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— Sim ou não?

Ele voltou subitamente à realidade e amaldiçoou a si mesmo. Concentre-se! pensou em pânico. Este maldito filho de um cão leproso está tentando apanhá-lo! O que foi que ele perguntou? Tenha cuidado. Pela sua vida, tenha cuidado! Ah, sim, a Revolução Branca!

— Emir Paknouri...

— Em nome de Deus, sim ou não! — O mulá interrompeu-o rudemente.

— Ele... sim... sim, ele votou a favor da... da Revolução Branca quando era representante nos Majlis. Sim, sim, ele o fez.

O mulá suspirou e os rapazes se mexeram nas cadeiras. Um deles bocejou e se coçou, brincando distraidamente com o próprio sexo.

— Você é um representante?

— Não, não, eu renunciei quando o aiatolá Khomeini ordenou. O...

— Você quer dizer quando o imã Khomeini, o imã ordenou?

— Sim, sim — disse Bakravan, agitado. — Eu renunciei, ahn, assim que o imã ordenou, eu... eu renunciei imediatamente — disse, e não acrescentou: Nós todos renunciamos por sugestão de Paknouri quando se teve certeza de que o xá decidira partir e passar o poder para o moderado e sensato primeiro-ministro Bakhtiar, mas não para o poder ser usurpado por Khomeini, ele teve vontade de gritar, este nunca foi o plano! Que Deus amaldiçoe os americanos que nos venderam, os generais que nos entregaram, o xá que é o responsável! — Todo mundo sabe... sabe que eu apoiei o imã, que ele viva para sempre.

— Sim, que a bênção de Deus caia sobre ele — repetiu o mulá junto com os outros. — Mas você, Jared Bakravan do bazar, você alguma vez praticou a agiotagem?

— Nunca — Bakravan disse imediatamente, acreditando nisso, embora entrando em pânico. Eu tenho emprestado dinheiro a minha vida inteira, mas os juros têm sido sempre justos e razoáveis, nunca de agiota, nunca. E todas as vezes que eu agi como conselheiro para diversas pessoas e ministros, conseguindo empréstimos, públicos e privados, transferindo fundos para fora do Irã, privados e públicos, ganhando dinheiro, um bocado de dinheiro, isso foi apenas bom negócio e não contra a lei. — Eu me opus à... eu me opus à Revolução Branca e ao xá, sempre que pude. Todo mundo sabia que eu me opu...

— O xá cometeu crimes contra Deus, contra o Islã, contra o Sagrado Corão, contra o imã, que Deus o proteja, contra a fé xiita. Todos aqueles que o ajudaram são igualmente culpados. — Os olhos do mulá eram implacáveis. — Quais são os crimes cometidos por você contra Deus e a Palavra de Deus?

— Nenhum — ele exclamou, chegando ao limite das suas forças. — Em nome de Deus, eu juro, nenhum!

A porta se abriu. Yusuf entrou na sala com Paknouri. Bakravan quase desmaiou de novo. As mãos de Paknouri estavam algemadas para trás. Fezes e urina manchavam as suas calças e havia vômito na frente do seu casaco. Sua cabeça balançava incontrolavelmente, seu cabelo estava embaraçado e imundo, ele havia perdido a razão. Quando ele viu Bakravan, seu rosto se contorceu numa careta.

— Ah, Jared, Jared, velho amigo e colega, Excelência, você veio se juntar a nós no inferno? — Ele deu uma gargalhada. — Não é como eu imaginava, os demônios ainda não chegaram, nem o óleo fervente nem as chamas, mas não existe ar, só fedor, e você fica apertado contra os outros e não pode nem deitar nem sentar, então você fica em pé e aí os gritos recomeçam e os tiros e, o tempo todo, você está sobre um ovo, apertado como uma ova de caviar, mas mas mas... — Ele interrompeu aquele delírio meio incoerente quando viu o mulá. O terror tomou conta dele. — Você é... você é Deus?

— Paknouri — disse gentilmente o mulá — você é acusado de crimes contra Deus. Esta testemunha de acusação diz que...

