A fita terminou. Era dos Carpenters, lenta, romântica. Ele a virou e o outro lado era melhor ainda. Será que eu vou ter coragem? Ela perguntou a si mesma sonhadoramente, sentindo a força dos olhos dele. Por uma fresta da cortina ela podia ver que o céu estava escurecendo.
— Está quase na hora de ir — disse sem se mover, com um tremor na voz.
— Jari pode esperar — ele disse ternamente. Jari, sua empregada, sabia das visitas secretas. — É melhor que ninguém saiba — ele tinha dito no segundo dia —, nem mesmo ela.
— Ela tem que saber, Ibrahim, ou eu nunca poderei sair sozinha, nunca poderei vê-lo. Eu não tenho nada a esconder, mas sou casada e é... — Não foi preciso dizer 'perigoso'. Todos os momentos que eles passavam a sós significavam perigo.
Então ele concordara e pedira ao destino que a protegesse, como fez agora.
— Jari pode esperar.
— Sim, pode, mas primeiro temos que fazer algumas compras e o meu querido irmão Meshang não... esta noite eu tenho que jantar com ele e Zarah.
Ibrahim ficou assustado.
— O que é que ele quer? Ele não desconfia de você?
— Oh, não, é só um jantar de família, só isso. — Langorosamente, ela o olhou. — E quanto ao seu negócio em Kowiss? Você vai esperar mais um dia ou vai amanhã?
— Não é urgente — ele disse despreocupadamente. Ele tinha adiado várias vezes embora o seu supervisor do Tudeh tivesse dito que cada dia a mais que ele ficava em Teerã aumentava o perigo:
— Você já esqueceu o que aconteceu com o camarada Yazernov? Nós soubemos que o serviço secreto estava envolvido! Eles devem ter visto você entrando no prédio com ele, ou saindo de lá.
— Eu tirei a barba, não voltei mais para casa e estou evitando a universidade. Aliás, camarada, é melhor que não nos encontremos por um dia ou dois, eu acho que estou sendo seguido. — Ele sorriu consigo mesmo, lembrando-se da rapidez com que o outro homem, um velho partidário do Tudeh, tinha desaparecido ao dobrar uma esquina.
— Por que o sorriso, meu querido?
— Por nada. Eu te amo, Xarazade — ele disse com simplicidade e acariciou-lhe o seio enquanto a beijava.
Ela devolveu o beijo, mas não completamente. A paixão dele cresceu, bem como a dela, embora ela tentasse controlar-se, com a mão dele acariciando-a, deixando fogo no seu rastro.
— Eu te amo, Xarazade... ame-me.
Ela não queria afastar-se do calor, nem das suas mãos, nem da pressão dos seus membros, nem do tumulto do seu coração. Mas o fez.
— Agora não, meu querido — ela murmurou e recuperou o fôlego e então, quando o seu coração se acalmou um pouco, ela olhou para ele, buscando os seus olhos. Ela viu decepção, mas não raiva. — Eu... eu não estou preparada, não para o amor, agora não...
— O amor acontece. Eu amei você desde o primeiro momento. Você está segura, Xarazade, o seu amor estará seguro comigo.
— Eu sei, oh, sim, eu sei disso. Eu... — Ela franziu a testa, sem entender a si mesma, só que agora era errado. — Eu tenho que estar certa do que estou fazendo. E agora eu não estou.
Ele lutou consigo mesmo, então inclinou-se e beijou-a, sem forçar o beijo — confiante de que em breve eles se tornariam amantes. Amanhã. Ou depois.
— Você é ajuizada como sempre — disse. — Amanhã nós teremos o apartamento só para nós. Eu prometo. Vamos nos encontrar como sempre, tomar café no lugar de sempre. — Ele se levantou e ajudou-a a levantar-se. Ela o abraçou e agradeceu e o beijou e ele abriu a porta da frente. Silenciosamente, ela vestiu o chador, jogou-lhe mais um beijo e saiu, deixando um rastro de perfume. Então isso também desapareceu.
Depois de trancar a porta, ele voltou e calçou os sapatos, ainda sentido. Pensativamente, apanhou o seu M16 que estava num canto da sala, checou o mecanismo e a munição. Longe do feitiço dela, ele não tinha nenhuma ilusão a respeito do perigo ou das realidades da sua vida — e de que breve morreria. A sua excitação aumentou.
