— Sim, Alteza — dissera Hashemi. — Como o senhor nos aconselharia a apanhá-lo?
— Interrompa a estrada nos dois lados do desvio com dois caminhões velhos, bem carregados... de lenha ou engradados de peixe... a estrada é estreita e sinuosa e cheia de buracos e tem muito tráfego, então uma emboscada deve ser fácil. Mas... mas tenham cuidado, sempre há alguns carros com membros do Tuden para protegê-lo, ele é um homem esperto e corajoso... há uma cápsula de veneno na sua lapela.
— Em qual delas?
— Não sei... Eu não sei. Ele vai pousar na altura do pôr-do-sol. Vocês não podem errar o desvio, é o único...
Abdullah Khan suspirou, pensativo. Muitas vezes ele fora apanhado pelo mesmo helicóptero para ir para a fazenda em Tbilisi. Tinha passado temporadas muito boas lá, comida abundante, mulheres jovens e atenciosas, de lábios cheios e loucas para agradar. E depois, se estivesse com sorte, Vertinskya, a bruxa, para outros divertimentos. Ele viu Ahmed observando-o.
— Eu espero que Petr escape da armadilha. Sim, seria bom que ele... que ele a tivesse. — O cansaço o dominou. — Eu vou dormir agora. Mande de volta o meu guarda e depois que eu tiver comido esta noite, reúna a minha 'devotada' família aqui e faremos conforme você sugeriu. — O seu sorriso era cínico. — É bom não ter ilusões.
— Sim, Alteza. — Ahmed levantou-se. O khan invejou-lhe a agilidade e o corpo forte.
— Espere, há mais alguma coisa. — O khan pensou um momento, um processo estranhamente cansativo. — Ah, sim, onde está o Ruivo da Faca?
— Está com Cimtarga perto da fronteira, Alteza. Cimtarga disse que eles poderiam ficar alguns dias fora. Eles partiram na terça-feira à noite.
— Terça-feira? Que dia é hoje?
— Sábado, Alteza — respondeu Ahmed, disfarçando a preocupação.
— Ah, sim, sábado. — Outra onda de cansaço. Sentia uma sensação estranha no rosto e ergueu a mão para esfregá-lo, mas achou demais o esforço. — Ahmed, descubra onde ele está. Se alguma coisa acontecer... se eu tiver um outro ataque e... bem, providencie para que eu seja levado para Teerã, para o Hospital Internacional, imediatamente. Imediatamente. Entendido?
— Sim, Alteza.
— Descubra onde ele está e... e nos próximos dias mantenha-o por perto.. domine Cimtarga. Mantenha o da faca por perto.
— Sim, Alteza.
Quando o guarda retornou ao quarto, o khan fechou os olhos e se sentiu afundando nas profundezas.
— Não há nenhum outro Deus além de Deus.. —murmurou, com muito medo.
PERTO DA FRONTEIRA AO NORTE, A LESTE DE JULFA: 18:05H. Era quase hora do pôr-do-sol e o 212 de Erikki estava sob um alpendre rude, construído apressadamente, com mais de trinta centímetros de neve no telhado por causa da tempestade da véspera, e ele sabia que muito mais tempo de exposição numa temperatura abaixo de zero arruinaria o aparelho.
— O senhor não pode me dar cobertores ou palha ou alguma coisa para manter o aparelho aquecido? — perguntara ao xeque Bayazid assim que eles voltaram de Rezaiyeh com o corpo da velha, a chefe, há dois dias. — O helicóptero precisa de calor.
— Nós não temos o suficiente nem para os vivos.
— Se ele congelar, não vai funcionar — retrucara, aborrecido pelo xeque não ter permitido que ele partisse imediatamente para Tabriz, que ficava a menos de cem quilômetros de distância, preocupadíssimo com Azadeh e imaginando o que teria acontecido com Ross e Gueng. Se ele não funcionar, como sairemos dessas montanhas?
De má vontade, o xeque ordenara ao seu povo que construísse o alpendre e lhe dera algumas peles de carneiro e cabra que ele usara onde achava que seriam mais necessárias. Logo depois do amanhecer, na véspera, ele tentara partir. Para seu total desespero, Bayazid tinha-lhe dito que ele e o 212 seriam usados para conseguir um resgate.