— Sim, sim, eu cometi crimes contra Deus, eu sou culpado — Paknouri gritou. — Se não, por que eu estaria no inferno? — Ele caiu de joelhos, num acesso de choro, delirando. — Não há nenhum deus além de Deus não é Deus, não há nenhum Deus e Maomé é o seu Profeta de nenhum Deus e... — De repente, ele parou. Seu rosto estava ainda mais contorcido quando ele levantou a cabeça. — Eu sou Deus. Você é Satã!

Um dos rapazes quebrou o silêncio, chocado.

— Ele é um blasfemador. Ele está possuído por Satã. Ele se declarou culpado. Seja como Deus quiser.

Todos os outros balançaram a cabeça, concordando. O mulá disse:

— Seja como Deus quiser. — Ele fez um sinal para um Faixa Verde, que levantou Paknouri e o levou embora e olhou para Bakravan que olhava fixamente para o amigo, horrorizado pela rapidez com que ele fora destruído da noite para o dia. — Agora, Bakravan, você...

— Eu estou com este Turlak esperando lá fora — disse Yusuf, interrompendo-o.

— Ótimo — disse o mulá. Então ele tornou a olhar para Bakravan e este soube que estava tão perdido quanto o seu amigo Paknouri, e que a sentença seria a mesma. Ele sentia o sangue bater nos seus ouvidos. Ele viu os lábios do mulá se movendo, até que pararam e todo mundo olhava para ele

— Por favor? — perguntou, sem entender. — Eu... eu sinto muito, mas não ouvi o que o senhor... o que o senhor disse.

— Você pode sair. Por ora. Faça o trabalho de Deus. — Impaciente, o mulá olhou para um dos Faixas Verdes, um homem alto e feio. — Ahmed, leve-o para fora! — Depois para Yusuf: — Depois de Turlak, o capitão de polícia Muhammad Dezi, cela 917...

Bakravan sentiu um puxão no braço e se virou e saiu. No corredor, ele quase caiu, mas Ahmed o segurou e, com uma gentileza inesperada, encostou-o na parede.

— Recupere o seu fôlego, Excelência — disse.

— Eu... eu estou livre para partir?

— Eu estou tão surpreso quanto o senhor, aga — disse o homem. — Diante de Deus e do Profeta, eu estou tão surpreso quanto o senhor, o senhor é o primeiro a ser libertado hoje, entre acusados e testemunhas.

— Eu... há... há um pouco d'água aqui?

— Aqui não. Mas há muita água lá fora. É melhor o senhor sair. — Ahmed baixou ainda mais a voz. — É melhor sair, hein? Apóie-se no meu braço.

Agradecido, Bakravan apoiou-se nele, mal respirando. Vagarosamente, eles voltaram pelo mesmo caminho por onde tinham vindo. No corredor que levava à sala de espera, Ahmed passou por uma porta lateral, que dava para o espaço que ficava a oeste. O pelotão de fuzilamento estava lá, com três homens amarrados em postes em frente a eles. Um dos postes estava vazio. A bexiga e os intestinos de Bakravan se esvaziaram sem ele querer.

— Depressa, Ahmed! — disse o encarregado, irritado.

— Seja como Deus quiser — disse Ahmed. Alegremente, ele quase carregou Bakravan para o poste vazio que ficava ao lado do de Paknouri, que estava delirando, perdido no seu próprio inferno. — Então você não vai escapar, afinal. Está certo, nós todos ouvimos as suas mentiras, mentiras diante de Deus. Nós todos o conhecemos, conhecemos os seus métodos, conhecemos a sua falta de piedade, sabemos como você tentou comprar o seu caminho para o paraíso com presentes para o imã, que Deus o proteja. Onde você conseguiu todo esse dinheiro, senão através da agiotagem e do roubo?

A rajada de balas não foi bem dada. O encarregado usou displicentemente um revólver para silenciar um dos condenados, depois Bakravan.

— Eu não o teria reconhecido — disse secamente o homem. — Isso mostra o quanto os jornais são traiçoeiros e mentirosos.