Morte, pensou. Martírio. Dar a minha vida por uma causa justa, aceitar livremente a morte, desejando-a. Oh, eu o farei. Eu não posso liderar um exército como o Senhor dos Martírios, mas posso revoltar-me contra os satanistas que se autodenominam mulás e me vingar deles no mulá Hussein de Kowiss por ter assassinado o meu pai em nome de falsos deuses e por ter profanado a Revolução do Povo!
Ele sentiu o seu êxtase aumentar. Como o outro. Mais forte do que o outro.
Eu a amo com toda a minha alma, mas deveria ir amanhã. Não preciso de um grupo comigo, sozinho seria mais seguro. Eu posso pegar um ônibus facilmente. Eu deveria ir amanhã. Deveria, mas não posso, não posso, ainda não. Depois que fizermos amor..
AEROPORTO DE AL SHARGAZ: 18:17H. A quase mil e trezentos quilômetros de distância para sudeste, do outro lado do golfo, no heliporto, Gavallan estava vendo o 212 se preparando para pousar. A tarde estava agradável, o sol desaparecia no horizonte. Agora ele podia ver Jean-Luc nos controles com um dos pilotos ao lado dele, não Scot, como ele tinha esperado no primeiro momento. Sua ansiedade aumentou. Ele acenou e então, quando as pás pousaram no solo, ele se dirigiu impaciente para a porta da cabine. Esta foi aberta. Ele viu Scot soltando o cinto com uma das mãos, o outro braço numa tipóia, o rosto pálido e tenso, mas inteiro.
— Oh, meu filho — disse, com o coração batendo aliviado, querendo correr e abraçá-lo mas se controlando e esperando até que Scot tivesse descido os degraus e estivesse ali na pista ao lado dele.
— Oh, rapaz, eu estava tão preocupado...
— Não precisava, papai, eu estou bem, muito bem. — Scot abraçou o seu pai com o braço bom, um contato tão necessário para os dois, esquecidos dos outros. — Cristo, estou muito contente em vê-lo. Eu pensei que você fosse esperado em Londres hoje.
— E sou esperado. Estou de partida daqui a uma hora. — Agora eu estou, estava pensando Gavallan, agora que você está aqui são e salvo. — Estarei lá assim que puder. — E limpou uma lágrima, fingindo que era poeira, e apontou para um carro parado ali perto. Genny estava na direção. — Não quero ser exagerado, Scot, mas Genny vai levá-lo ao hospital agora mesmo, só para tirar uma radiografia, está tudo providenciado. Sem estardalhaço, eu prometo. Há um quarto reservado para você ao lado do meu no hotel. Está bem?
— Está bem, papai. Eu, ahn, eu... estou precisando de uma aspirina. Confesso que estou me sentindo pessimamente. A viagem foi um bocado acidentada. Eu, ahn, você já está de partida? Quando é que você volta?
— Assim que puder. Dentro de um ou dois dias. Ligo para você amanhã, está bem?
— Scot hesitou, com o rosto se contraindo.
— Você poderia... você poderia vir comigo. Eu posso contar-lhe a respeito de Zagros, você teria tempo?
— É claro. Foi muito ruim?
— Sim e não. Nós todos escapamos, exceto Jordon, mas ele foi morto por minha causa, papai, ele foi... — Os olhos de Scot encheram-se de lágrimas embora sua voz permanecesse firme e controlada. — Não posso fazer nada sobre isso... nada. — Ele enxugou as lágrimas e resmungou um palavrão e se abraçou ao pai com a mão boa. — Não posso fazer nada... não sei como...
— A culpa não foi sua, Scot — disse Gavallan, arrasado com o desespero do filho, assustado por ele. — Vamos embora... — E gritou para Jean-Luc: — Vou levar Scot para tirar uma radiografia, voltarei logo.
TEERÃ — NO APARTAMENTO DE McIVER: 18:35H. Charlie Pettikin e Paula estavam sentados à mesa, à luz de velas, brindando com taças de vinho junto com Sayada Bertolin. Havia uma grande garrafa de Chianti aberta, travessas com dois grandes salames, um parcialmente comido, uma enorme fatia de queijo dolce latíe ainda intacto e duas bagueítes francesas que Sayada trouxera do Clube Francês, uma já no fim.