— O seu divórcio não representa nenhum problema, nem o seu novo casamento.
Ela o olhou, sem fala.
— Sim, eu concordei em lhe dar um dote muito maior do que pretendia.
— Ele ia dizer 'para uma mulher divorciada duas vezes e que está carregando o filho de um infiel', mas ela era sua irmã e aquele era um ótimo casamento, então ele não disse nada. — O casamento será na próxima semana e ele a admira há anos, Sua Excelência Farazan.
Por um momento as duas mulheres mal puderam acreditar nos seus ouvidos. Xarazade enrubesceu, ainda mais confusa. Keyvan Farazan vinha de uma rica família de bazaris, tinha 28 anos, era bonito, tinha acabado de voltar da Universidade de Cambridge e os dois tinham sido amigos a vida inteira.
— Mas... eu pensei que Keyvan fosse se casar...
— Não é Keyvan — disse Meshang, irritado com a burrice dela. — Todo mundo sabe que Keyvan está noivo. Daranoush! Sua Excelência Daranoush Farazan.
Xarazade ficou perplexa. Zarah levou um susto e tentou disfarçar. Daranoush era o pai que, recentemente, tinha ficado viúvo da segunda mulher, que morrera de parto como a primeira, um homem muito rico, que tinha o monopólio do recolhimento do lixo de toda a área do bazar.
— Não... não é possível — ela murmurou.
— Oh, sim, é — disse Meshang, todo satisfeito, interpretando mal a surpresa dela. — Eu mesmo não acreditei quando ele propôs a idéia ao saber do seu divórcio. Com toda a sua riqueza e poder, nós dois, juntos, nos tornaremos o conglomerado mais poderoso do bazar, juntos...
Xarazade exclamou:
— Mas ele é horrível, baixo e velho, velho e careca e feio e gosta de garotos e todo mundo sabe que ele é um ped...
— E todo mundo sabe que você é divorciada duas vezes e que está grávida de um estrangeiro — Meshang explodiu — que você comparece a marchas de protesto e é desobediente, que a sua cabeça está cheia de besteiras ocidentais e que você é burra! — Ele derrubou alguns pratos na sua fúria. — Você não compreende o que eu fiz por você? Ele é um dos homens mais ricos do bazar, eu o convenci a aceitá-la e agora você...
— Mas Meshang...
— Você não compreende, sua cadela ingrata — ele berrou — ele concordou até em adotar o seu filho! Em nome de Deus, o que mais você quer?
Meshang estava roxo, tremendo de raiva, sacudindo o punho fechado na cara de Xarazade, enquanto Zarah olhava para os dois, horrorizada com a fúria dele.
Xarazade não estava ouvindo nada, não estava vendo nada, só pensava no que Meshang tinha decretado para ela: o resto da vida ligada àquele homenzinho que era alvo das piadas de todos os bazaris, que fedia constantemente a mijo, que a engravidaria uma vez por ano para parir e viver e parir de novo até morrer de parto, como as duas outras mulheres. Nove filhos da primeira, sete da segunda. Ela estava destinada a isto. Não havia nada que pudesse fazer. Princesa do Lixo da Noite até morrer
Nada.
Nada, a não ser que eu morra agora, não por suicídio, pois neste caso eu não poderia entrar no paraíso e estaria condenada ao inferno. Suicídio não. Nunca. Suicídio não, mas morrer fazendo o trabalho de Deus, morrer com o nome de Deus nos lábios.
O quê?
BASE DE KOWISS: 13:47H. O coronel Changiz, o mulá Hussein e alguns Faixas Verdes saltaram do carro. Os Faixas Verdes se espalharam pela base enquanto o coronel e Hussein se dirigiam ao escritório.
No escritório, os dois funcionários que ainda estavam lá levaram um susto com a chegada repentina do coronel.
— Sim... sim, Excelência?
— Onde está todo mundo? — gritou Changiz. — Onde?
