— Como foi que ele conseguiu?
— Não faço a menor idéia! Eu me lembro dele como um desses que acham que sabem tudo e riem do Livro. Esperto? Uma ova! Esses filhos da mãe não valem os problemas que causam. — O homem mais alto trabalhava duro e sem parar. Quando se cansava, o outro o substituía.
Em pouco tempo, o túmulo estava tapado. O homem alisou a terra, ofegante.
— Se esse cretino se deixou apanhar, então por que estamos tendo todo esse trabalho?
— Quando o corpo não pode ser repatriado, o camarada tem direito a um enterro decente, está no Livro. Este é um cemitério russo, não é?
— Claro que sim, mas eu é que não queria ser enterrado aqui. — O homem limpou a terra das mãos, depois virou-se e urinou no túmulo mais próximo.
O homem mais alto estava apanhando uma lápide.
— Me ajuda aqui. — Juntos, eles levantaram a lápide e a colocaram sobre o túmulo que tinham acabado de encher.
Por que o desgraçado teve que morrer, pensou, amaldiçoando-o. A culpa não foi minha. Ele devia ter agüentado a dose. Malditos médicos! Eles deveriam saber! Nós não tivemos escolha, o filho da mãe estava afundando de qualquer maneira e havia muitas perguntas a serem respondidas, como o que havia de tão importante com relação a ele para que o maldito filho da mãe do Hashemi Fazir se encarregasse pessoalmente de interrogá-lo, junto com aquele filho da puta do Armstrong. Aqueles dois profissionais importantes não perdem tempo com arraia miúda. E por que foi que Yazernov disse "Fedor..." pouco antes de morrer? Qual o significado disso?
— Vamos embora — disse o outro homem. — Este lugar é horrível e fede, fede mais do que o normal. — Ele pegou a pá e saiu andando na escuridão.
Neste momento a inscrição da lápide atraiu a atenção do motorista, mas estava escuro demais para ler. Ele acendeu a lanterna um instante. A inscrição dizia: "Conde Alexi Pokenov, Plenipotenciário do xá Nasiru'd Din, 1830-1862."
Yazernov ia gostar disto, ele pensou, sorrindo cinicamente.
NA CASA DOS BAKRAVAN, PERTO DO BAZAR: 19:15H. A porta da rua foi aberta.
— Salaam, Alteza. — O empregado observou Xarazade entrar para o pátio alegremente, seguida de Jari e tirar o chador, e agora ela estava sacudindo os cabelos e afofando-os com os dedos. — O... o seu marido está de volta, Alteza; ele voltou logo depois do pôr-do-sol.
Por um instante, Xarazade ficou imóvel sob a luz das lamparinas a óleo que piscavam no pátio coberto de neve.
Então está acabado, ela estava pensando. Acabou antes de começar. Quase começou hoje, eu estava pronta e no entanto não... e agora, agora estou a salvo do... do meu desejo — era desejo ou amor, será que era isso que eu estava tentando decidir? Eu não sei, não sei, mas amanhã... amanhã eu o verei uma última vez, tenho que vê-lo mais uma vez, só mais uma vez... só para dizer adeus.
Seus olhos se encheram de lágrimas e ela correu para dentro de casa, atravessou os salões, subiu as escadas, entrou no seu quarto e caiu nos braços dele.
— Oh, Tommyyyy, você esteve tanto tempo longe!
— Oh, eu senti tantas saudades suas, onde você... Não chore, minha querida, não há motivo para chorar...
Seus braços estavam em volta dela e ela sentiu o cheiro familiar de gasolina e óleo que vinha das suas roupas de piloto, penduradas no cabide. Ela viu a seriedade dele. O HBC surgiu na sua mente, mas ela o afastou e, sem dar-lhe um segundo, ficou na ponta dos pés, beijou-o e disse rapidamente:
— Tenho novidades maravilhosas, estou grávida, oh, sim, é verdade, eu estive no médico e amanhã vou apanhar o resultado do teste, mas eu sei — O seu sorriso era alegre e franco. — Oh, Tommy — ela continuou na mesma velocidade, sentindo o seu abraço cada vez mais apertado —, você quer se casar comigo, por favor, por favor?
— Mas nós somos casad...
