Depois, lá embaixo, no salão, com Azadeh em pé atrás dele, Ahmed e os guardas também juraram lealdade — o resto da família viria mais tarde, junto com outros líderes tribais, criados pessoais e da casa. Imediatamente, ele dera ordens para o funeral e depois tinha-se permitido olhar para Najoud.
— Então?
— Alteza — disse Najoud, com uma voz untuosa —, de todo o coração, diante de Deus, nós nos congratulamos com o senhor e juramos servi-lo no que estiver ao nosso alcance.
— Obrigado, Najoud. Obrigado. Ahmed, qual foi a sentença decretada pelo khan antes de morrer a respeito da minha irmã e da sua família? — Houve uma súbita tensão no salão.
— Banimento, sem dinheiro, para as terras desertas ao norte de Meshed, Alteza, sob escolta, imediatamente.
— Sinto muito, Najoud, você e toda a sua família partirão ao amanhecer conforme foi decidido.
Ele recordou como o seu rosto ficara lívido e o de Mahmud também e ela tinha gaguejado:
— Mas Alteza, agora o senhor é o khan, a sua palavra é lei. Eu não esperava... o senhor é o khan agora.
— Mas o khan, nosso pai, deu a ordem enquanto ele era a lei, Najoud. Não seria correto passar por cima dele.
— Mas o senhor é a lei agora — dissera Najoud, com um sorriso falso — o senhor deve fazer o que é certo.
— Com a ajuda de Deus, eu vou tentar, Najoud. Mas não posso passar por cima do meu pai no seu leito de morte.
— Mas Alteza... — Najoud tinha chegado mais perto. — Por favor, podemos... podemos discutir isso em particular?
— É melhor que seja aqui, na frente da família, Najoud. O que você queria dizer?
Ela tinha hesitado e chegara mais perto ainda, e ele sentiu Ahmed ficar tenso e se preparar para empunhar a faca, e sentiu os cabelos da nuca se arrepiarem.
— Só porque Ahmed disse que o khan deu esta ordem, não quer dizer que... quer? — Najoud tinha tentado sussurrar, mas as suas palavras ecoaram na sala.
Ahmed suspirou.
— Que Deus me faça arder para sempre se eu menti.
— Eu sei que você não mentiu, Ahmed — Hakim dissera com tristeza.
— Eu não estava lá quando o khan decidiu? Eu estava lá, Najoud, bem como Sua Alteza, minha irmã. Eu sinto...
— Mas você pode ser misericordioso! — gritara Najoud. — Por favor, por favor, tenha piedade!
— Oh, mas eu tenho, Najoud. Eu a perdôo. Mas o castigo foi por você ter mentido em nome de Deus — disse gravemente —, não por ter mentido sobre minha irmã e eu, causando-nos anos de sofrimento, fazendo-nos perder o amor do nosso pai. É claro que nós a perdoamos por isso, não é, Azadeh?
— Sim, sim, isso está perdoado.
— Isso está publicamente perdoado. Mas mentir em nome de Deus? O khan deu uma ordem. Eu não posso passar por cima dela
— Eu não sabia de nada disso, Alteza, nada, juro por Deus, eu acreditei nas mentiras dela — gritou Mahmud. — Eu me divorcio formalmente dela por ser uma traidora, eu nunca soube de nada a respeito das mentiras dela!
No salão, todo mundo os viu rastejar, uns com ódio, outros com desprezo por terem falhado quando estavam com o poder nas mãos.
— Ao amanhecer, Mahmud, você será banido, você e toda a sua família — ele dissera com tristeza —, sem um tostão, sob escolta, até quando me aprouver. Quanto ao divórcio, ele é proibido na minha casa. Se você quiser fazer isso em Meshed... Insha'Allah. Você ainda será banido, até quando me aprouver...
