— A senhora nunca mais vai vê-lo. Por que ele deveria falar com a senhora? A senhora mentiu antes e vai mentir outra vez!
— Eu... eu nunca menti, nunca menti...
Seus lábios torceram-se num sorriso. Durante todos aqueles anos, ele sempre soubera que ela tinha mentido. Isto não fizera nenhuma diferença para ele. Mas agora fazia.
— A senhora mentiu, em nome de Deus. — A ponta da faca arranhou a pele dela. A mulher, apavorada, tentou gritar, mas ele apertou-lhe a boca com a outra mão e se sentiu tentado a apertar mais um pouco e terminar logo com tudo. — Mentirosa!
— Piedade — ela gemeu — piedade em nome de Deus... Ele diminuiu a pressão, mas não retirou a ponta da faca.
— Eu não posso perdoá-la. Peça perdão a Deus, o khan já decretou a sua sentença!
— Espere... espere — ela disse, desesperada, sentindo os músculos dele se retesarem para o ataque —, por favor... deixe-me ver o khan... deixe-me implorar a piedade dele, eu sou sua fi...
— A senhora admite ter mentido?
Ela hesitou, em pânico. Imediatamente, a faca espetou mais um pouco e ela gaguejou:
— Eu admito... eu admito que exage...
— Em nome de Deus, a senhora mentiu ou não? — Ahmed murmurou, com raiva.
— Sim... sim... por favor, deixe-me ver o meu pai... por favor. — As lágrimas escorriam e ele fingiu hesitar, depois olhou para o marido dela, que estava deitado no tapete, tremendo de medo.
— Você também é culpado!
— Eu não sabia de nada. — Mahmud gaguejou. — De nada, eu nunca menti para o khan, nunca, eu não sabia de nada...
Ahmed empurrou os dois para a frente. Guardas abriram a porta do quarto do doente. Azadeh, Hakim e Aysha estavam lá, chamados inesperadamente, em trajes de dormir, assustados, a enfermeira também, o khan acordado e ofegante, com os olhos injetados. Najoud caiu de joelhos e disse que tinha exagerado com relação a Hakim e Azadeh e quando Ahmed chegou mais perto, ela confessou:
— Eu menti, menti, por favor, pai, perdoe-me, por favor, perdoe-me, perdoe-me... piedade... piedade... — Mahmud também estava gemendo e chorando, dizendo que não sabia de nada, senão teria falado, é claro que sim, diante de Deus, ambos implorando misericórdia, e todo mundo sabendo que não haveria nenhuma.
O khan limpou a garganta. Silêncio. Todos os olhos estavam fixos nele. Ele mexeu com a boca, mas não saiu som algum. A enfermeira e Ahmed se aproximaram dele.
— Ahmed fica e Azadeh e Hakim... o resto sai, eles sob escolta.
— Alteza — a enfermeira disse gentilmente —, isso não pode esperar até amanhã? O senhor já se cansou demais. Por favor, deixe para amanhã.
O khan sacudiu a cabeça.
— Agora.
A enfermeira sentia-se muito cansada.
— Eu não assumo nenhuma responsabilidade, Excelência Ahmed. Por favor, seja o mais breve possível. — Exasperada, ela saiu.
Dois guardas obrigaram Najoud e Mahmud a se levantarem e os arrastaram para fora. Aysha seguiu-os tremendo. Por um momento, o khan fechou os olhos, recuperando as forças. Agora só a sua respiração estrangulada quebrava o silêncio. Ahmed, Hakim e Azadeh esperaram. Passaram-se vinte minutos. O khan abriu os olhos. Para ele, tinham-se passado apenas alguns segundos.
— Meu filho, confie em Ahmed, faça dele o seu conselheiro.
— Sim, pai.
— Jurem por Deus, vocês dois.
Ele ouviu atentamente enquanto os dois repetiam:
— Eu juro por Deus que confiarei em Ahmed e farei dele o meu conselheiro. — Mais cedo, eles tinham jurado diante de toda a família a mesma coisa e tudo o mais que o khan exigira: cuidar do pequeno Hassan e protegê-lo; Hakim fazer de Hassan o seu herdeiro; os dois permanecerem em Tabriz e Azadeh ficar pelo menos dois anos sem sair do Irã.
— Desta forma, Alteza — Ahmed tinha explicado antes —, nenhuma influência externa, como a do marido, poderá afastá-la antes dela ser enviada para o norte, seja culpada ou inocente.
