NO QG DA BASE AÉREA DE KOWISS: 9:46H. O mulá Hussein disse pacientemente:
— Fale-me mais sobre o ministro Kia, capitão. — Ele estava sentado atrás da escrivaninha do escritório do comandante da base. Um Faixa Verde de cara fechada guardava a porta.
— Já lhe disse tudo o que sabia — respondeu McIver, exausto.
— Então, por favor, fale-me a respeito do capitão Starke. — Educado, insistente e sem pressa, como se tivesse o dia e a noite inteiros e mais o dia seguinte.
— Eu também já lhe disse tudo sobre ele, aga. Há quase duas horas que estou falando sobre eles. Estou cansado e não há mais nada o que contar. — McIver levantou-se, esticou-se e tornou a sentar. Não adiantava tentar sair. Ele tinha feito isso uma vez e o Faixa Verde fizera sinal para ele voltar. — A menos que o senhor queira saber algo específico, eu não consigo pensar em mais nada.
Ele não tinha ficado nem um pouco surpreendido com o fato do mulá querer saber mais a respeito de Kia e tinha repetido inúmeras vezes como, há poucas semanas atrás, Kia surgira do nada e fora nomeado diretor, tinha relatado os seus contatos com ele nas últimas semanas embora não dissesse nada sobre os cheques dos bancos suíços que abriram caminho para o 125 e retiraram três 212 do caldeirão. Eu é que não vou bancar o Wazari com Kia, disse a si mesmo.
Kia é compreensível, mas por que Duke Starke? Onde Duke estudou, o que ele come, há quanto tempo está casado, se tem só uma esposa, há quanto tempo trabalha na companhia, se é católico ou protestante — tudo o que era possível perguntar e várias vezes. Insaciável. E sempre a mesma resposta evasiva à sua pergunta: Por quê?
— Porque ele me interessa, capitão.
McIver olhou pela janela. Estava caindo um chuvisco. Nuvens baixas. Trovoadas ao longe. Haveria pancadas de chuva e alguns furacões de verdade nas nuvens de tempestade a leste — grande camuflagem para a fuga através do golfo. O que estará acontecendo com Scrag, Rudi e os rapazes? Este pensamento dominou-lhe a mente. Com esforço, ele o afastou, deixando-o para depois, bem como o cansaço e a preocupação. Que diabo ele iria fazer quando o interrogatório terminasse? Está terminando. Tome cuidado! Concentre-se! Você vai cometer um erro se não estiver cem por cento, e aí estará perdido.
Ele sabia que estava quase sem reservas. Na noite anterior tinha dormido mal e isso não ajudava. Nem a tristeza de Lochart por causa de Xarazade. Era difícil para Tom enfrentar a verdade, impossível dizer a ele: isso não estava mesmo fadado ao fracasso, Tom, meu velho amigo? Ela é muçulmana, rica, você nunca o será, a herança dela é feita de aço, a sua de gaze, a família dela é a sua força vital, a sua não, ela pode ficar, você não, e ainda há uma espada suspensa sobre a sua cabeça, o HBC. É tão triste, pensou. Será que chegou a haver alguma chance de dar certo? Com o Xá, talvez. Com a inflexibilidade do novo governo?
O que eu faria se fosse Tom? Com esforço, forçou sua mente a parar de divagar. Podia sentir os olhos do mulá cravados nele. Mas a investigação era só para descobrir exatamente quando e com que freqüência o 125 deles ia até Kowiss, quantos Faixas Verdes estavam de serviço do lado deles da base e se eles cercavam e vigiavam o 125 durante todo o tempo em que este ficava no chão. O interrogatório fora casual, ele não tinha perguntado nada que demonstrasse mais do que um simples interesse, mas McIver estava certo de que a verdadeira razão era para planejar uma rota de fuga caso fosse necessário. A certeza final tinha sido o comentário: "Mesmo numa revolução ocorrem erros, capitão. Mais do que nunca é preciso ter amigos bem colocados, é triste mas é verdade." Ou você coca as minhas costas ou eu arranho as suas.
O mulá levantou-se.
— Eu o levarei de volta agora.
