— Você não me deve nada — Kasigi sorriu consigo mesmo. — Ontem, na reunião do komiteh, aquele homem, Zataki, perguntou em quanto tempo nós estaríamos operando com a nossa frota completa de helicópteros. Eu prometi uma ação imediata. Como você sabe, a Guerney não trabalha mais para nós. O que eu queria eram três dos seus 212 e dois 206 para os próximos três meses, com um contrato de um ano para ser negociado depois, dependendo das nossas necessidades, renovável anualmente. Isso seria possível?
Scragger hesitou, sem saber o que responder. Normalmente, uma oferta dessas faria os sinos tocarem de lá até Aberdeen, Gavallan viria pessoalmente ao telefone e todo mundo receberia uma enorme gratificação. Mas com a operação Turbilhão marcada, com a Guerney de fora e mais ninguém disponível, não havia nenhuma maneira de ajudar a Kasigi.
— Quando, ahn, quando você precisaria dos aparelhos? — perguntou para ganhar tempo para pensar.
— Imediatamente — respondeu Kasigi, observando um petroleiro lá embaixo. — Eu garanti a Zataki e ao komiteh que se eles cooperassem, nós começaríamos imediatamente. Amanhã ou depois no mais tardar. Talvez você pudesse pedir ao seu escritório central para eles desviarem alguns dos 212 estacionados em Bandar Delam que não estão sendo totalmente aproveitados. É possível?
— Vou perguntar assim que pousarmos.
— Durante mais ou menos uma semana, nós vamos precisar de uma ligação com o Kuwait para apanhar e substituir turmas de operários japoneses. Zataki disse que o komiteh deles combinaria com o komiteh do aeroporto de Abadan para que este nos fosse aberto. Certamente, lá para o fim da semana.
Scragger escutava meio distraído os planos confiantes do homem que se tornara seu amigo, sem o qual ele ainda estaria algemado a uma cama. Sua escolha era simples: ou você conta a ele sobre a operação Turbilhão ou o deixa na mão. Mas se contar, estará traindo alguém que confia ainda mais em você, um amigo da vida inteira. Kasigi poderia deixar escapar alguma coisa sobre a operação. Ele na certa contaria a de Plessey. A questão é até onde eu posso confiar nele — e em de Plessey?
Muito agitado, ele olhou pela janela e tornou a checar a sua posição.
— Desculpe interrompê-lo, mas tenho que me comunicar com o radar. — E apertou o botão do transmissor: — Radar de Kish, aqui é Hotel Sierra-Tango, está me ouvindo?
— HST, radar de Kish, estamos ouvindo quatro por cinco, continue.
— HST a serviço da Irã-Toda voltando para a base em Lengeh, aproximando-se de Lavan a trezentos metros, um passageiro a bordo. Solicita permissão para reabastecer em Lavan e desviar-se para Bahrain para deixar o passageiro, que tem negócios urgentes para resolver relacionados ao Irã.
— Solicitação recusada. Nenhum vôo através do golfo é autorizado sem um pedido feito com 24 horas de antecedência. Vire para 095 graus, direção de Lengeh, comunique-se ao se aproximar de Kish, não quando estiver em cima de Kish. Entendido?
Scragger olhou para Kasigi, que ouvira a conversa.
— Sinto muito, companheiro. — E desviou o aparelho para a nova posição. — Aqui HST. Entendido. Solicito permissão para ir a Al Shargaz amanhã de manhã com um passageiro.
— Fique na escuta. — Ouviu-se um barulho de estática. A estibordo, continuava o fluxo constante de petroleiros que entravam e saíam dos terminais do golfo, da Arábia Saudita, dos Emirados, de Abu Dhabi, Bahrain, Kuwait e Iraque. Nenhum deles estava sendo carregado em Khang nem em Abadan, onde, normalmente, haveria uma dúzia sendo carregados e uma dúzia esperando. Agora só havia um enxame de navios esperando, alguns há mais de dois meses. O céu ainda estava encoberto e ameaçador.
