Выбрать главу

O guarda apontou para o enorme cofre antiquado que dominava o escritório.

— Olhe, Excelência, o senhor pode ver por si mesmo, a chave não está no gancho. É mais do que provável que ela esteja com o sargento.

— Isto é muito sábio e correto, Excelência. Provavelmente Sua Excelência o sargento está em casa agora?

— Sua Excelência estará aqui pela manhã.

— No dia santo? Posso dar a minha opinião de que nós temos sorte dos

nossos policiais possuírem um senso de dever tão alto para trabalhar com tanto afinco? Imagino que ele não vá chegar cedo.

— O sargento é o sargento, mas o escritório abre às sete e meia da manhã embora, é claro, a delegacia fique aberta noite e dia. — O guarda apagou o cigarro. — Voltem de manhã.

— Ah, obrigado, Excelência. O senhor gostaria de um outro cigarro enquanto eu explico ao capitão?

— Obrigado, Excelência. É raro conseguir-se um cigarro estrangeiro, obrigado. — Os cigarros eram americanos e muito apreciados, mas nenhum deles mencionou isso.

— Posso oferecer-lhe fogo, Excelência? — Ali Pash acendeu o seu cigarro também e contou a Scragger o que havia sido dito.

— Pergunte a ele se o sargento está em casa agora, Ali Pash.

— Já perguntei, capitão. Ele disse que Sua Excelência estará aqui de manhã. — Ali Pash disfarçou o seu cansaço, educado demais para dizer a Scragger que tinha percebido em poucos segundos que este homem não sabia nada, não faria nada e que toda aquela conversa era uma perda de tempo. E é claro que os guardas preferiam não ser incomodados de noite por uma questão tão insignificante. Que importância tem isto? Alguma vez eles perderam um passaporte? É claro que não! Que troca de pessoal?

— Se o senhor me permite um conselho, aga, deixe para amanhã. Scragger suspirou. "De manhã" podia significar amanhã ou no dia seguinte. Não adiantava insistir mais, pensou irritado.

— Agradeça-lhe por mim e diga que estaremos aqui amanhã bem cedinho. Ali Pash obedeceu. Seja como Deus quiser, o guarda pensou, cansado, com fome e preocupado pelo fato de ter-se passado outra semana e ele ainda não haver recebido nenhum pagamento, há meses que não era pago, e os agiotas do bazar o estavam pressionando para pagar os empréstimos, e a minha amada família está quase passando fome.

— Shab be khayr, Agha — ele disse a Scragger. — Boa noite.

— Shab be khayr, Agha. — Scragger esperou, sabendo que a partida seria tão demorada quanto a conversa.

Lá fora na pequena rua que era a rua principal da cidade, ele se sentiu melhor. Passantes curiosos, todos homens, cercavam a sua velha caminhonete amassada, com o símbolo da SG na porta.

— Salaam — ele disse e alguns responderam. Os pilotos da base eram muito populares, a base e as plataformas de petróleo eram fontes lucrativas de trabalho, as missões de salvamento deles com qualquer tempo eram muito conhecidas e Scragger era facilmente identificáveclass="underline"

— Aquele é o chefe dos pilotos — um homem idoso cochichou para o seu vizinho. — Foi ele que ajudou o jovem Abdullah Turik a ir para o hospital de Bandar Abbas, onde geralmente só entram ricos. Ele foi até visitar a aldeia dele perto de Lengeh e foi ao seu enterro.

— Turik?

— Abdullah Turik, o filho do filho da minha irmã! O rapaz que caiu da plataforma de petróleo e foi comido pelos tubarões.

— Ah, sim, eu me lembro, o rapaz que dizem que foi assassinado pelos esquerdistas.

— Não fale tão alto, nunca se sabe quem pode estar ouvindo. Que a paz esteja com o senhor, piloto, saudações, piloto!

Scragger acenou para eles e arrancou.

— Mas a base é para o outro lado, capitão. Onde é que nós vamos? — Ali Pash perguntou.

— Visitar o sargento, é claro. — Scragger assoviou entredentes, ignorando a desaprovação de Ali Pash.