— Diga que sim, oh, por favor, diga que sim! — ela levantou os olhos e viu que ele ainda estava pálido e sorrindo muito pouco, mas isso já era o suficiente naquele momento e ela o ouviu dizer:
— É claro que eu me caso com você.
— Não, diga direito: "Eu me caso com você, Xarazade Bakravan. Eu me caso com você, eu me caso com você" — então ela o ouviu repetir e isso tornou tudo perfeito.
— Perfeito — ela exclamou e abraçou-o, depois se afastou dele e correu para o espelho para ajeitar a maquilagem. E viu o rosto de Lochart no espelho, tão severo, inquieto. — O que foi?
— Você tem certeza sobre a criança?
— Oh, eu tenho certeza — ela riu —, mas o médico precisa de provas, maridos precisam de provas. Não é maravilhoso?
— Sim, sim, é. — Ele pôs as mãos nos ombros dela. — Eu te amo! Na cabeça dela, ela ouviu o outro 'eu te amo' que tinha sido dito com tanta paixão e desejo e pensou como era estranho que embora o amor do seu marido fosse uma coisa certa e provada, o de Ibrahim não era — e no entanto o de Ibrahim era sem reservas enquanto que, mesmo depois das notícias maravilhosas, o seu marido estava de testa franzida.
— Já se passou um ano e um dia, Tommy, um ano e um dia que você quis — ela disse docemente e se levantou da penteadeira, pôs as mãos em volta do pescoço dele, sorrindo para ele, sabendo que precisava ajudá-lo: "Os estrangeiros não são como nós, princesa" Jari tinha dito "suas reações são diferentes, sua educação é diferente, mas não se preocupe, seja tão encantadora como sempre e ele será como argila nas suas mãos..."
Tommy vai ser o melhor pai do mundo, ela prometeu a si mesma, imensamente feliz por não ter cedido naquela tarde por ter contado a sua novidade, e agora eles viveriam felizes para sempre.
— Nós vamos, Tommy, não vamos?
— O quê?
— Viver felizes para sempre?
Por um instante a alegria dela sufocou a sua tristeza por causa de Karim Peshadi, do que fazer e como fazer. Ele a ergueu nos braços e se sentou na poltrona, embalando-a.
— Oh, sim. Oh, sim. Nós vamos ser felizes. Há tanto o que conversar — eles foram interrompidos por Jari batendo na porta.
— Entre Jari.
— Por favor, desculpe-me, Excelência, mas Sua Excelência Meshang e Sua Alteza chegaram e estão esperando para ter o prazer de vê-los quando for conveniente.
— Diga a Sua Excelência que estaremos lá assim que tivermos acabado de trocar de roupa. — Lochart não notou o alívio de Jari quando Xarazade balançou afirmativamente a cabeça e riu para ela.
— Vou preparar o seu banho, Alteza — disse Jari e entrou no banheiro. — Não é maravilhoso, Excelência? Oh, meus parabéns, Excelência, meus parabéns...
— Obrigado, Jari — Lochart disse distraidamente, pensando na criança e em Xarazade, cheio de preocupação e felicidade. Tudo está tão complicado agora, tão difícil.
— Difícil não — Meshang disse depois do jantar.
A conversa tinha sido chata, com Meshang dominando-a como sempre fazia, agora que era o chefe da casa. Xarazade e Zarah quase não falaram, Lochart falou muito pouco — não havia sentido em mencionar Zagros, uma vez que Meshang nunca tinha se interessado pelas suas opiniões nem pelo que ele fazia. Por duas vezes ele esteve a ponto de contar-lhes sobre Karim — não há razão para contar-lhes ainda, tinha pensado, escondendo o seu desespero, Por que eu vou ser mensageiro de más notícias?
— Você não está achando a vida difícil em Teerã hoje em dia? — perguntou. Meshang estava se queixando dos novos regulamentos implantados no bazar.
— A vida sempre foi difícil — disse Meshang —, mas quando se é iraniano, quando se é um lojista experiente, com cautela e compreensão, com trabalho e lógica, até o Komiteh Revolucionário pode ser dobrado. Nós sempre dobramos os cobradores de impostos, os xás, comissários e os paxás ianques e ingleses.
— Estou contente em saber disto, muito contente.
— E eu estou muito contente por você estar de volta, eu estava querendo falar com você — disse Meshang. — Minha irmã já lhe contou sobre a criança?