NO DESVIO DE JULFA: 18:25H. Hashemi Fazir e Armstrong estavam mais uma vez emboscados debaixo das árvores cobertas de neve. Lá embaixo, o Chevrolet esperava, com os faróis apagados, as janelas abertas, dois homens no banco da frente, como da outra vez. Lá no fundo da encosta, atrás deles, nos dois lados da estrada Julfa-Tabriz, havia uma centena de homens a postos para interceptar o carro. O sol tinha desaparecido sobre as montanhas e agora o céu estava escurecendo depressa.
— Ele não tem mais muito tempo — tornou a resmungar Hashemi.
— Da outra vez ele chegou ao anoitecer. Ainda não está escuro.
— Maldito seja ele e todos os seus ancestrais. Estou gelado até os ossos.
— Não falta muito agora, Hashemi, meu velho! — Se dependesse dele, Armstrong sabia que esperaria eternamente para agarrar Mzytryk, aliás Suslev, aliás Brodnin. Ele se oferecera para esperar em Tabriz depois do fracasso de sábado. — Deixe os homens comigo, Hashemi, eu preparo a emboscada na terça-feira. Você volta para Teerã, eu espero aqui, o apanho e levo para você.
— Não, vou partir imediatamente e voltarei na terça-feira bem cedo. Você pode ficar aqui.
'Aqui' era um esconderijo, um apartamento que dava para a Mesquita Azul, quente e cheio de estoques de uísque.
— Você estava dizendo a verdade quando falou para Abdullah Khan que agora você é a lei aqui e que a Savama e Pahmudi não podem fazer nada sem o seu apoio?
— Sim, oh, sim.
— Pahmudi é mesmo uma obsessão para Abdullah. Por que isso?
— Pahmudi fez com que Abdullah fosse expulso de Teerã.
— Cristo! Por quê?
— Uma velha inimizade, de muitos anos. Desde que Abdullah se tornou khan em 1953, ele advertiu agressivamente vários primeiros-ministros e funcionários da corte para serem cautelosos com relação a reformas políticas e as chamadas modernizações. Pahmudi, o intelectual bem-educado, treinado na Europa, o desprezava, foi sempre adversário dele, sempre impedindo que ele tivesse acesso ao xá. Infelizmente para o xá, Pahmudi tinha a confiança do xá.
— Para traí-lo no fim.
— Oh, sim, Robert, talvez até desde o começo. A primeira vez que Pahmudi e Abdullah se enfrentaram publicamente foi em 1963, a respeito das reformas propostas pelo xá dando às mulheres o direito de votar, estendendo esse direito aos não-muçulmanos e permitindo que não-muçulmanos fossem eleitos para o Majilis. É claro que Abdullah, assim como todo iraniano que fosse capaz de raciocinar, sabia que isso provocaria uma reação imediata em todos os líderes religiosos, especialmente Khomeini, que estava começando a aparecer naquela época.
— É inacreditável que ninguém conseguisse ter acesso ao xá — dissera Armstrong — para avisá-lo.
— Muitos o fizeram, mas ninguém com bastante influência sobre ele. A maioria apoiou Khomeini, publicamente ou em segredo, eu o fiz. Abdullah perdeu um round atrás do outro para Pahmudi. Contra os nossos conselhos, o xá mudou o calendário, do islâmico, que era tão sagrado para os muçulmanos quanto o a.C e o d.C. para os cristãos e tentou forçar uma contagem falsa até Ciro, o Grande... é claro que isso revoltou todos os muçulmanos e depois de quase haver uma revolução, ele voltou atrás... — Hashemi terminou o seu drinque e se serviu de outro. — Então, publicamente, Pahmudi disse a Abdullah para dar o fora, literalmente. Eu tenho tudo isso documentado. Disse que ele era estúpido, atrasado, que estava vivendo na Idade Média, "o que não é de espantar, vindo do Azerbeijão", e mandou que ele ficasse longe de Teerã até que fosse chamado ou seria preso. O pior é que debochou dele e fez publicarem algumas caricaturas dele.
— Eu nunca pensei que Pahmudi fosse tão imbecil — disse Armstrong, para encorajá-lo a continuar, imaginando se ele acabaria se distraindo e revelando alguma coisa de valor.
