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— Este não é Hassen Turlak — disse Ahmed —, ele vem depois. O homem olhou para ele.

— Então quem é esse?

— Um lojista do bazar — disse Ahmed. — Os lojistas são agiotas e ímpios. Eu sei. Durante anos eu trabalhei lá, para Farazan, recolhendo o lixo da noite, como meu pai antes de mim, até me tornar pedreiro como Yusuf. Mas esse aí... — Ele arrotou. — Ele era o agiota mais rico. Eu não me lembro de muita coisa a respeito dele, a não ser de como ele era rico, mas me lembro de tudo a respeito das mulheres dele; ele nunca dobrou nem educou as suas mulheres, que nunca usaram o chador, e viviam se exibindo. Eu me lembro muito bem daquela filha dele que visitava a rua dos Agiotas de vez em quando, semi despida, com a pele fresca como creme, o cabelo solto, os seios balançando, as nádegas convidativas, aquela chamada Xarazade, que é a imagem perfeita de uma huri. Eu me lembro de tudo a respeito dela e de como eu a amaldiçoava por colocar maldade na minha cabeça, enlouquecendo-me, como a todos nós, por nos tentar. — Ele coçou o saco, sentindo o pênis endurecer. Que Deus a amaldiçoe e a todas as mulheres que desobedecem à lei de Deus e nos provocam maus pensamentos contra a palavra de Deus. Oh, Deus, deixe-me penetrá-la ou faça de mim um mártir para que eu vá diretamente para o paraíso e faça isso lá. — Ele era culpado de todos os crimes — disse, virando-se.

— Mas... mas ele foi condenado? — perguntou o encarregado do pelotão de fuzilamento.

— Deus o condenou, é claro. Ele o fez. O poste estava vazio e você disse para eu me apressar. Foi a Vontade de Deus. Deus é grande. Deus é grande. Agora eu vou buscar Turlak, o blasfemador. — Ahmed deu de ombros. — Foi a Vontade de Deus.

28

PERTO DE BANDAR DELAM: 11:58H. Estava na hora da oração de meio-dia e o ônibus velho, vacilante, superlotado, parou na faixa de acostamento. Obedientemente, seguindo o comando de um mulá que era também um dos passageiros, todos os muçulmanos desembarcaram, abriram os seus tapetes de oração e agora encomendavam suas almas a Deus. Exceto pela família hindu, que ficou com medo de perder os lugares, a maioria dos passageiros não-muçulmanos tinha também desembarcado — Tom Lochart entre eles — contente pela oportunidade de esticar as pernas ou aliviar a bexiga. Armênios cristãos, judeus orientais, um casal de nômades kash'kaique, embora muçulmanos, estavam desobrigados por um antigo costume, de fazer a oração do meio-dia e suas mulheres não precisavam usar nem o véu nem o chador, dois japoneses, alguns árabes cristãos — todos eles conscientes do europeu solitário.

O dia estava quente, nublado e úmido por causa da proximidade das águas do golfo. Tom Lochart recostou-se fatigado sobre o capô, que fervia com o motor superaquecido, com a cabeça doendo, as juntas doendo, os músculos doendo, por causa da marcha forçada desde Dez Dam — que estava agora a mais de trezentos quilômetros para o norte — e por causa do desconforto do ônibus lotado e barulhento. Desde Ahwaz, onde conseguira passar uma conversa nos Faixas Verdes e entrar no ônibus, ele estivera espremido num assento que mal dava para dois, que dirá três homens, um deles, um jovem Faixa Verde que carregava o seu M14 junto com o filho, enquanto sua mulher grávida viajava em pé no estreito corredor, junto com mais trinta, no espaço de quinze. Todos os outros lugares estavam igualmente lotados com homens, mulheres e crianças de todas as idades. O ar era fétido, vozes tagarelavam numa confusão de línguas. Acima das cabeças e sob os pés, malas, pacotes e sacolas, bolsas cheias de legumes ou galinhas semimortas, uma ou duas cabras subnutridas — os bagageiros do teto do ônibus estavam igualmente lotados.

Mas eu tenho muita sorte em estar aqui, pensou, com o desespero voltando, mal ouvindo a ladainha do Shahada.

