— Ele disse isso daquela forma bem casual, tipicamente britânica, que só um outro inglês pode compreender que significa 'com urgência'.
NO ESCRITÓRIO DA S-G: Gavallan respondeu:
— Irei imediatamente, sr. Sinclair, obrigado. Scot viu a expressão dele.
— Mais problemas, papai?
— Não sei. Chame-me se houver alguma coisa. — Na porta, Gavallan parou. — Droga, eu me esqueci de Newbury. Ligue para ele e veja se ele está livre hoje à tarde. Eu irei à casa dele, ou a qualquer outro lugar. Combine qualquer coisa. Se ele quiser saber o que está acontecendo, diga apenas: seis em sete até agora, um aguardando e dois faltando. — E saiu apressado, dizendo: — Até logo, Manuela. Scot, tente o Charlie de novo, descubra onde ele se enfiou.
— Certo. — Agora eles estavam sozinhos, Scot e Manuela. O ombro dele estava doendo e incomodando cada vez mais. Ele tinha visto a depressão dela.
— Dubois vai aparecer, você vai ver — ele disse, tentando parecer confiante e disfarçar o seu próprio temor de que eles estivessem perdidos. — E nada poderia matar o velho Fowler.
— Oh, eu espero que sim — ela respondeu, quase chorando. Ela tinha visto o marido vacilar e sabia o quanto ele estava sofrendo. Daqui a pouco eu vou ter que sair para o hospital e o farsi que vá para o diabo. — É a espera.
— Só mais algumas horas, Manuela, mais dois pássaros e cinco pessoas. Então poderemos comemorar. — Scot acrescentou, torcendo e pensando: Então o velho vai tirar este peso dos ombros e vai viver mais mil anos.
Meu Deus, desistir de voar? Eu adoro voar e não quero fazer trabalho burocrático. Passar uma parte do ano em Hong Kong seria ótimo, mas e Linbar? Eu não posso lidar com Linbar! O velho vai ter que lidar com ele — eu ficaria perdido...
E a velha e incômoda pergunta veio-lhe à mente: O que eu faria se o velho não estivesse por perto? Um arrepio percorreu-o. Não sei quando, mas isto vai acontecer algum dia... Pode acontecer a qualquer momento. Olhe para Jordon, Talbot — ou Duke ou eu — uma diferença de milímetros e você está morto — ou vivo. A vontade de Deus? Carma? Destino? Não sei e não quero saber! Tudo o que sei é que desde que fui ferido eu mudei, a minha vida inteira mudou, a certeza que eu tinha de que nada poderia me atingir desapareceu para sempre e tudo o que restou foi uma certeza gelada, terrível, de ser muito mortal. Meu Deus, será que isto sempre acontece? Será que Duke está sentindo a mesma coisa?
Ele olhou para Manuela. Ela estava olhando fixamente para ele.
— Desculpe, eu não estava ouvindo — ele disse, e começou a ligar para Newbury.
— Eu estava dizendo: "Não são três pássaros e oito pessoas? Você se esqueceu de Erikki e Azadeh, nove se contar com Xarazade."
TEERÃ, NA CASA DOS BAKRAVAN: 13:14H. Xarazade estava em pé, nua, em frente ao espelho comprido do seu banheiro, examinando o perfil da sua barriga, vendo se esta estava mais redonda. Naquela manhã ela tinha notado que os bicos dos seus seios estavam mais sensíveis e que os seios pareciam maiores.
— Não precisa se preocupar — tinha dito Zarah, a mulher de Meshang. — Daqui a pouco você vai estar igual a um balão e chorando porque nunca mais vai conseguir entrar nas suas roupas e porque está horrorosa! Não se preocupe, você vai voltar a entrar na sua roupa e não vai ficar horrorosa.
Xarazade estava muito feliz, começou a cantarolar e franziu a testa, chegando mais perto do espelho para ver se tinha alguma ruga, olhando-se de todos os lados, experimentando deixar os cabelos soltos, prendê-los para cima, enrolados ou puxados para o lado, muito satisfeita com o que via. As manchas roxas estavam desaparecendo. Seu corpo já estava quase seco do banho e ela passou talco e vestiu a roupa de baixo.
Jari entrou.
— Oh, princesa, a senhora ainda não está pronta? Sua eminência, o seu irmão, está sendo esperado a qualquer momento para o almoço e a casa inteira está com medo de que ele esteja com um dos seus acessos de raiva, oh, por favor, ande depressa, nós não queremos agitá-lo, queremos?...