— Deus é testemunha de que não sabemos de nada, Excelência coronel, a não ser que Sua Excelência, o capitão Ayre foi levar algumas peças para a plataforma Abu Sal e que Sua Excelência, o capitão McIver foi para Teerã com Sua Excelência o ministro Kia e que Sua Excelência, o capitão Lochart foi procurar os 212 que estão vindo para cá e...
— Que 212?
— Os quatro 212 que Sua Excelência o capitão McIver mandou que viessem de Bandar Delam para cá com pilotos e pessoal e nós estamos nos preparando... nos preparando para recebê-los. — O funcionário, cujo nome era Ismael, se encolheu sob o olhar penetrante do mulá. Deus é testemunha de que o capitão foi sozinho, para procurar por eles sozinho, pois eles não têm HF e talvez um VHF pudesse alcançá-los lá em cima.
Changiz ficou enormemente aliviado. Ele disse para Hussein:
— Se os 212 estão vindo para cá, não há razão para todo este pânico. — Ele enxugou a testa. — Quando é que eles vão chegar?
— Imagino que seja logo, Excelência — disse Ismael.
— Quantos estrangeiros há na base neste momento?
— Eu... eu não sei, Excelência, nós... nós estamos trabalhando num relatório e...
Um Faixa Verde entrou correndo no escritório.
— Não encontramos nenhum estrangeiro, Excelência — ele disse para Hussein. — Um dos cozinheiros disse que os dois últimos mecânicos partiram com os helicópteros grandes hoje de manhã. Os operários iranianos disseram que os ouviram dizer que as equipes substitutas deveriam chegar no domingo ou na segunda.
— Sábado, Excelências, eles nos disseram que seria amanhã — corrigiu Ismael. — Mas os quatro 212 que estão chegando vão trazer mecânicos a bordo, bem como pilotos e mais pessoal, Sua Excelência McIver disse. O senhor está precisando de mecânicos?
O Faixa Verde estava dizendo:
— Alguns dos quartos... parece que os infiéis arrumaram as malas apressadamente, mas ainda há três helicópteros no hangar.
Changiz virou-se para Ismael.
— De que tipo?
— Um... não, dois 206 e um francês, um Alouette.
— Onde está o chefe do escritório, Pavoud?
— Ele estava doente, Excelência coronel, ele saiu daqui doente, logo depois da oração do meio-dia e foi para casa. Não foi, Ali? — ele disse para o outro colega.
— Sim, sim, ele estava doente e saiu dizendo que voltaria amanhã.
— O capitão McIver mandou que os helicópteros de Bandar Delam viessem para cá?
— Sim, sim, Excelência, foi isto que ele disse a Sua Excelência Pavoud, eu o ouvi dizer exatamente isto, com pilotos e mais pessoal, não foi, Ali?
— Sim, juro por Deus, foi isto que aconteceu, Excelência coronel.
— Está bem, já chega. — Para Hussein, o coronel disse: — Vamos falar com Lochart pelo rádio. — E para o funcionário ele perguntou: — O sargento Wazari está na torre?
— Não, Excelência coronel, ele voltou para a base pouco antes de Sua Excelência o capitão Lochart decolar para procurar os quatro 212 que deveriam estar chegando de...
— Chega! — O coronel pensou um momento e depois falou rudemente com o Faixa Verde: — Você! Mande o cabo ir correndo para a torre.
O jovem Faixa Verde enrubesceu com a grosseria e olhou para Hussein, que disse friamente:
— O coronel está pedindo para você fazer o favor de procurar o cabo Bor-gali e levá-lo para a torre, depressa.
Changiz começou a dizer:
— Eu não quis ser indelicado, é cia...
— É claro. — Hussein dirigiu-se para a escada que levava à torre. Changiz seguiu-o, bastante contrito.
Há meia hora havia chegado na base aérea um telex da torre de controle de Teerã, pedindo uma verificação imediata de todo o pessoal estrangeiro da CHI e dos helicópteros de Kowiss: "...fomos comunicados do desaparecimento de quatro 212 da base da CHI em Bandar Delam pelo Diretor Gerente da CHI, Siamaki, que acredita que eles possam ter sido levados ilegalmente do Irã para um dos Estados do Golfo."