NOS SUBÚRBIOS AO NORTE: 21:14H. Azadeh guiava velozmente o carro pequeno e muito amassado pela rua ladeada de belas casas e edifícios — quase todos às escuras, alguns destruídos. Estava com os faróis altos, ofuscando os carros que vinham em sentido contrário, com a mão enfiada na buzina.
Ela freou, derrapou ao ultrapassar perigosamente alguns carros, evitando por pouco um acidente, e entrou na garagem de um dos edifícios com os pneus cantando.
A garagem estava às escuras. Ela tinha uma lanterna no bolso, acendeu-a, saltou e trancou o carro. O seu casaco era bem contado e quente, estava usando saia, botas, luvas de lã e chapéu, tinha os cabelos soltos. Do outro lado da garagem havia uma escada e um interruptor. Quando ela o experimentou, a lâmpada mais próxima acendeu e apagou. Ela subiu as escadas devagar. Havia quatro apartamentos em cada andar. O apartamento que seu pai tinha emprestado a ela e a Erikki ficava no terceiro andar em frente à rua. Hoje era segunda-feira. Ela estava lá desde sábado.
— Não é perigoso, Mac — ela dissera ao anunciar que ia para lá e ele tentara convencê-la a ficar no apartamento dele — mas se meu pai me quiser de volta em Tabriz, o fato de estar aqui na sua casa não vai me ajudar nem um pouco. No apartamento eu tenho um telefone, só estarei a um quilômetro de distância daqui e posso vir a pé facilmente. Lá eu tenho roupas e uma empregada. Eu vou dar notícias todos os dias, irei para o escritório e ficarei esperando. É só o que posso fazer.
Ela não dissera que preferia ficar longe dele e de Charlie Pettikin. Eu gosto muito deles, pensou, mas eles são um tanto velhos e pedantes, nada parecidos com Erikki, nem com Johnny. Ah, Johnny, o que vou fazer a seu respeito? Será que terei coragem de tornar a vê-lo?
O terceiro andar estava escuro mas ela tinha a lanterna e encontrou a chave, enfiou-a na fechadura, sentiu que alguém a olhava e se virou, assustada. O vagabundo sujo e barbado estava com as calças abertas e sacudiu o pênis duro para ela.
— Estava esperando por você, princesa de todas as prostitutas, e que Deus me castigue se ele não estiver pronto para você, de frente, de costas ou de lado... — Ele se aproximou dizendo obscenidades e ela recuou em direção à porta, aterrorizada, agarrou a chave, virou-a na fechadura e abriu a porta.
O doberman estava lá. O homem estacou. O cachorro rosnou ameaçadoramente e em seguida atacou. Em pânico, o homem gritou e tentou afastar o cachorro, depois saiu correndo pelas escadas, com o cachorro latindo e rosnando, mordendo as suas pernas, rasgando as suas roupas, e Azadeh gritou:
— Mostre-me agora!
— Oh, Alteza, eu não ouvi a senhora bater, o que está havendo? — falou o velho empregado, saindo apressadamente da cozinha.
Zangada, ela enxugou o suor do rosto e contou a ele.
— Que Deus o amaldiçoe, Ali, eu já lhe disse vinte vezes para me esperar lá embaixo com o cachorro. Eu venho na hora, venho sempre na hora. Você não raciocina?
O velho se desculpou, mas uma voz grossa atrás dele o interrompeu.
— Vá buscar o cachorro! — Ela se virou. Seu estômago contraiu-se.
— Boa noite, Alteza. — Era Ahmed Dursak, alto, barbado, assustador, em pé na porta da sala. Insha'Allah, ela pensou. A espera terminou e agora começa tudo de novo.
— Boa noite, Ahmed.
— Alteza, perdoe-me, eu não imaginava que o povo de Teerã fosse assim, senão eu mesmo a teria esperado lá embaixo. Ali, o cão!
Amedrontado e ainda murmurando desculpas, o criado desceu as escadas. Ahmed fechou a porta e observou Azadeh tirar as botas e enfiar os pés em sandálias turcas. Ela passou por ele e entrou na sala confortável, mobiliada à moda ocidental e sentou-se, com o coração batendo. Havia um fogo crepitando na lareira. O chão estava coberto de tapetes valiosos e havia outros pendurados nas paredes. Ao lado dela havia uma mesinha. Na mesinha estava o kookri que Ross tinha deixado.
