— Vida longa para o xá, não existe nenhum outro Deus além de Deus. — As balas o silenciaram.
Na sala de espera fez-se um silêncio terrível. Alguém choramingou. Um velho começou a vomitar. Outros se puseram a sussurar, muitos começaram a rezar, e Bakravan achou que tudo aquilo era um pesadelo, seu cérebro cansado rejeitando a realidade. O ar fétido era frio, mas ele se sentia num forno, sufocando. Será que estou morrendo? perguntou a si mesmo, e abriu o colarinho da camisa. Então alguém tocou nele e ele abriu os olhos. Por um momento, não pôde focalizar a vista nem calcular aonde estava. Ele estava deitado no chão, com o homem pequeno inclinando-se ansiosamente sobre ele.
— Você está bem?
— Sim, sim, acho que sim — disse com voz fraca.
— Você desmaiou, Excelência. Tem certeza que está bem?
Várias mãos o ajudaram a se levantar. Ele agradeceu, embotadamente. Seu corpo parecia muito pesado, seus sentidos estavam entorpecidos, os olhos pesados.
— Ouça — murmurou o homem que tinha úlcera — isso é como a Revolução Francesa, a guilhotina e o terror, mas como isso pode acontecer com o aiatolá Khomeini no poder é o que não consigo entender.
— Ele não sabe — disse o homem pequeno, igualmente amedrontado. — Ele não pode saber, ele não é um homem de Deus, piedoso e o mais sábio dos aiatolás?
O cansaço tomou conta de Bakravan e ele se encostou na parede, deixando sua mente divagar.
Mais tarde, uma mão rude despertou-o.
— Bakravan, eles o chamam. Venha!
— Sim, sim — resmungou, e se levantou, sentindo dificuldade em andar, reconhecendo Yusuf, o líder dos Faixas Verdes que tinha ido ao bazar na noite anterior. Foi tropeçando atrás dele, passando no meio dos outros, saiu da sala e caminhou por um corredor, subiu alguns degraus e atravessou um outro corredor sem aquecimento, com celas dos dois lados, vigias nas portas, passando por guardas e outras pessoas que o olharam estranhamente, enquanto alguém chorava ali por perto.
— Para onde... para onde estão me levando?
— Poupe suas energias, você vai precisar delas.
Yusuf parou numa porta, abriu-a e empurrou-o para dentro. A sala era pequena, claustrofóbica, apinhada de homens. No meio, havia uma mesa de madeira com um mulá e quatro rapazes sentados de cada lado dele, alguns papéis e um livro grande do Corão sobre a mesa, uma pequena janela de grades no alto da parede, um raio de sol contra o azul do céu. Havia Faixas Verdes encostados nas paredes.
— Jared Bakravan, o lojista do bazar, o agiota — disse Yusuf. O mulá levantou os olhos da lista que estava examinando.
— Ah, Bakravan, salaam.
— Salaam, Excelência — disse Bakravan, tremendo. O mulá tinha uns quarenta anos, olhos e barba pretos, um turbante branco e uma veste preta. Os homens que o ladeavam estavam na casa dos vinte, com a barba por fazer ou de barba e pobremente vestidos, com suas armas encostadas na parede atrás deles. — Como... como posso ajudá-lo? — perguntou, tentando manter a calma.
— Eu sou Ali'allah Uwari, indicado pelo Komiteh Revolucionário como juiz, e estes homens também são juizes. Esta corte é governada pela Palavra de Deus e pelo Livro Sagrado. — A voz do mulá era áspera e o seu sotaque Qazvini. — Você conhece este Paknouri, conhecido como agiota Paknouri?
— Sim, mas com licença, Excelência, de acordo com a nossa Constituição e com as antigas leis do bazar, o...
— É melhor responder às perguntas — interrompeu um dos rapazes —, nós não podemos perder tempo com discursos! Você o conhece ou não?
— Sim, sim, é ciar...
— Excelência Uwari — Yusuf interrompeu da porta. — Por favor, quem o senhor quer ver em seguida?
— Paknouri, depois... — O mulá consultou a sua lista de nomes. — Depois o sargento Jufrudi, da polícia.
Um dos que estavam sentados na mesa disse:
— Esse cão foi julgado por um outro tribunal revolucionário na noite passada e foi executado hoje de manhã.
— Seja como Deus quiser. — O mulá riscou o nome. Todos os nomes acima daquele tinham sido riscados. — Então traga Hassen Turlak, da cela 573.
Bakravan quase deu um grito. Turlak era um jornalista e escritor altamente respeitado, meio-iraniano, meio-afegão, um crítico zeloso e corajoso do regime do xá, que tinha até passado alguns anos na prisão por causa da sua oposição.
