— Salaam, calênder. Que a justiça de Deus esteja com você — disse e se dirigiu à cabine de pilotagem.
— Eu não tenho controle sobre os terroristas! — E quando Lochart não parou, Nitchak gritou ainda mais alto: — Por que você impediria a entrega das mentiras, hein?
Lochart subiu para a cabine, desejando estar longe, detestando aquele lugar e aquele velho.
— Porque, diante de Deus, eu detesto mentiras.
— Diante de Deus, você impediria a entrega destas mentiras?
— Diante de Deus, eu providenciarei para que a carta seja queimada. Que a justiça de Deus esteja com você, calênder, e com Yazdek. — Ele deu partida no motor. O primeiro jato pegou. As hélices começaram a girar. Mais botões. Agora o segundo motor pegou e ele ficou observando o velho o tempo todo. Apodreça no inferno, desgraçado, pensou. Suas mãos estão manchadas com o sangue de Jordon, e de Gianni também, eu tenho certeza, embora não possa provar. Talvez o meu também.
Esperando. Agora todos os mostradores estavam no verde. Ele decolou.
Nitchak Khan observou o helicóptero balançar no ar, hesitar, depois virar lentamente e começar a subir. É tão fácil levantar a mão, pensou, e o infiel e esse monstro barulhento se transformariam numa pira funerária despencando do céu, e quanto à carta, mentiras, só mentiras.
Dois homens mortos? Todo mundo sabe que eles estão mortos por sua própria culpa. Nós os convidamos para virem aqui? Não, eles vieram para explorar a nossa terra. Se não tivessem vindo para cá, ainda estariam vivos e esperando pelo inferno que é o lugar deles.
Seus olhos não se afastaram nem por um momento das máquinas voadoras. Ainda havia muito tempo. Ele fumou devagar, apreciando imensamente o cigarro, deliciando-se com a idéia de que poderia destruir uma máquina tão poderosa com um simples gesto. Mas não o fez. Ele se lembrou do conselho da esposa e acendeu um outro cigarro na ponta do anterior e o fumou, esperando pacientemente. Em pouco tempo, o barulho odioso das máquinas diminuiu, desaparecendo rapidamente e depois, lá em cima, ele viu o menor dos aparelhos parar de circular e também se dirigir para o sul e para oeste..
Quando todos os ruídos que lembravam os infiéis tinham desaparecido, ele achou que a paz voltara novamente a Zagros.
— Incendeiem a base — disse para os outros.
Em pouco tempo as chamas estavam altas. Sem nenhuma pena, ele atirou o isqueiro no meio das chamas e, satisfeito, caminhou para casa.
SEGUNDA-FEIRA
26 de fevereiro
PERTO DA BASE AÉREA DE BANDAR DELAM: 9.16H. Debaixo de uma chuva torrencial, a caminhonete Subaru, com o símbolo da Irã-Toda na porta, corria pela estrada, com os limpadores do pára-brisas funcionando a todo o vapor, a estrada estava cheia de buracos e poças d'água, e o motorista era iraniano. Scragger estava sentado pouco a vontade ao lado dele, com o cinto de segurança amarrado e, atrás, um mecânico de rádio japonês se segurava o melhor que podia. Lá na frente, no meio do aguaceiro que caía, Scragger viu um ônibus velho atravancando quase toda a estrada e, não muito longe, o trânsito que vinha em sentido contrário.
— Minoru, diga-lhe para ir mais devagar novamente. Ele é um irresponsável.
O jovem japonês inclinou-se para a frente e falou asperamente em farsi, e o motorista balançou tranqüilamente a cabeça e não deu a menor atenção, enfiou a mão na buzina e a manteve lá enquanto desviava para o outro lado da pista, ultrapassando o ônibus, acelerando quando deveria ter freado, der-rapando, corrigindo, ao passar pelo pequeno espaço entre o ônibus e os carros que vinham na direção contrária, com os três veículos tocando freneticamente as buzinas.
Scragger tornou a praguejar. Sorrindo satisfeito, o motorista, um jovem barbudo, tirou os olhos da estrada e disse alguma coisa em farsi, caindo numa enorme poça d'água. Minoru traduziu:
— Ele está dizendo que com a ajuda de Deus nós estaremos no campo de aviação dentro de poucos minutos, capitão Scragger.