— HST, aqui é Kish. Nesta instância, o seu pedido para ir de Lengeh para Al Shargaz foi aprovado para amanhã, quarta-feira, dia 28, ao meio-dia. Até decisão posterior, repito, todos os vôos através do golfo exigirão um pedido com 24 horas de antecedência, e todos, repito, todos os motores necessitam de autorização para serem ligados. Entendido?
Scragger praguejou e depois respondeu.
— O que foi? — perguntou Kasigi.
— Nós nunca tivemos que obter permissão para ligar os motores antes. Os filhos da mãe estão realmente ficando muito nervosos. — Scragger estava pensando na sexta-feira e na decolagem dos seus dois 212, com Kish se intrometendo e ficando eficiente demais. — Bando de gente metida!
— Sim. Você vai poder chefiar as nossas operações com helicópteros?
— Há um monte de caras melhores do que eu.
— Ah, desculpe, mas seria muito importante para mim. Eu saberia que a operação estaria em boas mãos.
Mais uma vez Scragger hesitou.
— Obrigado, se fosse possível, eu o faria, é claro que sim.
— Então está decidido. Eu vou fazer uma solicitação formal ao sr. Gavallan. — Kasigi olhou para Scragger. Alguma coisa mudou, pensou. O quê? Pensando bem, o piloto não reagiu com tanto entusiasmo quanto seria de se esperar ao me ouvir propor o acordo, e ele deve ter percebido o valor do contrato que lhe está sendo oferecido. O que será que ele está escondendo? — Você poderia contatar Bandar Delam através da sua base em Kowiss para perguntar se eles podem fornecer-nos pelo menos um 212 amanhã? — perguntou, tentando descobrir mais um pouco.
— Sim, sim, é claro... assim que chegarmos.
Ah, pensou Kasigi, que observara e escutara com bastante atenção. Eu estava certo, alguma coisa estava errada. A camaradagem desapareceu. Por quê? Eu não disse nada que pudesse ofendê-lo. Não pode ser o acordo — é ótimo para qualquer companhia de helicópteros. Será a saúde dele?
— Você está se sentindo bem?
— Oh, sim, meu velho. Eu estou ótimo.
Ah, desta vez o sorriso foi sincero e a voz normal. Então tem que ser algo relacionado aos helicópteros.
— Se eu não puder contar com a sua ajuda, as coisas vão ficar muito difíceis para mim.
— Sim, eu sei. Se dependesse de mim, eu gostaria de poder ajudá-lo. Ah, o sorriso desapareceu e a voz ficou séria de novo. Por quê? E por que esse "se dependesse de mim" como se ele quisesse ajudar mas alguém o tivesse proibido? Gavallan? Será que ele sabe que Gavallan não vai me ajudar por causa da Struan's?
Durante algum tempo, Kasigi imaginou todas as possibilidades mas não conseguiu encontrar uma resposta satisfatória. Então resolveu usar o único artifício, quase infalível, possível de ser usado com um estrangeiro como aquele.
— Meu amigo — disse, usando o seu tom de voz mais sincero —, eu sei que algo está errado, por favor, diga-me o que é. — Ao ver que o rosto de Scragger ficara ainda mais solene, ele deu o golpe fatal. — Você pode confiar em mim, eu sou seu amigo.
— Sim, sim, eu sei disso, companheiro.
Kasigi observou o rosto de Scragger e esperou, viu o peixe se debatendo no anzol que estava pendurado numa linha muito fina e muito forte, presa a uma pá de rotor quebrada, a um aperto de mão, ao perigo compartilhado a bordo do Rikumaru, a uma mesma guerra, e ao respeito comum que tinham pelos companheiros mortos. Tantos companheiros mortos, todos tão jovens. Sim, pensou, sentindo uma raiva súbita, mas se tivéssemos um décimo dos aviões deles, dos seus armamentos e navios, e uma vigésima parte do seu petróleo e da sua matéria-prima, nós teríamos sido invencíveis e o imperador jamais teria sido obrigado a terminar a guerra daquele jeito. Nós seríamos invencíveis — se não fosse pela bomba, pelas duas bombas. Que os deuses castiguem por toda a eternidade aqueles que inventaram a bomba que quebrou a resistência do imperador.
— O que é?