— O senhor pode ser paciente, capitão, e andar livremente pela aldeia com um guarda calmo, para cuidar do seu avião — dissera Bayazid secamente — ou o senhor pode ser impaciente e agressivo e então será amarrado e amordaçado como se fosse um animal selvagem. Eu não estou procurando confusão, capitão, não quero nem confusão nem discussão. Nós queremos um resgate de Abdullah Khan.
— Mas eu já disse que ele me odeia e que não vai contribuir para o meu res..
— Se ele disser que não, nós vamos procurar o resgate em outro lugar. Com a sua companhia em Teerã ou junto ao seu governo. Talvez com os seus patrões soviéticos. Enquanto isso, o senhor permanece aqui como hóspede, comendo como nós comemos, dormindo como nós dormimos, partilhando igualmente de tudo. Ou amarrado, amordaçado e com fome. Seja como for, o senhor fica até o resgate ser pago.
— Mas isto pode levar meses e..
— Insha'Allah!
Durante todo o dia anterior a metade da noite, Erikki tentara pensar numa maneira de escapar da armadilha. Eles tinham-lhe tirado a granada, mas deixaram a faca. Mas seus guardas eram atentos e constantes. Com toda aquela neve, ser-lhe-ia impossível descer até o vale com botas de pilotar e sem equipamento de inverno, e mesmo que conseguisse, estava em território hostil. Tabriz ficava a menos de trinta minutos de helicóptero, mas e a pé?
— Mais neve esta noite, capitão.
Erikki olhou em volta. Bayazid estava a um passo de distância e ele não o ouvira se aproximar
— Sim, e mais uns dias com este tempo e o meu pássaro não vai mais voar A bateria vai arriar e a maior parte dos instrumentos vai se estragar. Tenho que ligar o motor para carregar a bateria e esquentar o motor, tenho que fazer isso. Quem vai pagar um resgate para tirar um 212 enguiçado destas montanhas?
Bayazid pensou por um momento.
— Por quanto tempo o motor deve ser ligado?
— Dez minutos por dia. Isso é o mínimo.
— Está bem. Assim que estiver escuro, você pode fazer isso, todos os dias, mas primeiro me peça. Nós o ajudaremos a arrastá-lo, aliás, é ele ou ela?
Erikki franziu a testa.
— Eu não sei. Naves são sempre tratadas no feminino, e esta é uma nave do céu. — E deu de ombros.
— Muito bem. Nós o ajudaremos a arrastá-lo para fora e você pode ligá-lo e enquanto o motor estiver esquentando, haverá cinco armas apontadas a curta distância, para o caso de você ficar tentado.
Erikki riu.
— Então eu não ficarei tentado.
— Ótimo. — Bayazid sorriu. Ele era um homem bonito, apesar dos dentes estragados.
— Quando é que o senhor vai mandar um recado para o khan?
— Já mandei. Com toda esta neve, leva-se um dia para descer até a estrada, mesmo a cavalo, mas depois não leva muito tempo para chegar a Tabriz. Se o khan responder favorável e imediatamente, talvez a gente tenha uma resposta amanhã, talvez depois, dependendo da neve.
— Talvez nunca. Quanto tempo o senhor vai esperar?
— Todo o povo lá do Extremo Norte é assim tão impaciente? Erikki fechou a cara.
— Os antigos deuses ficavam muito impacientes quando ficavam presos contra a vontade, e eles nos transmitiram isso. É ruim ficar preso contra a vontade, muito ruim.
— Nós somos um povo pobre, em guerra. Precisamos aceitar o que o Único Deus nos dá. Pedir resgate é um costume antigo. — Ele sorriu levemente. — Nós aprendemos com Saladino a ser cavalheirescos com os nossos prisioneiros, ao contrário de muitos cristãos. Os cristãos não são conhecidos por seu cavalheirismo. Nós somos tra... — Seus ouvidos eram mais aguçados do que os de Erikki, bem como os seus olhos. — Olhe lá embaixo no vale!
Agora Erikki também escutou o motor. Ele levou um momento para perceber o helicóptero camuflado voando baixo e se aproximando, vindo do norte.
— Um Kajychokiv 16. Um aparelho de combate soviético... o que ele está fazendo?
— Está indo para Julfa. — O xeque cuspiu no chão. — Aqueles filhos de um cão vão e vêm à vontade.
— Costumam entrar muitos atualmente?