O rapaz barbado que estava ao lado do mulá coçou, irritado, as perebas do rosto.
— Quem é Turlak, Excelência? O mulá leu na lista.
— Um repórter de jornal.
— É uma perda de tempo ouvi-lo. É claro que ele é culpado — disse um outro. — Não foi ele que afirmou que a Palavra devia ser mudada, que as Palavras do Profeta não serviam para hoje? Ele é culpado, é claro que é culpado.
— Seja como Deus quiser. — O mulá voltou a sua atenção para Bakravan. — Paknouri. Ele alguma vez praticou agiotagem?
Bakravan tirou Turlak da cabeça.
— Não, nunca, e ele...
— Ele emprestava dinheiro a juros.
O estômago de Bakravan ardeu. Ele viu os frios olhos pretos e tentou fazer o seu cérebro trabalhar.
— Sim, mas numa sociedade moderna os ju...
— Não está escrito de forma clara no Sagrado Corão que emprestar dinheiro a juros é agiotagem e contra a lei de Deus?
— Sim. A agiotagem é contra a lei de Deus, mas na sociedade moder...
— O Sagrado Corão é perfeito. A Palavra é clara e eterna. Agiotagem é agiotagem. A lei é a lei. — Os olhos do mulá fixaram-no. — Você defende alei?
— Sim, sim, Excelência, é claro que sim.
— Você pratica os Cinco Mandamentos do Islã? — Esses eram obrigatórios para todos os muçulmanos: recitar o Shahada; orar cinco vezes por dia; dar voluntariamente o Zakat, uma taxa anual, um décimo; jejuar do amanhecer até o anoitecer durante o mês sagrado do Ramadan; e, finalmente, fazer o Hajj, a viagem ritual a Meca uma vez na vida.
— Sim, sim, exceto... exceto o último. Eu ainda não fiz a minha peregrinação a Meca. Ainda não.
— Por que não? — O jovem com o rosto marcado perguntou. — Você tem mais dinheiro do que moscas em bosta de burro. Com o seu dinheiro você podia ir em qualquer máquina voadora, qualquer uma! Por que não?
— É... é a minha saúde — disse Bakravan, mantendo os olhos baixos e rezando para a mentira soar convincente. — O meu... meu coração é fraco.
— Quando você esteve na mesquita pela última vez? — perguntou o mulá.
— Na sexta-feira passada, na mesquita do bazar — respondeu. Era verdade, só que ele não tinha ido lá para rezar, mas para uma reunião de negócios.
— Este Paknouri, ele praticava os Cinco Mandamentos como um verdadeiro crente? — perguntou um dos jovens.
— Eu... eu acho que sim.
— Todo mundo sabe que não, todo mundo sabe que ele era um partidário do xá. Hein?
— Ele era um patriota, um patriota que apoiou financeiramente a revolução e o aiatolá Khomeini, que as bênçãos de Deus caiam sobre ele, que tem apoiado financeiramente os mulás ao longo dos anos e...
— Mas ele falava americano e trabalhava para os americanos e para o xá, ajudando-os a explorarem e roubarem as riquezas do nosso solo, não é?
— Ele, ele era um patriota que trabalhava com os estrangeiros para o bem do Irã.
— Quando o Satã, o xá, ilegalmente formou um partido, Paknouri se alistou, e serviu ao xá nos Majlis, não é? — perguntou o mulá.
— Ele foi um representante, sim — respondeu Bakravan. — Mas ele trabalhou para a rev...
— E ele votou a favor da chamada Revolução Branca do xá que roubou terras das mesquitas, decretou a igualdade das mulheres, implantou tribunais civis e educação estatal contra as leis do Sagrado Corão...
É claro que ele tinha votado a favor disso, Bakravan teve vontade de gritar, com o suor escorrendo pelo rosto e pelas costas. É claro que todos nós votamos a favor! O povo não votou a favor, em massa, e até mesmo muitos aiatolás e mulás? O xá não controlava o governo, a polícia, a Savak, as Forças Armadas e não possuía quase toda a terra? O xá era o poder máximo. Maldito xá, pensou, fora de si de raiva, maldito xá e maldita Revolução Branca de 1963, que começou a confusão, enlouqueceu os mulás e continua a nos prejudicar, todas as suas 'reformas modernas' que foram diretamente responsáveis pela notoriedade do então obscuro aiatolá Khomeini. Nós, os lojistas do bazar, não avisamos mil vezes aos conselheiros do xá? Como se alguma daquelas reformas tivesse importância. Como se alguma daquelas reformas..