Lochart recordou o desespero de Scot. Todos na base ficaram muito tristes, mas as pessoas continuaram a trabalhar freneticamente, encaixotando peças, carregando os dois 212, o 206 e o Alouette para hoje, o último dia em Zagros. A única hora animada foi o jantar — um churrasco de perna de cabrito que Jean-Luc tinha cozinhado com bastante arroz e horisht.
— Grande churrasco, Jean-Luc — ele tinha dito.
— Sem alho francês e a minha habilidade, isto teria gosto de carneiro inglês, Ugh!
— O cozinheiro comprou-o na aldeia?
— Não, foi um presente. O jovem Darius, o que fala inglês, ele nos trouxe a carcaça inteira na sexta-feira, a mulher de Nitchak mandou de presente.
De repente, Lochart sentiu um gosto ruim na boca.
— A mulher dele?
— Oui. O jovem Darius disse que ela tinha caçado de manhã. Mon Dieu, eu não sabia que ela era uma caçadora, você sabia? O que foi que houve, Tom?
— Foi um presente para quem? Jean-Luc franziu a testa.
— Para mim e para a base... na verdade, Darius disse: "Isto aqui foi a senhora que mandou para a base e para agradecer a ajuda da França ao imã, que Deus o proteja." Por quê?
— Por nada. — dissera Lochart, mas mais tarde tinha levado Scot para um canto. — Você estava aqui quando Darius entregou o cabrito?
— Sim, sim, estava. Por acaso eu estava no escritório e agradeci e... — O rosto de Scot perdeu a cor. — Agora que estou pensando nisto, Darius disse quando estava saindo: "É uma sorte a senhora ter tão boa pontaria, não?" Eu acho que eu disse: sim, fantástico. Isso foi uma dica, não foi?
— Sim. Se você juntar isto ao meu lapso, e que agora, refletindo melhor, começo a achar que foi uma armadilha proposital. Eu também fui enganado, e agora Nitchak sabe que nós dois poderíamos servir de testemunhas contra a aldeia.
Na noite anterior e durante todo aquele dia, Lochart tinha ficado imaginando o que fazer, como tirar a si mesmo e a Scot de lá, e ainda não tinha achado uma solução.
Distraidamente, ele subiu no 206, esperou até Jean-Luc se afastar e decolou. Agora ele voava sobre a ravina dos Camelos Quebrados. A estrada que conduzia à aldeia ainda estava enterrada debaixo de toneladas de neve trazidas pela avalanche. Eles nunca a desobstruirão, pensou. No platô montanhoso ele podia ver rebanhos de ovelhas e cabras com seus pastores. Na frente ficava a aldeia de Yazdek. Ele a contornou. A escola era uma cicatriz na terra, preta no meio da brancura. Alguns aldeões estavam na praça e olharam para cima rapidamente e depois continuaram o que estavam fazendo. Não vou sentir pena de partir, pensou. Não depois de Jordon ter sido assassinado aqui. Zagros Três nunca mais será a mesma.
A base estava um caos, com os homens se movimentando por lá — os últimos a serem trazidos de outras plataformas e que deveriam ir para Shiraz e de lá para fora do Irã. Mecânicos exaustos xingavam enquanto continuavam a empacotar peças, empilhar caixas e bagagem para serem embarcadas para Kowiss. Antes de conseguir sair da cabine, o carro-tanque chegou com Freddy
Ayre empoleirado no capô. Na véspera, por sugestão de Starke, Lochart trouxera Ayre e outro piloto, Claus Schwartenegger, para substituírem Scot.
— Eu tomo conta dele agora, Tom — disse Ayre. — Você vai comer.
— Obrigado, Freddy. Como foram as coisas?
— Difíceis. Claus levou outro carregamento de peças para Kowiss e vai voltar a tempo de levar o último. Ao anoitecer eu vou levar o Alouette, ele está cheio até a borda e mais um pouco. Qual você quer pilotar?
— O 212. Eu vou levar Jordon. Claus pode levar o 206. Você vai para Shiraz?
— Sim. Nós ainda temos dez pessoas para levar para lá. Eu estava, ahn, pensando em levar cinco passageiros ao invés de quatro em duas viagens. Certo?
— Se eles forem pequenos, sem bagagem e desde que eu não veja. Certo? Ayre riu, com o frio realçando as suas manchas roxas.
— Eles estão tão ansiosos, acho que não estão ligando muito para bagagens. Um dos caras da plataforma Maria disse que eles ouviram tiros por perto.