Isto é aconselhável, pensou o khan, aborrecido com Hakim e com Azadeh por terem permitido que a mentira de Najoud tivesse ficado sem castigo por tantos anos — odiando Najoud e Mahmud por serem tão fracos. Nenhuma coragem, nenhuma força. Bem, Hakim vai aprender e ela também vai aprender. Se eu tivesse um pouco mais de tempo..
— Azadeh.
— Sim, pai?
— Najoud, que castigo?
Ela hesitou, assustada de novo, sabendo como a cabeça dele funcionava, percebendo a armadilha em que havia caído.
— Expulsão. Expulse-a, o marido, e toda a família.
Sua idiota, você nunca criará um khan dos Gorgons, pensou, mas estava cansado demais para falar e por isso fez sinal para que ela saísse. Antes de sair, Azadeh foi até a cama e beijou a mão do pai.
— Tenha piedade deles, papai, por favor. — E forçou um sorriso, afagou-o mais uma vez e saiu.
Ele a observou fechar a porta.
— Hakim?
Hakim também tinha percebido a armadilha e estava gelado, com medo de desagradar o pai, desejando vingança mas não a sentença terrível que o khan pronunciaria.
— Que eles sejam banidos para sempre, sem um tostão — disse. — Deixe-os ganhar o próprio pão daqui para a frente e expulse-os da tribo.
Um pouco melhor, pensou Abdullah. Normalmente, este seria um castigo terrível. Mas não se você fosse um khan e eles uma perpétua ameaça. Mais uma vez ele fez um sinal com a mão, mandando-o sair. Como Azadeh, ele beijou a mão do pai e desejou-lhe boa-noite.
Quando ficaram a sós, Abdullah disse:
— Ahmed?
— Amanhã, mande-os para as terras desertas ao norte de Meshed, sem um tostão, sob escolta. Dentro de um ano e um dia, quando eles estiverem certos de terem escapado vivos, quando tiverem algum negócio, uma casa ou uma cabana, ponha fogo em tudo e mate-os, junto com os três filhos.
Ele sorriu.
— Ótimo, faça isso.
— Sim, Alteza. — Ahmed também sorriu, muito satisfeito.
— Agora vou dormir.
— Durma bem, Alteza. — Ahmed viu as pálpebras dele se fecharem e o rosto despencar. Em poucos segundos, o doente estava roncando.
Ahmed sabia que tinha que ser muito cuidadoso agora. Ele abriu a porta silenciosamente. Hakim e Azadeh estavam esperando no corredor, junto com a enfermeira. Preocupada, a enfermeira entrou no quarto, tomou o pulso do khan, examinando-o atentamente.
— Ele está bem? — Azadeh perguntou da porta.
— Quem pode saber, mocinha? Ele se cansou, se cansou demais. É melhor vocês todos sairem agora.
Nervosamente, Hakim virou-se para Ahmed.
— O que foi que ele decidiu?
— Serão banidos para as terras ao norte de Meshed, devendo partir amanhã bem cedo, sem um tostão, além de terem sido expulsos da tribo. Ele mesmo lhe dirá amanhã, Alteza.
— Seja como Deus quiser. — Azadeh estava muito aliviada pelo fato dele não ter ordenado o pior. Hakim estava radiante por ele ter seguido o seu conselho.
— Minha irmã e eu, ahn, nós não sabemos como agradecer-lhe por nos ter ajudado, Ahmed, e, bem, por ter revelado a verdade depois de tanto tempo.
— Obrigado, Alteza, mas eu apenas cumpri ordens do khan. Quando chegar a hora, vou servi-lo da mesma forma com que tenho servido a Sua Alteza, ele me fez prometer isso. Boa noite. — Ahmed sorriu para si mesmo e fechou a porta, voltando para perto da cama
— Como está ele? — perguntou à enfermeira.
— Não muito bem, aga. — Ela estava com dor nas costas e muito cansada. — Eu preciso de alguém para me substituir amanhã. Precisamos de duas enfermeiras e uma irmã. Desculpe, mas não posso continuar sozinha.
— O que a senhora precisar, contanto que fique. Sua Alteza aprecia o cuidado que a senhora tem com ele. Se quiser, eu posso ficar tomando conta dele por uma hora ou duas. Há um sofá no outro quarto e eu posso chamá-la se houver alguma coisa.
— Oh, é muito gentil de sua parte. Obrigada, um descanso me faria bem, mas me chame se ele acordar e me chame de qualquer maneira dentro de duas horas.