Oh, você foi perfeito, Hakim, disse para si mesmo, encantado, pois é claro que todo mundo sabia que aquele era o seu primeiro teste. Você foi perfeito! Nem uma vez você se vangloriou abertamente ou revelou o seu verdadeiro propósito, nem uma vez você levantou a voz, mantendo-se calmo, gentil e grave, como se estivesse realmente triste com a sentença do seu pai mas não pudesse ignorá-la. E a promessa bondosa de "até quando me aprouver"? O que me apraz é que vocês todos sejam banidos para sempre e se eu souber de alguma conspiração, eu os mandarei para o inferno. Por Deus e pelo Profeta, cujo nome seja louvado, eu farei o fantasma do meu pai orgulhoso deste khan de todos os Gorgons. Deus permita que ele esteja no inferno por ter acreditado nas mentiras maldosas daquela encrenqueira perversa.
Há tanto o que agradecer a Deus, pensou, hipnotizado pelos lampejos que o fogo causava nas jóias do Corão. Os anos todos de banimento não lhe ensinaram a ser dissimulado e paciente? Agora você tem o seu poder para cimentar, o Azerbeijão para defender, um mundo para conquistar, esposas para encontrar, filhos para criar e uma linhagem para iniciar. Que Najoud e suas crias apodreçam!
Ao amanhecer, ele tinha, "infelizmente", sido obrigado a ir com Ahmed assistir a partida deles. Espertamente, tinha insistido para que nenhuma outra pessoa da família fosse despedir-se deles. "Para que aumentar a tristeza deles e a minha?" Lá, de acordo com as instruções que tinha dado, ele assistira Ahmed e os guardas rasgarem as montanhas de malas, retirando tudo o que fosse de valor, até que só houvesse uma mala para cada um deles e seus três filhos, que olhavam apavorados.
— As suas jóias, mulher — tinha dito Ahmed.
— Você já me tirou tudo, tudo... por favor, Hakim... Alteza, por favor... — Najoud soluçou. A sua caixa de jóias, escondida num compartimento secreto da mala, já tinha sido acrescentada à pilha de objetos de valor. Abruptamente, Ahmed estendeu a mão e arrancou-lhe o broche, abrindo a gola do vestido. Ela estava usando uma dúzia de colares, de diamantes, rubis, esmeraldas e safiras.
— Onde você conseguiu isso? — Hakim tinha perguntado, perplexo.
— Eles são... eles são da minha mãe e meus, eu os comprei ao longo dos anos — Najoud calou-se quando Ahmed puxou a faca. — Está bem... está bem... — Ela os tirou rapidamente e os entregou a ele. — Agora você já tem tudo.
— Seus anéis!
— Mas Alteza, deixe-me ficar com alguma coisa. — Ela gritou quando Ahmed, impaciente, agarrou um dos seus dedos para cortá-los fora junto com o anel, mas ela tirou os anéis e também o bracelete que tinha escondido na manga, urrando de tristeza e os atirou no chão. — Agora você tem tudo.
— Agora apanhe tudo e entregue a Sua Alteza, de joelhos! — Ahmed disse com ódio e quando ela não obedeceu imediatamente, ele a agarrou pelos cabelos, enfiando-lhe a cara no chão, e ela obedeceu.
Ah, aquilo foi uma festa, pensou Hakim, rememorando cada detalhe da humilhação deles. Depois que estiverem todos mortos, Deus os queimará.
Ele fez outra mesura, deixou Deus de lado até a próxima oração do meio-dia e ficou de pé, cheio de energia. Uma empregada estava de joelhos, servindo café, e ele viu o medo nos olhos dela e ficou muito contente. Assim que se tornou khan, ele viu que era vital trabalhar rapidamente para segurar as rédeas do poder. Na véspera de manhã, ele inspecionara o palácio. A cozinha não estava suficientemente limpa para ele, e então fez com que o cozinheiro-chefe fosse espancado até perder os sentidos e fosse colocado do lado de fora dos muros, depois tinha promovido o segundo cozinheiro para o lugar do primeiro, com ameaças terríveis. Quatro guardas tinham sido expulsos por dormirem demais, duas empregadas chicoteadas por desleixo.
— Mas Hakim, meu querido — tinha dito Azadeh, quando ficaram a sós —, não havia necessidade de bater nelas.
— Dentro de um ou dois dias não haverá mais necessidade — respondera.
— Nesse meio tempo, o palácio vai ficar do jeito que eu quero.