Na véspera, ao entardecer, depois de ouvir o 212 decolar de Dez Dam, saíra de baixo do pequeno ancoradouro, agradecendo a Deus por ter escapado. A água estava muito fria e ele tremia, mas pegou a automática, verificando seu mecanismo, e depois subiu até a casa que estava aberta. Havia comida e bebida na geladeira que ainda funcionava perfeitamente, impulsionada por um gerador. Estava quente dentro de casa. Tirou as roupas e secou-as sobre um aquecedor, xingando Valik e Seladi e desejando que fossem para o inferno. Filhos da puta! O que foi que eu fiz para eles, além de salvar os seus malditos pescoços?

O calor e o conforto da casa eram tentadores. Seu cansaço chegava a doer. Tinha passado a noite anterior em Isfahan quase em claro. Podia dormir e partir de madrugada, pensou. Tenho uma bússola e conheço mais ou menos o caminho: contornar o campo de aviação de Ali Abbasi, depois tomar o rumo leste para pegar a estrada Kermanshah—Ahwaz—Abadan. Não deve haver problema para se conseguir apanhar um ônibus ou pegar uma carona. Ou podia partir agora — o luar vai iluminar o caminho e assim não serei apanhado aqui, se a base aérea enviar uma patrulha. — Ali estava tão nervoso por causa disso quanto Seladi e poderíamos ter sido localizados facilmente. Facilmente. Mas de qualquer maneira, caso seja apanhado, qual vai ser a história?

Pensou sobre isso enquanto preparava um conhaque com soda e um pouco de comida. Valik e os outros tinham aberto duas latas de meio quilo do melhor caviar cinzento beluga e tinham-nas abandonado displicentemente na mesa da sala, parcialmente cheias. Comeu com grande avidez e depois jogou as latas no lixo que estava do lado de fora da porta dos fundos. Depois trancou a casa e partiu.

A marcha forçada pelas montanhas fora difícil, mas não tão difícil quanto esperara. Pouco depois do amanhecer, descera até a estrada Kermanshah—Ahwaz—Abadan. Quase imediatamente, conseguira uma carona com alguns operários coreanos que estavam deixando a usina de aço que construíam sob contrato em Kermanshah — era quase um costume os estrangeiros ajudarem outros estrangeiros na estrada. Eles se dirigiam ao aeroporto de Abadan onde ouviram dizer que havia um avião esperando para levá-los de volta à Coréia.

— Há muita luta em Kermanshah — disseram, num inglês hesitante.

— Todo mundo tem arma. Iranianos matam uns aos outros. Todos malucos, bárbaros, piores que japoneses. — Os coreanos o deixaram perto do terminal de ônibus de Ahwaz. Milagrosamente, conseguira arranjar um lugar no próximo ônibus que passava por Bandar Delam.

— Sim. Mas e agora? Sombriamente, recordou como, depois de ter jogado as latas vazias de caviar no lixo, pensara melhor e voltara para recolhê-las e enterrá-las, limpando o copo que usara e até a maçaneta da porta. Você tem que mandar examinar a cabeça, como se eles fossem verificar impressões digitais! Sim, mas na hora eu achei melhor não deixar nenhum traço de que estivera lá.

Você está doido! Seu nome está na licença de vôo de Teerã, há o transporte não-autorizado de Valik e sua família, a fuga de Isfahan, o fato de 'ter transportado inimigos do Estado, ajudando-os a escapar' para explicar — seja à Savak ou a Khomeini! E como é que a S-G ou McIver vão justificar a falta de um helicóptero iraniano que vai aparecer no Kuwait ou em Bagdá ou seja lá onde for?

Que maldita confusão! Sim. E há Xarazade...

— Não se preocupe, aga — seu pensamento foi interrompido —, estamos todos nas mãos de Deus.

Era o mulá e estava sorrindo para ele. Era um homem jovem, barbado, que entrara no ônibus em Ahwaz com a mulher e três filhos. Trazia um rifle pendurado no ombro.

— O motorista me disse que você fala farsi, que vem do Canadá e é um seguidor do Livro?

— Sim, sim, eu sou, aga — respondeu Lochart, reunindo toda a sua força de vontade. Viu que a oração terminara e que agora todo mundo se amontoava na porta do ônibus.

— Então você irá para o céu, como o Profeta prometeu, se for julgado merecedor, embora não para a nossa parte do céu. — O mulá sorriu timidamente. — O Irã será o primeiro Estado islâmico verdadeiro do mundo, desde o tempo do Profeta. — Mais uma vez o sorriso tímido. — Você é... você é o primeiro estrangeiro seguidor do Livro que eu conheço. Você aprendeu a falar farsi no colégio?