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Pettikin viu-a afastar-se cheio de tristeza. Ele escutou as instruções finais de Andy.

— Sim, sim, é claro — disse. — Não se preocupe, Andy, eu me encarrego de... eu me encarrego de Ross, e ligarei assim que eles surgirem no radar. É terrível não saber de Dubois e Fowler, vamos ter pensamentos positivos e esperança. Quanto aos outros, é formidável. Até logo.

O fato de ter encontrado Ross o havia abalado. Assim que recebeu o telefonema de Gavallan naquela manhã, ele tinha corrido para o hospital. Por ser sexta-feira, a equipe estava reduzida ao mínimo, havia apenas um recepcionista de plantão e só falava árabe. O homem sorriu e deu de ombros e disse:

— Bokrah, amanhã. Mas Pettikin tinha insistido e no fim o homem tinha entendido o que ele queria e tinha dado um telefonema. No fim de algum tempo um enfermeiro chegou e fez um sinal para ele. Eles atravéssaram vários corredores e atravessaram uma porta e lá estava Ross nu numa mesa.

Foi o impacto, a nudez total, a aparência de profanação e a inexistência de um mínimo de dignidade o que tinha desesperado Pettikin, não a morte em si. Este homem que tinha sido bom em vida fora deixado ali como se fosse uma carcaça. Em outra mesa havia lençóis. Ele apanhou um e o cobriu e isto o fez sentir-se melhor.

Pettikin tinha levado mais de uma hora para encontrar a enfermaria onde Ross estivera, para localizar uma enfermeira que falasse inglês e para achar o médico.

— Sinto tanto, sinto tanto, senhor — o médico, um libanês, tinha dito num inglês hesitante. — O rapaz chegou ontem em coma. Ele estava com uma fratura de crânio e nós suspeitamos de lesão cerebral. Disseram-nos que ele foi atingido por uma bomba terrorista. Os dois tímpanos estavam rompidos e ele tinha alguns cortes e hematomas de menor importância. Nós o radiografamos, evidentemente, mas além de enfaixar-lhe a cabeça havia muito pouco a fazer a não ser esperar. Ele não tinha nenhum ferimento interno nem hemorragia. Ele morreu esta manhã ao nascer do dia. O alvorecer hoje foi bonito, não foi? Eu assinei o atestado de óbito, o senhor gostaria de ter uma cópia? Nós entregamos uma para a embaixada inglesa, junto com os pertences dele.

— Ele... ele recobrou a consciência antes de morrer?

— Eu não sei. Ele estava sob tratamento intensivo e a sua enfermeira... deixe-me ver... O médico consultou as suas listas e encontrou o nome dela. — Sivin Tahollah. Ah, sim. Nós a designamos para ele porque ele era inglês.

Ela era uma mulher idosa, fazia parte dos destroços do Oriente Médio, sem antepassados, parte de muitas nações. O seu rosto era feio e marcado de varíola, mas sua voz era gentil e tranqüilizadora, suas mãos cálidas.

— Ele não recobrou a consciência, Effendi. — Ela disse em inglês — não realmente.

— Ele disse alguma coisa em especial, alguma que a senhora pudesse entender, qualquer coisa?

— Muita coisa que eu pude entender, mas sem sentido, Effendi. — Ela pensou por um momento. — A maioria do que ele disse foram divagações, o espírito temendo o que não deveria temer, desejando o que não podia ter. Ele murmurou "azadeh". Azadeh significa "nascido em liberdade" em farsi, embora também seja um nome comum de mulher. Às vezes ele murmurava um nome parecido com "Erri" ou "Ekki" ou "kookri", e depois outra vez "azadeh". O seu espírito ainda não estava em paz, embora ele não tenha chorado ou gritado como alguns ao se aproximar do limiar.

— Houve mais alguma coisa?, qualquer coisa? Ela brincou com o relógio que usava na lapela.

