— Sim, já. Não é maravilhoso?
— Sim, é. Deus seja louvado. Quais são os seus planos?
— O que você quer dizer?
— Onde vocês vão viver? Como é que você vai pagar por tudo agora? O silêncio foi longo.
— Nós vamos dar um jeito — Lochart começou. — Eu preten...
— Não sei como você vai conseguir, logicamente falando. Eu estive vendo as contas do ano passado e... — Meshang parou quando Zarah se levantou.
— Não acho que esta seja uma boa hora para falar em contas — ela disse, com o rosto branco, e o de Xarazade também.
— Bem, eu acho que é — Meshang disse asperamente. — Como é que a minha irmã vai sobreviver? Sente-se, Zarah, e ouça! Sente-se! E, daqui para a frente, quando eu disser que você não vai a uma marcha de protesto ou a qualquer outro lugar, você vai obedecer ou eu lhe dou uma surra! Sente-se — Zarah obedeceu, chocada com a violência e a brutalidade dele. Xarazade estava sem ação, o seu mundo estava ruindo. Ela viu o seu irmão virar-se para Lochart.
— Agora, capitão, as suas contas do ano passado, as contas pagas por meu pai, sem falar nas que estão atrasadas e ainda não foram pagas, são substancialmente maiores do que o seu salário. Não é verdade?
O rosto de Xarazade estava ardendo de vergonha e de raiva e antes que Lochart pudesse responder, ela disse rapidamente, na sua voz mais melosa:
— Meshang querido, você tem toda a razão em se preocupar conosco, mas o apart...
— Por favor, fique quieta! Eu tenho que perguntar ao seu marido, não a você, isto é problema dele, não seu. Bem, capitão...
— Mas Meshang querido...
— Fique quieta! Bem, capitão, é ou não é verdade?
— Sim, é verdade — Lochart respondeu, procurando desesperadamente uma maneira de sair do abismo. — Mas você deve se lembrar de que Sua Excelência me deu o apartamento, de fato todo o prédio, e os outros aluguéis pagavam as contas e o resto era para a mesada de Xarazade, e sou eternamente grato por isso. Quanto ao futuro, eu tomarei conta de Xarazade, é claro que sim.
— Com o quê? Eu li o seu processo de divórcio e está claro que com o que você paga à sua ex-mulher e aos seus filhos, há muito pouca chance de manter a minha irmã longe da miséria.
Lochart ficou engasgado de raiva. Xarazade se mexeu na cadeira e Lochart viu o seu medo e dominou o impulso de dar um soco em Meshang.
— Está tudo bem, Xarazade. O seu irmão tem o direito de perguntar. É justo, ele tem este direito. — Ele viu o ar convencido do outro e percebeu que a guerra estava declarada. — Nós vamos dar um jeito, Meshang. O nosso apartamento não vai ficar confiscado para sempre, ou então podemos arranjar outro. Nós vamos...
— Não há nem apartamento nem edifício. Ele pegou fogo no sábado. Está tudo destruído.
Eles o olharam estatelados, e a mais chocada foi Xarazade.
— Oh, Meshang, você tem certeza? Por que não me contou? Por...
— Será que você tem tantas propriedades assim que não as verifique de vez em quando? Está tudo destruído.
— Oh, Cristo! — Lochart murmurou.
— É melhor você não blasfemar — disse Meshang, achando difícil não demonstrar a sua satisfação. — Então não há nem apartamento nem edifício nem nada. Insha'Allah. E agora, como você pretende pagar as suas contas?
— Seguro! — Lochart exclamou. — Deve haver um segu...
Uma gargalhada o interrompeu, Xarazade derrubou um copo d'água e ninguém reparou.
— Você acha que o seguro será pago? — Meshang riu ironicamente. — Agora? Mesmo que haja seguro? Você perdeu o juízo, não há nenhum seguro, nunca houve. Então, capitão: muitas dívidas, nenhum dinheiro, nenhum capital, nenhum prédio. Não que ele fosse legalmente seu, era apenas uma saída honrosa que meu pai tinha arranjado para lhe dar meios de cuidar de Xarazade. — Ele apanhou um pedaço de halvah e enfiou na boca. — Então, o que você propõe?
— Eu vou dar um jeito.