— Graças a Deus ele é. E é por isso que os seus dias estão contados. Armstrong recordou a estranha confiança que Hashemi tinha demonstrado e o quanto ele se sentira perturbado. Esta sensação permanecera com ele durante todo o tempo em que esperara a volta de Hashemi para Tabriz, sem coragem de andar pelas ruas que ainda estavam cheias de grupos rivais tentando dominá-las. Durante o dia, a polícia e o exército legalista mantinham a paz em nome do aiatolá. À noite, era difícil, se não impossível, deter pequenos grupos de fanáticos inclinados à violência, que aterrorizavam certas partes da cidade:
— Nós ainda podemos esmagá-los facilmente se aquele velho demônio do Abdullah nos ajudar. — Dissera Hashemi, zangado.
— Abdullah Khan ainda tem tanto poder assim, mesmo estando meio morto?
— Oh, sim, ele ainda é o chefe hereditário de uma grande tribo. Sua riqueza, oculta e real, poderia rivalizar-se com a de um xá, não com a do xá Muhammad Reza, mas com certeza com a do seu pai.
— Ele vai morrer muito breve. E depois?
— O seu herdeiro terá o mesmo poder, presumindo-se que aquele pobre filho da puta do Hakim fique vivo para usá-lo. Eu já lhe contei que ele foi declarado herdeiro?
— Não, o que há de estranho nisso?
— Hakim é o filho mais velho do khan que foi banido para Khoi há anos, em desgraça. Ele foi trazido de volta e reinstaurado nos seus direitos.
— Por quê? Por que ele foi banido?
— O mesmo de sempre. Ele foi apanhado conspirando contra o pai do mesmo modo que Abdullah conspirou contra o pai dele.
— Você tem certeza?
— Não, mas curiosamente o pai de Abdullah morreu na fazenda do seu Mzytryk, em Tbilisi. — Hashemi sorriu sardonicamente com o efeito da sua informação..— De apoplexia.
— Há quanto tempo você sabe disso?
— Há bastante tempo. Nós vamos perguntar a Mzytryk se isso é verdade quando o agarrarmos. Nós o agarraremos, embora isso fosse mais fácil com Abdullah vivo, não há a menor dúvida. — Hashemi ficou sério. — Eu espero que ele fique vivo tempo suficiente para ordenar que nos dêem apoio para terminar com a guerra. Depois ele pode apodrecer. Eu odeio aquele velho safado pela sua traição e por ter-nos usado em proveito próprio, foi por isso que eu o ameacei com Pahmudi. É claro que eu o odeio, mas mesmo assim jamais o entregaria a Pahmudi, à sua maneira, ele é um patriota. Bem, vou para Teerã, Robert, você sabe onde me encontrar. Você gostaria de uma companhia na sua cama?
— Só de água corrente quente e fria.
— Você deveria experimentar um pouco, tentar um garoto para variar. Oh, pelo amor de Deus, não fique tão envergonhado. Você me desaponta tanto, não sei por que sou tão paciente com você.
— Obrigado.
— Vocês, ingleses, são todos tão depravados com relação a sexo, a maioria de vocês não passa de homossexuais enrustidos ou declarados, o que o resto acha extremamente desagradável e pecaminoso, contra as leis de Deus, o que não é. E no entanto na Arábia, onde a relação entre homens é historicamente normal e comum, porque pela lei não se pode tocar numa mulher a menos que você seja casado com ela, o homossexualismo tal como você o entende é desconhecido. Um homem prefere sodomia, e daí? Isto não interfere com a sua masculinidade aqui. Permita-se ter uma experiência nova, Robert. Enquanto isso, ela ficará aqui para você usá-la se desejar. Não me insulte pagando-a.
"Ela" era uma caucasiana, cristã, atraente e ele dormira com ela sem necessidade nem paixão, apenas por educação, e agradecera e deixara-a dormir na cama e ficar no dia seguinte para limpar e cozinhar e distraí-lo e então, antes dele acordar hoje de manhã, ela desaparecera.
Agora Armstrong olhava para o céu a ocidente. Estava muito mais escuro do que antes, a claridade estava indo embora depressa. Eles esperaram mais meia hora.
— O piloto não poderá pousar agora, Robert. Vamos embora.