— Você tem notícias do meu pai e do meu marido?
— Sua Alteza, o khan, está muito doente, muito doente e...
— Que doença? — perguntou Azadeh, realmente preocupada.
— Um ataque cardíaco.
— Que Deus o proteja. Quando foi que aconteceu?
— Na última quinta-feira. — Ele leu o seu pensamento. — Foi no dia em que você e... e o Sabotador foram para a aldeia de Abu Mard, não foi?
— Acho que sim. Os últimos dias foram muito confusos — ela disse friamente. — Como está o meu pai?
— O ataque de quinta-feira foi brando, graças a Deus. Pouco antes da meia-noite de sábado ele teve outro. Muito pior. — Ele observou-a.
— Qual a gravidade? Por favor, não brinque comigo! Conte-me tudo de uma vez.
— Ah, sinto muito, Alteza, não tive a intenção de brincar. — Ele manteve a voz educada e os olhos longe das pernas dela, admirando o seu fogo e o seu orgulho e desejando muito brincar com ela. — O médico disse que foi um ataque e agora o lado esquerdo de Sua Alteza está parcialmente paralisado; ele ainda pode falar com alguma dificuldade, mas sua mente está lúcida como sempre. O médico disse que ele se recuperaria muito mais depressa em Teerã, mas a viagem ainda não é possível.
— Ele vai se recuperar? — ela perguntou.
— Eu não sei, Alteza. Seja como Deus quiser. Para mim, ele parece muito doente. O médico, eu não o acho grande coisa, tudo o que ele disse foi que as chances de Sua Alteza seriam melhores se ele estivesse aqui em Teerã,
— Então traga-o para cá o mais depressa possível.
— Eu trarei, Alteza, não se preocupe. Mas tenho uma mensagem para a senhora. O khan, seu pai, disse: "Eu quero vê-la, imediatamente. Não sei quanto tempo vou viver, mas certas providências precisam ser tomadas e confirmadas. O seu irmão está aqui comigo e..."
— Que Deus o proteja — exclamou Azadeh. — O meu pai fez as pazes com Hakim?
— Sua Alteza fez dele o seu herdeiro. Mas...
— Oh, isso é maravilhoso, maravilhoso, Deus seja louvado! Mas...
— Por favor, seja paciente e deixe-me terminar a mensagem: "O seu irmão Hakim está aqui comigo e eu o tornei meu herdeiro, sujeito a certas condições, de sua parte e da dele." — Ahmed hesitou e Azadeh teve vontade de se intrometer, de mostrar a sua alegria, esquecendo a cautela. O seu orgulho a impediu. — "É necessário, portanto, que você volte imediatamente com Ahmed." Este é o fim da mensagem, Alteza.
A porta da frente se abriu. Ali tornou a trancá-la e soltou o cachorro. Imediatamente, este correu para a sala e pôs a cabeça no colo de Azadeh.
— Muito bem, Reza — ela disse afagando-o, agradecendo a oportunidade de recuperar o controle. — Sente-se. Ande, sente-se! — O cachorro obedeceu alegremente, depois deitou-se aos pés dela, observando a porta e vigiando Ahmed que estava em pé perto do outro sofá. Distraidamente, sua mão brincava com o cabo do kookri, sentindo-se tranqüilizada pelo seu toque. Ahmed estava consciente disto e de suas implicações. — Diante de Deus, você me disse a verdade?
— Sim, Alteza, diante de Deus.
— Então iremos imediatamente. — Ela se levantou. — Você veio de carro?
— Sim, Alteza. Eu trouxe a limusine e o motorista. Mas há mais algumas notícias... boas e más. Sua Alteza recebeu um pedido de resgate. Sua Excelência, o seu marido, está nos mãos de bandidos, homens das tribos... — Ela tentou manter a compostura, com os joelhos subitamente fracos. — ...em algum lugar perto da fronteira soviética. Tanto ele quanto o helicóptero. Parece que estes... estes bandidos dizem ser curdos, mas o khan duvida. Eles surpreenderam o soviético Cimtarga e seus homens e mataram todos eles, capturando Sua Excelência e o helicóptero, segundo eles na quinta-feira cedo. Depois eles voaram para Rezaieh, onde ele foi visto e pareceu estar bem antes de tornar a partir.
— Graças a Deus — foi tudo o que o seu orgulho permitiu-lhe dizer. — Estão pedindo um resgate pelo meu marido?