Nogger aceitou o uísque e o tomou de um só gole, tentando recuperar o fôlego, com as mãos e os joelhos tremendo incontrolavelmente, sem que se desse conta. MacIver, Genny e Pettikin escutavam estarrecidos. A garota soluçava baixinho.
— Nunca em minha vida tinha passado por um pesadelo igual, Charlie — prosseguiu, abalado. — Os soldados eram todos tão jovens quanto os manifestantes e pareciam mortos de medo, difícil de suportar, uma noite atrás da outra, a multidão gritando e jogando pedras... Um coquetel Molotov bateu no rosto de um soldado e ele começou a pegar fogo, gritando no meio das chamas sem... e então aqueles filhos da mãe nos encurralaram e começaram a agarrar Paula, tentando violentá-la, apalpando-a, rasgando suas roupas. Fiquei meio louco e agarrei um dos desgraçados e acertei-lhe um soco na cara. Sei que o machuquei porque o nariz dele saiu do lugar e se não fosse aquele mulá...
— Vá com calma, rapaz — disse Pettikin, preocupado, mas o rapaz não prestou nenhuma atenção e continuou a falar.
— ...Se não fosse aquele mulá, que me puxou, eu teria continuado a bater até arrebentar o desgraçado; eu queria arrancar os olhos dele, Cristo, eu tentei, eu sei que tentei... Cristo, eu nunca matei nada com minhas mãos, nem nunca tive vontade, até esta noite, mas hoje tive vontade e teria matado... — As mãos dele estavam tremendo quando ele afastou o cabelo dos olhos, sua voz estava mais alta e mais tensa. — Aqueles filhos da mãe, eles não tinham o direito de tocar em nós, mas eles estavam agarrando Paula e...e... — As lágrimas começaram a rolar, sua boca se mexeu mas não saiu nenhum som, havia uma gota de espuma no canto dos seus lábios — e... e... matar... eu queria matarrrr...
Subitamente, Pettikin se inclinou e deu um tapa na cara do rapaz, jogando-o em cima do sofá. Os outros quase desmaiaram de susto. Lane ficou momentaneamente apatetado, depois pulou para se atirar em cima do seu agressor.
— Pare, Nogger! — urrou Pettikin.
A ordem fez com que o jovem se imobilizasse. Ele encarou estupidamente o outro, com os punhos fechados.
— O que há com você, você quase quebrou meu queixo — disse furioso, mas as lágrimas tinham parado e seus olhos estavam claros de novo.
— Desculpe, rapaz, mas você estava ficando histérico, já vi isto aconte...
— Uma ova que eu estava — disse Lane, ameaçadoramente, recuperando a razão; mas levou bastante tempo até que conseguissem explicar e acalmar a ele e a moça. O nome dela era Paula Giancani, uma moça alta, aeromoça da Alitalia.
— Paula, querida, é melhor você passar a noite aqui — disse Genny. — Já passou da hora de recolher. Você compreende?
— Sim, compreendo. Sim, eu falo inglês, eu...
— Venha comigo, vou lhe emprestar algumas coisas. Nogger, você pode ficar com o sofá.
Mais tarde, Genny e MacIver ainda estavam acordados, cansados mas sem sono, ouvindo tiros em algum lugar no meio da noite, cantoria em algum lugar no meio da noite.
— Quer um pouco de chá, Duncan?
— Boa idéia. — Ele se levantou junto com ela. — Oh, maldição, eu me esqueci. — Foi até a escrivaninha e encontrou a caixinha, mal embrulhada. — Parabéns. Não é muita coisa, só uma pulseira que consegui no bazar.
— Oh, obrigada, Duncan. — Enquanto desembrulhava o presente, contou-lhe sobre a lata de haggis.
— Que patife! Não ligue. No ano que vem vamos comê-lo na Escócia. A pulseira era de ametistas brutas, engastadas em prata.
— Oh, é tão bonita, exatamente o que eu queria. Obrigada, querido.