— Oh, está bem, obrigado. — McIver observou Hussein disfarçadamente. Os olhos castanhos escuros sob as grossas sobrancelhas não revelaram nada, a pele esticada sob as maçãs salientes, um rosto estranho e belo ocultando um espírito de grande determinação. Para o bem ou para o mal?, perguntou-se McIver.
NA TORRE DE RÁDIO: 9:58H. Wazari estava agachado perto da porta que dava para o telhado, ainda esperando. Quando McIver e Lochart o deixaram no escritório, ele tinha ficado dividido entre a vontade de fugir e de ficar, mas Changiz e os soldados tinham chegado, quase ao mesmo tempo que Pavoud e a outra equipe, então ele se escondera ali e estava escondido até agora. Pouco antes das oito horas, Kia tinha chegado de táxi.
Do local privilegiado em que se encontrava, ele tinha visto Kia ter um ataque de raiva porque McIver não estava esperando ao lado do 206, pronto para decolar. Os soldados de braçadeiras verdes transmitiram-lhe o que Changiz ordenara. Kia tinha protestado em altos brados. Os soldados deram de ombros, desculpando-se e Kia entrara no edifício, declarando aos berros que ia telefonar para Changiz e se comunicar imediatamente com Teerã, mas Lochart o interceptara no começo das escadas, dizendo-lhe que os telefones não estavam funcionando e que o aparelho de rádio estava com defeito e que não havia nenhum técnico para consertá-lo até o dia seguinte.
— Sinto muito, ministro, não há nada que possamos fazer, a menos que o senhor queira ir até o QG, pessoalmente. — Wazari tinha ouvido Lochart dizer a ele. — Tenho certeza de que o capitão McIver não vai demorar, o mulá Hussein mandou chamá-lo.
Na mesma hora, Kia perdeu metade da arrogância e isso o alegrou, mas não diminuiu a sua ansiedade e ele tinha ficado lá no vento e no frio, desamparado, perdido e infeliz
A segurança temporária não diminuiu em nada sua ansiedade, temores e suspeitas em relação a Kia, hoje, e em relação ao fato de que deveria comparecer diante do komiteh no dia seguinte. "A sua presença é necessária para maiores averiguações", e por que aqueles filhos da mãe do Lochart e do McIver estão tão nervosos, hein? Por que será que eles mentiram para aquele filho da puta, víra-casaca, do Changiz com relação a uma troca de pessoal na plataforma de Abu Sal? Não há necessidade alguma de trocar o pessoal de lá, a não ser que tenha sido ordenada durante a noite. Por que estamos só com três pilotos e dois mecânicos, com toda a carga de trabalho que começa na segunda-feira?, por que foram despachadas tantas peças? Oh, Deus, ajude-me a dar o fora daqui.
Estava tão frio que ele voltou para dentro da torre, mas deixou a porta aberta para uma fuga rápida. Cautelosamente, olhou pela janela e pelas fendas das tábuas. Se tomasse cuidado, poderia ver quase toda a base sem ser visto. Ayre, Lochart e os mecânicos estavam perto do 212.0 portão principal estava bem guardado pelos Faixas Verdes. Não viu nenhuma atividade na base. Um arrepio percorreu-o. Havia boatos de que o komiteh faria uma outra limpa e que agora ele estava no alto da lista por causa da sua denúncia contra Esvandiary e Kia.
— Pelo Profeta, eu soube que eles querem vê-lo amanhã. Você pôs sua vida em perigo falando daquele jeito, você não sabe que a primeira regra de sobrevivência aqui, há mais de quatro mil anos, tem sido manter a boca e os olhos fechados com relação às ações dos que estão acima de você, ou logo você fica sem língua e sem olhos? É claro que os que estão por cima são corruptos, alguma vez foi diferente?
Wazari gemeu, sentindo-se desamparado e a ponto de desistir. Desde que Zataki lhe dera aquela surra, quebrando-lhe o nariz, ele não conseguia respirar direito, tinha perdido quatro dentes, sentia uma dor de cabeça constante e estava sem ânimo e sem coragem. Ele nunca tinha apanhado antes. "Pé quente" e Kia eram ambos culpados, e daí? O que é que você tem com isso? E agora a sua estupidez vai acabar com você.