A casa do sargento ficava na esquina de uma ruazinha de terra cheia de poças por causa da tempestade daquela manhã, apenas outra porta nos muros altos que ficavam do outro lado da vala. Estava ficando escuro, por isso Scragger deixou os faróis ligados e saltou. Não havia nenhum sinal de vida na rua inteira. Apenas algumas das janelas altas estavam fracamente iluminadas. Sentindo o nervosismo de Ali Pash, ele disse:

— Você fica no carro. Não há problema, eu já estive aqui antes. — Ele bateu com força na porta, com a sensação de que estava sendo observado de todos os lados.

A primeira vez que ele estivera lá tinha sido há um ano, quando havia levado uma enorme cesta de comida, com dois carneiros, alguns sacos de arroz e caixotes de frutas, como um presente da base para comemorar o fato do seu sargento ter sido condecorado com a Medalha de Bronze do xá por bravura em combate contra os piratas e contrabandistas, que eram endêmicos naquelas águas. A última vez, há poucas semanas, ele tinha acompanhado um guarda preocupado, que queria que ele comunicasse imediatamente a tragédia de Siri Um, quando ele tinha retirado Abdullah Turik das águas infestadas de tubarões. Em nenhuma das duas vezes ele havia sido convidado para entrar na casa, mas havia ficado no pequeno pátio, do outro lado da grande porta de madeira, e das duas vezes era de dia.

A porta se abriu com um rangido. Scragger não estava preparado para a luz súbita que o cegou momentaneamente. O círculo de luz hesitou, depois foi para o carro e se deteve em Ali Pash, que deu um salto para fora do carro, inclinou-se respeitosamente e disse:

— Meus cumprimentos, Excelência, que a paz esteja com o senhor. Peço desculpas pelo fato do estrangeiro o estar incomodando na sua casa e ousar...

— Meus cumprimentos — Qeshemi o interrompeu bruscamente, desligou a lanterna e desviou a sua atenção para Scragger.

— Salaam, aga Qeshemi — Scragger disse, já com os olhos mais acostumados à escuridão. Ele viu o homem de traços fortes o observando, com o casaco do uniforme desabotoado e o revólver solto na cartucheira.

— Salaam, capitão.

— Desculpe vir até aqui, aga, à noite — Scragger disse devagar e cautelosamente, sabendo que o inglês de Qeshemi era tão limitado quanto o seu farsi, que era quase nulo. — Loftan, gozar nameh. Loftan. — Por favor, preciso de passaportes. Por favor.

O sargento resmungou, surpreso, e depois fez um sinal com a mão na direção da cidade.

— Passaportes na delegacia, capitão.

— Sim. Mas, me desculpe, não há chave. — Scragger imitou o gesto de alguém abrindo uma fechadura com uma chave. — Não tem chave — ele repetiu.

— Ah, sim. Compreendo. Sim, não tem chave. Amanhã. Amanhã o senhor pega.

— É possível esta noite? Por favor. Agora? — Scragger percebeu a sua curiosidade.

— Por que esta noite?

— Ahn, para uma troca de pessoal. Homens vão para Shiraz. Troca de pessoal.

— Quando?

Scragger sabia que tinha que arriscar.

— No sábado. Se me der a chave, vou até a delegacia e volto imediatamente.

Qeshemi sacudiu a cabeça.

— Amanhã. — Depois ele falou asperamente com Ali Pash que na mesma hora se inclinou e agradeceu profusamente, mais uma vez desculpando-se por incomodá-lo.

— Sua Excelência está dizendo que o senhor pode pegá-los amanhã. É melhor nós irmos embora, capitão.

Scragger forçou um sorriso.

— Mamnoon am, Agha. — Obrigado, Excelência. — Mamnoon am, Agha Qeshemi. — Ele gostaria de pedir a Ali Pash para perguntar ao sargento se poderia apanhar os passaportes assim que a delegacia fosse aberta, mas não quis agitar o sargento desnecessariamente. — Eu irei depois da primeira oração.

— Mamnoon am, Agha. — Scragger estendeu a mão e Qeshemi apertou-a. Cada um sentindo a força do outro. Então ele entrou no carro e foi embora.

Pensativamente, Qeshemi fechou e trancou a porta.

No verão, o pequeno pátio, com seus muros altos, trepadeiras e uma pequena fonte era fresco e convidativo. Agora estava sem vida. Ele o atravessou e abriu a porta que dava para a sala, tornando a trancá-la. Ouviu-se o barulho de uma criança tossindo lá em cima. Uma lareira dava um pouco de calor à casa, mas esta era cheia de correntes de ar, nenhuma das portas e janelas fechava direito.