— Provavelmente um dos aldeões caçando. — O fantasma da caçadora com o seu rifle possante, aliás, de qualquer um dos kash 'kai, todos atiradores experientes, o encheu de terror. Nós estamos tão desamparados, pensou, mas disfarçou. — Faça uma boa viagem, Freddy. — E foi até a cozinha e se serviu de um pouco de horisht.
— Aga — disse o cozinheiro, nervosamente, com os outros quatro ajudantes agrupados em volta dele. — Nós estamos com dois meses de salários atrasados. O que vai acontecer conosco e com o nosso salário?
— Eu já lhe disse, Ali. Nós vamos levá-los de volta a Shiraz, de onde vocês vieram. Esta tarde. Nós vamos pagar os seus salários lá e assim que eu puder, vou mandar o salário do mês de aviso prévio que estamos devendo a vocês. Vocês mantenham contato através da IranOil como sempre. Quando nós voltarmos, vocês terão os seus empregos de volta.
— Obrigado, aga. — O cozinheiro estava com eles há um ano. Ele era um homem magro, pálido, com uma úlcera de estômago. — Eu não quero mais ficar no meio destes bárbaros — disse nervosamente. — A que horas nós vamos?
— Antes do pôr-do-sol. Às quatro horas você começa a arrumar tudo e deixe tudo em ordem.
— Mas, aga, para que isso? Assim que nós partirmos os Yazdeks virão roubar tudo.
— Eu sei — disse Lochart, exausto. — Mas você vai deixar tudo em ordem e eu vou trancar a porta e talvez eles não roubem.
— Seja como Deus quiser, aga. Mas eles virão.
Lochart terminou de comer e foi para o escritório. Scot Gavallan estava lá, com o rosto abatido, o braço numa tipóia. A porta se abriu. Rod Rodrigues entrou, com olheiras negras e o rosto cansado.
— Oi, Tom, você não esqueceu, hein? — Ele perguntou ansiosamente. — Eu não estou na lista.
— Não há problema. Scot, Rod vai no HJX. Ele vai com você e Jean-Luc para Al Shargaz.
— Ótimo. Mas eu estou bem, Tom. Acho que prefiro ir para Kowiss.
— Pelo amor de Deus, você vai para Al Shargaz e não quero discussão!
Scot ficou vermelho.
— Sim, está bem, Tom. — Ele saiu. Rodrigues quebrou o silêncio.
— O que você quer que mandemos no HJX?
— Como é que eu vou saber, que diabo — Lochart parou. — Desculpe, eu estou ficando cansado. Desculpe.
— Não se preocupe, Tom. Nós todos estamos cansados. Talvez possamos mandá-lo vazio, hein?
Com muito esforço, Lochart afastou o cansaço.
— Não, coloque o motor de reserva a bordo, e quaisquer outras peças de 212 para completar a carga.
— Claro. Isso seria bom. Talvez... A porta foi aberta e Scot entrou rapidamente.
— Nitchak Khan! Olhe pela janela!
Vinte homens ou mais estavam se aproximando pelo caminho que levava à aldeia. Todos estavam armados. Outros já estavam se espalhando pela base, e Nitchak Khan estava se dirigindo ao escritório. Lochart foi até a janela dos fundos, abriu-a.
— Scot, vá até a minha cabana, afaste-se das janelas, não deixe que eles o vejam e não se mexa até eu chegar. Rápido!
Scot pulou a janela com dificuldade e saiu correndo. Lochart fechou a janela.
A porta se abriu. Lochart levantou-se.
— Salaam, calênder.
— Salaam. Estranhos foram vistos aqui perto, na floresta. Os terroristas devem ter voltado, então eu vim proteger vocês. — Os olhos de Nitchak Khan eram duros. — Seja como Deus quiser, mas eu não gostaria que houvesse mais mortes antes de vocês partirem. Nós ficaremos aqui até o pôr-do-sol. — E saiu.
— O que foi que ele disse? — perguntou Rodrigues, sem entender farsi. Lochart contou a ele e o viu estremecer.
— Não há problemas, Rod — disse, disfarçando o seu próprio medo. Não havia nenhuma chance deles decolarem ou pousarem sem voar baixo pela floresta, um alvo perfeito. Terroristas? Conversa fiada! Nitchak sabe sobre Scot e sobre mim e eu aposto que ele tem atiradores plantados em toda parte, e se ele ficar aqui até o pôr-do-sol não há nenhuma maneira de fugir, ele vai saber em que helicóptero nós estamos. Insha'Allah. Insha'Allah, mas enquanto isso, que diabo você vai fazer?