— Com a ajuda de Deus nós chegaremos lá inteiros e não aos pedaços. — Scragger tinha querido dirigir, mas não permitiram, nenhum empregado da Irã-Toda tinha permissão para dirigir.
— Nós achamos que esta era uma boa política, capitão Scragger, as estradas, as regras e os iranianos sendo como são — dissera Watanabe, o engenheiro responsável. — Mas Muhammad é um dos nossos melhores motoristas e muito confiável. Vejo-o à noite.
Para alívio de Scragger, ele viu o campo de aviação um pouco à frente. Havia Faixas Verdes guardando os portões. O motorista não prestou nenhuma atenção neles, simplesmente foi passando e parou, respingando água para todos os lados, defronte ao prédio de dois andares.
— Allah-u Akbar — disse orgulhosamente. Scragger respirou aliviado.
— Allah-u Akbar — repetiu, soltou o cinto de segurança, abrindo o guarda-chuva enquanto olhava em volta, pois era a primeira vez que ia lá. Um grande pátio de manobras e uma torre pequena, algumas janelas quebradas, outras pregadas, o prédio de dois andares em ruínas, com mais janelas quebradas, trailers da S-G, bons hangares agora fechados por causa da tempestade, com buracos de balas por toda a parte, até nas paredes dos trailers. Ele deu um assovio, lembrando-se de ter ouvido falar na luta que tinha havido ali entre os Faixas Verdes e os mujhadins. Deve ter sido bem pior do que Duke contou, ele pensou.
Dois jatos de passageiros da Royal Iran Air estavam estacionados displicentemente — o 'Royal' riscado grosseiramente com tinta preta — os pneus arriados, as janelas da cabine de pilotos quebradas e apodrecendo lá.
— Que sacrilégio — murmurou, ao ver a chuva entrar dentro da cabine.
— Minoru, meu filho, diga a Muhammad para não mover um músculo até estarmos prontos para partir, certo?
Minoru obedeceu, depois saiu para a chuva atrás de Scragger. Scragger ficou em pé ao lado do carro, sem saber para onde ir. Então a porta de um dos trailers se abriu.
— Mein Gott, Scrag! Eu achei que era você. Que diabo você está fazendo aqui? — era Rudi Lutz, sorrindo satisfeito. Então ele viu Starke juntar-se a Rudi e seu coração bateu mais rápido.
— Oi, meus filhos! — e trocou um caloroso aperto de mão com cada um deles, todos três falando ao mesmo tempo. — Bem, Duke, é uma surpresa agradável.
— Que diabo você está fazendo aqui, Scrag?
— Uma coisa de cada vez, meu filho. Este aqui é Minoru Fuyama, técnico de rádio da Irã-Toda. O meu UHF pintou o sete na viagem. Eu estou vindo de Lengeh. Minoru retirou o aparelho e ele está no carro, você pode substituí-lo?
— Não há problema. Venha, sr. Fuyama. — Rudi foi até o outro trailer para procurar Fowler Joines e tomar as providências.
— Estou um bocado contente em vê-lo, Scrag. Tenho muito o que conversar com você — disse Starke.
— A respeito de questões climáticas e turbilhões?
— Sim, sim. Eu diria que o clima não sai da minha cabeça. — Starke estava envelhecido, seus olhos percorreram a base, a tempestade parecia pior do que antes e o dia quente e úmido.
— Eu vi Manuela em Al Shargaz, ela está a mesma de sempre, linda, ansiosa, mas bem.
Rudi voltou, chapinhando na água e levou-os para o trailler-escritório.
— Você não vai poder voar com esse tempo, Scrag. Quer uma cerveja?
— Não obrigado, meu chapa, mas adoraria uma xícara de café. — Scragger respondeu automaticamente embora o seu desejo por uma cerveja gelada fosse imenso. Mas desde o seu primeiro exame médico com o dr. Nutt, logo depois dele ter vendido a Sheik Aviation para Gavallan, quando o dr. Nutt tinha dito: "Scrag, a menos que você deixe de fumar e diminua a cerveja, não poderá mais pilotar dentro de uns dois anos", ele tinha sido supercuidadoso. É isso mesmo, pensou. Nada de cigarros, nem de bebida, nem de comida, e um monte de garotas.