— Você também, Gen. — Ele a abraçou e beijou, distraidamente. Ela não se incomodou com o beijo. A maioria dos beijos, atualmente, os dela também, eram apenas afetuosos, como fazer festa num cachorro de estimação.
— O que o preocupa, querido?
— Nada.
Ela o conhecia muito bem.
— O que é que eu ainda não sei?
— As coisas estão ficando cada vez mais pretas. A cada hora que passa. Quando você estava fora da sala com Paula, Nogger contou-nos que eles estavam vindo do aeroporto. O vôo da Alitalia em que ela estava — fora fretado pelo governo italiano para evacuar seu pessoal e estava preso em terra há dois dias — tinha conseguido permissão para partir ao meio-dia, então ele tinha ido levá-la. Evidentemente, a partida atrasou várias vezes, como sempre, mas, pouco antes do anoitecer o vôo tornou a ser cancelado, todo o aeroporto foi fechado, e todo mundo recebeu ordem para sair. Os funcionários iranianos simplesmente desapareceram. Então, de repente, um grupo de revolucionários armado até os dentes começou a se espalhar por todo o aeroporto. A maioria usava braçadeiras verdes, mas alguns tinham a sigla OILP escrita nas braçadeiras, Gen, as primeiras que Nogger via. "Organização Iraniana para a Libertação da Palestina."
— Oh, meu Deus — disse ela —, então é verdade que a OLP está ajudando Khomeini?
— É, e se eles estão ajudando, as coisas são diferentes, a guerra civil começou e nós estamos bem no meio dela.
EM TABRIZ UM: 23:05H. Erikki Yokkonen estava nu, deitado na sauna que construíra com as próprias mãos, à temperatura de 42 graus, com o suor escorrendo pelo corpo. Sua mulher, Azadeh, estava perto dele, também embalada pelo calor. A noite fora ótima, com montes de comida e duas garrafas de melhor vodca russa, que ele comprara no mercado negro, em Tabriz, e que dividira com seus dois mecânicos ingleses e o administrador da base, Ali Dayati.
— Agora vamos fazer uma sauna — dissera, pouco antes da meia-noite. Mas eles recusaram, como sempre, mal tendo forças suficientes para se arrastarem para suas próprias cabanas. — Vamos, Azadeh!
— Esta noite não, por favor, Erikki — suplicara, mas ele apenas rira e a levantara com seus grandes braços, envolvendo-a com o casaco de peles e carregando-a através da porta da frente da cabana deles, atravessando os pinheiros cobertos de neve, sob um frio congelante. Ela era fácil de carregar, e ele entrou na pequena construção que ficava encostada nos fundos da cabana e, depois de tirar a roupa, na sauna propriamente dita. E agora estavam deitados lá, Erikki à vontade, Azadeh, mesmo depois de um ano de casamento, ainda não inteiramente habituada ao ritual de todas as noites.
Virou de lado e olhou-a. Estava deitada numa toalha grossa, no banco em frente. Tinha os olhos fechados, e ele viu seu seio subindo e descendo e toda a sua beleza — cabelos negros, feições finas e marcadas, um belo corpo e uma pele acetinada — e, como sempre, foi tomado pelo encantamento que ela lhe causava, tão pequena perto dele.
Deuses dos meus ancestrais, obrigado por me darem esta mulher, pensou. Por um instante, não pôde se lembrar em que língua estava pensando. Ele era poliglota, falava finlandês, sueco, russo e inglês. E que importância tem isso? Disse a si mesmo, voltando a sentir o calor, deixando sua mente vagar com o vapor que subia das pedras que arrumara com tanto cuidado. Causava-lhe grande satisfação o fato dele mesmo ter construído a sauna — como um homem devia fazer — rachando as toras de madeira como seus antepassados haviam feito durante séculos.
Foi a primeira coisa que fez quando o enviaram para cá, há quatro anos — escolher e derrubar as árvores. Os outros tinham pensado que era maluco. Ele meneara os ombros, com bom humor.