— Como?, diga-me por favor. E Xarazade, é claro, tem o direito, o direito legal, de saber. Como?
— Eu tenho jóias, Tommy, posso vendê-las — murmurou Xarazade. Cruelmente, Meshang deixou que estas palavras ficassem soando no ar, encantado de ver Lochart encurralado, humilhado, sem nada. Infiel imundo! Se não fosse pelos Locharts do mundo, os estrangeiros gananciosos, exploradores do Irã, nós estaríamos livres de Khomeini e seus mulás, meu pai ainda estaria vivo, Xarazade estaria bem casada.
— E então?
— O que você sugere? — disse Lochart, sem escapatória.
— O que você sugere?
— Não sei.
— Enquanto isso, você não tem casa, deve bastante dinheiro e em breve estará desempregado. Eu duvido que a sua companhia vá ter licença para operar aqui por muito tempo mais; com toda a razão, as companhias estrangeiras são persona non grata. — Meshang estava encantado por ter-se lembrado da expressão latina. — Não são mais nem desejadas nem necessárias.
— Caso isso aconteça, eu vou me demitir e me oferecer para pilotar helicópteros em companhias iranianas. Eles vão precisar de pilotos imediatamente. Eu sei falar farsi, sou um piloto e um instrutor experiente. Khomeini... o imã quer que a produção de petróleo seja normalizada imediatamente, então é claro que eles vão precisar de pilotos treinados.
Meshang riu consigo mesmo. Na véspera, o ministro Ali Kia tinha ido ao bazar, devidamente humilde e ansioso por agradar, levando um pishkesh diferente — a sua "taxa de consultoria" não estava para ser renovada? — e tinha contado a ele os seus planos de adquirir todos os aviões das sociedades mistas e congelar todas as contas bancárias.
— Nós não teremos dificuldade em conseguir todos os mercenários que precisamos para pilotar os nossos helicópteros, Excelência Meshang — Kia tinha dito. — Eles virão em bandos pela metade dos salários normais.
Sim, eles virão, mas não você, marido temporário da minha irmã, nem mesmo por um décimo do salário.
— Eu sugiro que você seja mais prático. — Meshang examinou as suas unhas bem tratadas, que esta tarde tinham acariciado a garota de 14 anos que Ali Kia lhe oferecera. "A primeira de muitas, Excelência!" Linda circassiana de pele clara, o casamento temporário daquela tarde que ele estenderia por toda a semana, com muita facilidade. — Os governantes atuais do Irã são xenófobos, particularmente com respeito a americanos.
— Eu sou canadense.
— Duvido que isso importe. É lógico presumir que você não terá permissão para ficar. — Ele olhou severamente para Xarazade. — Nem para voltar.
— Suposições — Lochart disse entredentes, vendo a expressão do rosto dela.
— Capitão, a caridade do meu falecido pai não pode mais ser mantida. Os tempos estão difíceis. Eu quero saber como o senhor pretende sustentar a minha irmã e o seu filho, onde o senhor pretende viver e como.
Lochart levantou-se repentinamente, surpreendendo todo mundo.
— O senhor expôs o seu caso muito claramente, Excelência Meshang. Terá a sua resposta amanhã.
— Eu quero uma resposta agora. Lochart fechou ainda mais a cara.
— Primeiro eu vou conversar com a minha mulher e amanhã eu conversarei com o senhor. Vamos, Xarazade. — E se retirou. Com o rosto banhado de lágrimas, ela saiu atrás dele e fechou a porta.
Meshang sorriu sardonicamente, apanhou outro doce e começou a comê-lo.
Zarah suspirou, enraivecida.
— Em nome de Deus, o que...
Ele se levantou e deu-lhe uma bofetada.
— Cale a boca! — gritou. Não era a primeira vez que ele batia nela, mas nunca com tanta violência. — Cale a boca ou eu me divorciarei de você! Eu me divorciarei de você, está ouvindo? Eu vou tomar uma outra esposa de qualquer maneira, alguém jovem, não uma velha chata e seca como você. Você não compreende que Xarazade está correndo perigo, que nós todos estamos correndo perigo por causa desse homem? Vá pedir perdão a Deus pelos seus péssimos modos! Saia! — Ela saiu correndo. Ele atirou um copo atrás dela.