— De vez em quando seus pulsos pareciam incomodá-lo e quando eu os esfregava ele ficava calmo de novo. Durante a noite ele falou numa língua que eu nunca tinha ouvido antes. Eu falo inglês, um pouco de francês e muitos dialetos árabes, muitos. Mas esta língua eu nunca tinha ouvido antes. Ele falou de uma maneira melodiosa, misturada com divagações e

"azadeh", e às vezes palavras como... — Ela buscou na memória. — Como "regimento" e "edelweiss" e "highlands" ou "high land", e algumas vezes, ah, sim, palavras como "gueng" e "tens'ng", às vezes um nome como "Roses" ou "Rose Mountain", talvez não fosse um nome, mas um lugar mas parecia entristecê-lo. — Seus olhos velhos eram remelentos. — Eu já vi a morte muitas vezes, Effendi, muitas, sempre diferente e sempre igual. Mas a sua morte foi tranqüila e ele passou para o outro lado sem sofrimento. No último momento ele deu um grande suspiro. Eu acho que ele foi para o paraíso, se é que os cristãos vão para o paraíso, e encontrou a sua Azadeh...

65

TABRIZ — NO PALÁCIO DO KHAN: 15:40H. Azadeh caminhava vagarosamente pelo corredor em direção ao Salão, onde ia encontrar-se com o irmão, suas costas ainda a incomodavam por causa da explosão da granada na véspera. Deus do Céu, foi apenas ontem que os nativos e Erikki quase nos mataram?, pensou. Parece que foi há mil dias, e parece que já morreu há um ano-luz.

Era uma outra existência. Não havia nada de bom nela, exceto mamãe e Erikki e Hakim, Erikki e... Johnny. Uma existência de ódios e matança, terror e loucura, a loucura de viver como párias, Hakim e eu, cercados de maldade, loucura a barreira de Qazvin e aquele horrível mujhadin de cara redonda imprensado contra o carro, esmagado como uma mosca, loucura o nosso resgate feito por Charlie e o homem da KGB — como era o nome dele, ah, sim, Rakoczy — Rakoczy quase matando a todos nós, loucura o que houve em Abu Mard e que mudou a minha vida para sempre, loucura o que houve na base, onde passamos tempos tão bons, Erikki e eu, mas onde Johnny matou tanta gente tão depressa e com tanta crueldade.

Ela tinha contado tudo a Erikki na noite anterior — quase tudo.

— Na base ele... ele se tornou um animal assassino. Eu não me lembro de muita coisa, só de alguns flashes, de ter-lhe entregue a granada na aldeia, de vê-lo correr em direção à base... granadas e metralhadoras, um dos homens usando uma kookri, depois Johnny levantando a sua cabeça decepada e urrando como um espírito mau... Agora eu sei que a kookri era de Gueng. Johnny me contou em Teerã.

— Não diga mais nada agora. Deixe para amanhã, deixe o resto para amanhã, minha querida. Vá dormir, você está a salvo agora.

— Não. Eu tenho medo de dormir, mesmo agora nos seus braços, mesmo com as ótimas novidades sobre Hakim, quando eu durmo eu volto à aldeia, volto a Abu Mard e o mulá está lá, aquele maldito, o calânder está lá, o açougueiro está lá com a sua faca de trinchar.

— Não há mais aldeia nem mulá, eu estive lá. Não há mais nem calânder nem açougueiro. Ahmed contou-me a respeito da aldeia, parte do que houve lá.

— Você foi à aldeia?

— Sim, esta tarde, quando você estava descansando. Eu peguei um carro e fui até lá. Só há destroços e cinzas. Ainda bem — Erikki tinha dito com ódio.

No corredor, Azadeh parou um momento e se segurou na parede até passar a crise de tremedeira. Tanta morte, matança e horror. Ontem, quando ela tinha chegado na escada no palácio e vira Erikki na cabine, com o sangue escorrendo pelo rosto e pingando da manga, com Ahmed encolhido ao seu lado, ela quase morrera e depois, ao vê-lo saltar e caminhar ereto para ela e levantá-la nos braços, ela revivera, pondo para fora todos os seus temores junto com as lágrimas.

— Oh, Erikki, oh, Erikki, eu tive tanto medo, tanto...

Ele a carregara para o salão e o médico estava lá com Hakim, Robert Armstrong e o coronel Fazir. Uma bala arrancara parte da orelha esquerda de Erikki, outra passara de raspão pelo seu braço. O médico cauterizara as feridas e fizera um curativo nelas, aplicando-lhe soro antitetânico e penicilina, com mais medo de infecção do que da perda de sangue.

— Insha'Allah, mas não há muito mais que eu possa fazer, capitão, o senhor é forte, o seu pulso está bom, um cirurgião plástico pode melhorar a aparência da sua orelha, a sua audição não foi afetada, graças a Deus! Tome cuidado apenas com a infecção...