Automaticamente, ela tirou a tampa da banheira e começou a arrumar as coisas, resmungando e apressando Xarazade. Em poucos instantes, Xarazade estava pronta. Meias — não havia meia-calça no mercado há meses, nem no mercado negro — ela não precisava de sutiã. Um vestido parisiense de cashmere azul com um casaco de mangas curtas combinando. Uma rápida escovadela nos cabelos naturalmente ondulados e eles ficaram perfeitos, um pequeno toque de cor nos lábios, um traço de kohl em volta dos olhos.
— Mas, princesa, a senhora sabe que o seu irmão não gosta de maquilagem!
— Oh, mas eu vou sair e Meshang não é... — Xarazade ia dizer meu pai, mas parou, sem querer relembrar a tragédia. Papai está no paraíso, disse para si mesma com firmeza. O Dia do Luto, o quadragésimo depois da morte é só daqui a 25 dias e até lá eu tenho que continuar vivendo.
E amando?
Ela não tinha perguntado a Jari o que havia acontecido no café no dia em que a havia mandado lá para dizer a ele que seu marido tinha voltado e que o que nunca havia começado estava acabado. Onde estará ele, será que continuará a visitar-me em sonhos?
Houve uma comoção lá embaixo, e viram que Meshang havia chegado. Ela se olhou uma última vez e depois foi encontrá-lo.
Depois da noite da sua briga com Lochart, Meshang tinha-se mudado para a casa com a família. A casa era muito grande, Xarazade tinha conservado os seus aposentos e estava contente com a algazarra que Zarah e as crianças faziam nos aposentos, espantando o silêncio e a tristeza que existiam lá antes. Sua mãe agora era uma reclusa, vivia na sua própria ala da casa, servida apenas pela sua criada particular, rezando e chorando quase o dia inteiro. Sem sair nunca, sem convidar nenhum deles para visitá-la.
— Deixem-me em paz! Deixem-me em paz! — Era tudo o que ela dizia por trás da porta trancada.
Durante as horas que Meshang passava dentro de casa, Xarazade, Zarah e as outras pessoas da família tinham o cuidado de agradá-lo e bajulá-lo.
— Não se preocupe — Zarah tinha dito a ela. — Ele vai ser dominado logo logo. Ele acha que eu esqueci que ele me insultou e me bateu e tem a coragem de se mostrar com a prostitutazinha que aquele filho de um cão do Kia usou para tentá-lo! Oh, não se preocupe, Xarazade querida, eu vou me vingar
— ele tratou você muito mal... e também o seu marido. Logo nós vamos poder viajar de novo... Paris, Londres, até Nova York... eu duvido que ele tenha tempo para nos acompanhar e então, oh, então nós vamos nos esbaldar, vamos usar roupas transparentes e ter cinqüenta admiradores cada uma!
— Não sei quanto a Nova York. Expormo-nos a todos os perigos de Satã
— tinha dito Xarazade. Mas no fundo do coração ela tremia de excitação com a idéia. Eu irei para Nova York com o meu filho, ela prometeu a si mesma. Tommy estará lá. Logo estaremos levando uma vida normal, o poder dos mulás sobre Khomeini desaparecerá, que Deus abra os olhos dele, eles deixarão de controlar os Faixas Verdes, o Komiteh Revolucionário será dissolvido, nós teremos um governo islâmico verdadeiramente democrático e justo sob a liderança do primeiro-ministro Bazargan, os direitos da mulher nunca mais serão violados, o Tudeh não será mais considerado fora da lei, mas trabalhará para todos nós, e haverá paz na terra, como ele disse que ia acontecer. Estou feliz por ser quem sou, pensou Xarazade.
— Olá, Meshang querido, como você está com boa aparência hoje, mas tão cansado, oh, você não deve trabalhar tanto por nós todos. Deixe-me servir-lhe mais um pouco de limonada, exatamente como você gosta.
— Obrigado. — Meshang estava deitado nos tapetes, recostado nas almofadas, sem sapatos, comendo. Havia um pequeno braseiro pronto para cozinhar os kebabs e havia vinte ou trinta pratos de horisht e arroz e legumes e frutas cristalizadas ao alcance dele. Zarah estava ali perto e fez sinal para Xarazade sentar-se no tapete ao lado dela.