas suas pernas não se mexiam. Alguém tossiu, uma tosse rouca, assustadora. Então a sua boca disse:
— Quem... quem é você?
— Eu fui um professor de inglês. Agora sou um impuro, um dos mortos-vivos. Como Deus quiser. Vá embora. Deus seja abençoado por sua misericórdia.
Apatetado, Erikki viu o homem fazer um sinal com o resto dos braços. Obedientemente, as luzes começaram a se apagar, com os olhos ainda a observá-lo.
Lá fora, no ar da noite, ele teve que fazer um esforço para não sair cor rendo, aterrorizado, sentindo-se sujo, com vontade de arrancar as roupas imediatamente e se lavar e ensaboar e tornar a se lavar, sem parar.
— Pare com isso — murmurou, com a pele arrepiada. — Não há nada para temer
QUARTA-FEIRA
14 de fevereiro
NA PRISÃO DE EVIN: 6:29H. A prisão era igual a qualquer outra prisão moderna — nos bons ou maus dias — cinzenta, melancólica, cercada de muros altos, e terrível.
Hoje, o amanhecer estava estranho, o clarão abaixo do horizonte curiosamente vermelho. Não havia nuvens no céu, pela primeira vez em semanas, e embora ainda estivesse frio, prometia ser um dia incomum. Sem neblina. Com o ar fresco e puro para variar. Um vento ameno expulsou a fumaça dos destroços ainda fumegantes dos carros e das barricas dos combates da noite anterior entre os Faixas Verdes, agora legais, e os legalistas, esquerdistas, combinados com policiais e militares, agora ilegais, bem como a fumaça de inúmeros fogões e lareiras dos milhões de habitantes de Teerã.
Os poucos pedestres que passavam pelos muros da prisão e pelo seu enorme portão, que estava quebrado e com as dobradiças arrancadas, evitavam olhar para os Faixas Verdes que se recostavam indolentemente nos muros, e apressavam o passo. Havia pouco tráfego. Um outro caminhão cheio de prisioneiros e guardas se aproximou e parou um momento no portão principal para ser inspecionado. A barricada provisória foi aberta e tornou a ser fechada. Do lado de dentro dos muros houve uma súbita rajada de tiros de rifle. Do lado de fora, os Faixas Verdes bocejaram e se espreguiçaram.
Com a chegada do sol, começou a chamada dos muezins nos minaretes. Na maior parte das mesquitas, suas vozes eram gravadas em cassete e transmitidas por alto-falantes. E onde quer que o chamado fosse ouvido, os fiéis paravam o que estivessem fazendo, viravam-se de frente para Meca e se ajoelhavam para a primeira oração.
Jared Bakravan tinha parado o carro um pouco mais adiante. Agora, junto com o seu motorista e os outros, ele se ajoelhou e rezou. Tinha passado grande parte da noite tentando encontrar seus amigos e aliados mais importantes. A notícia da prisão ilegal de Paknouri e da sua própria intimação ilegal tinha corrido o bazar. Todo mundo ficou indignado, mas ninguém se ofereceu para organizar um prostesto ou uma greve ou para fechar o bazar. Ele tinha recebido muitos conselhos: prostestar junto ao próprio Khomeini, junto ao próprio ministro Bazargan, não aparecer no tribunal, aparecer mas se recusar a responder a qualquer pergunta. "Seja como Deus quiser", mas ninguém tinha se oferecido para ir com ele, nem mesmo o seu grande amigo e um dos maiores advogados de Teerã, que jurou que era mais importante que intercedesse por ele junto aos juizes da Corte Suprema. Ninguém se ofereceu, a não ser sua mulher, seu filho e suas três filhas que rezavam nos seus próprios tapetes de oração, atrás dele.
Ele terminou a oração e se levantou, tremendo. Imediatamente, o motorista começou a recolher os tapetes de rezar. Jared estremeceu. Esta manhã ele se vestira cuidadosamente e estava usando um casaco pesado, um terno e um chapéu de astracã, mas nenhuma jóia.
— Eu... eu vou a pé daqui — disse.
— Não, Jared — sua mulher, chorosa, começou a falar, mal notando os tiros a distância. — Sem dúvida, é melhor chegar como cabe a um líder. Você não é o lojista mais importante de Teerã? Não ficaria bem para um homem da sua posição chegar a pé.
— Sim, sim, sim, você tem razão. — Ele sentou no banco de trás do carro. Era uma Mercedes azul, nova e bem tratada. Sua mulher, uma matrona gorda, com o penteado caro escondido sob um chador que também cobria o seu longo vison marrom, sentou-se ao lado dele e deu-lhe o braço, com a maquilagem marcada de lágrimas. Seu filho, Meshang, estava igualmente choroso. E suas filhas, Xarazade entre elas, todas usavam o chador, — Sim, você tem razão. Que Deus amaldiçoe esses revolucionários!
— Não se preocupe, papai — disse Xarazade. — Deus irá protegê-lo. Os Guardas Revolucionários estão apenas cumprindo as ordens do imã e o imã cumpre apenas as ordens de Deus. — Ela parecia muito confiante, mas estava com uma aparência tão abatida que ele se esqueceu de lhe dizer para não se referir a Khomeini como imã.