A voz de Ayre, seca demais, disse:
— Afastem-se aí embaixo, eu vou descer no heliporto.
Eles viram o 212 da esquerda se afastar ligeiramente e começar a perder altitude, calculando a distância, com o motor tossindo. Os bombeiros se prepararam. McIver manteve o curso e a altitude, para ter uma chance maior se os seus dois motores parassem
— Merda — Pettikin murmurou involuntariamente, vendo Ayre se aproximar depressa, depressa demais, mas então ele reverteu ao máximo e pousou bem no meio do círculo, em segurança, com McIver começando o seu pouso de emergência. Pelo amor de Deus, por que ele está voando sozinho e onde está Tom Lochart? Sem espaço para manobrar, todo mundo prendendo a respiração, e então os esquis tocaram o chão e neste momento os motores morreram.
Bombeiros, em contato com o aeroporto pelo rádio, comunicaram fim da emergência, começaram a guardar o equipamento e Pettikin já estava agarrando a mão de McIver correndo depois até Ayre para fazer o mesmo. Genny ficou em pé ao lado da cabine de McIver, sorrindo para ele, radiante
— Olá, Duncan — disse Genny, tirando o cabelo dos olhos. Fez boa viagem?
— A pior que eu já fiz, Gen — ele respondeu, tentando sorrir, ainda não refeito de todo. — De fato, nunca mais quero voar, nunca mais quero pilotar, que Deus me ajude! Eu ainda vou checar o Scrag, mas só uma vez por ano.
Ela riu e deu-lhe um abraço desajeitado e o teria largado, mas ele continuou abraçado com ela, cheio de amor, tão aliviado por vê-la de novo e por estar no chão, com seu passageiro são e salvo, com o aparelho em segurança, que sentiu vontade de chorar
— Você está bem, amor?
Isso a fez chorar. Ele não a chamava assim há meses, talvez anos. Ela o abraçou ainda mais apertado.
— Agora veja só o que você me fez. — Ela encontrou um lenço, soltou-o e depois beijou-o de leve. — Você merece um uísque com soda. Dois, e bem grandes! — Pela primeira vez ela notou a palidez dele. — Você está bem, querido?
— Sim. Acho que sim. Estou um pouco abalado. — McIver olhou para Pettikin, que ria e conversava animadamente com Ayre, enquanto o motorista do caminhão-tanque já tinha começado a abastecer os helicópteros. Mais adiante, um carro de aparência oficial estava se aproximando.
— E quanto aos outros, o que aconteceu?
— Está todo mundo em segurança, exceto Marc Dubois e Fowler Joines. Eles ainda estão desaparecidos. — Ela contou que sabia a respeito de Starke, Gavallan, Scragger, Rudi e seus homens. — Uma novidade fantástica é que Newbury, um funcionário do consulado em Al Shargaz, recebeu uma mensagem de Tabriz dizendo que Erikki e Azadeh estão em segurança na casa do pai dela, mas o pai está morto, parece, e agora o irmão dela é o khan.
— Meu Deus, isto é maravilhoso! Então nós conseguimos, Gen!
— Sim, sim, conseguimos, maldito vento. — Ela tornou a tirar o cabelo dos olhos. — E Andy, Charlie e os outros acham que Dubois tem uma boa chan... — Ela parou, e sua alegria foi se extinguindo, ao perceber, sur bitamente, o que havia de errado. Ela se virou e olhou para o outro 212
— Tom? Onde está Tom Lochart?
AO SUL DE TEERÃ: 17:10H. O poço de petróleo deserto ficava numas colinas desertas a cerca de cento e cinqüenta quilômetros de Teerã. Lochart o conhecia dos velhos tempos, o seu 206 estava estacionado ao lado da bomba de combustível e ele tinha reabastecido manualmente o aparelho e já estava quase terminando.
Era uma estação intermediária para os helicópteros que serviam àquela região, parte do grande oleoduto setentrional que, em épocas normais, abrigava uma equipe de manutenção iraniana. Numa cabana tosca havia alguns beliches para se passar a noite caso alguém fosse apanhado por uma das tempestades súbitas que eram muito comuns ali. Os donos originais do local, britânicos, o haviam chamado de 'D'Arcy 1908' para homenagear um inglês com este nome que fora o primeiro a descobrir petróleo no Irã, naquele ano. Agora pertencia à IranOil, mas tinha mantido tanto o nome quanto os tanques de combustível cheios.
Graças a Deus por isso, Lochart tornou a pensar já cansado de bombear combustível. No local de encontro, na costa, ele tinha atirado dois tambores vazios de duzentos litros no banco de trás, para o caso de D'Arcy 1908 estar aberto, e conseguira uma bomba provisória. Ainda havia combustível suficiente na costa para usar quando estivessem saindo do Irã, e Xarazade poderia manejar a bomba durante o vôo.
— Agora nós temos uma chance — disse alto, sabendo onde pousar, como guardar o helicóptero em segurança e como entrar em Teerã.
Estava confiante outra vez, fazendo planos, pensando no que dizer a Meshang, o que evitar, o que dizer a Xarazade e como iam escapar. Tem que haver um jeito dela receber a sua parte da herança, o bastante para lhe dar a segurança de que ela precisa...
A gasolina transbordou dos tanques cheios até a boca, e ele praguejou por sua falta de cuidado, tampou-os cuidadosamente e enxugou o excesso. Agora estava pronto, os tambores do banco de trás já estavam cheios e a bomba no lugar.
Numa das cabanas ele achou algumas latas de carne e comeu uma delas — impossível comer e pilotar, a não ser que fosse com a mão esquerda, e ele estava há tempo demais no Irã para fazer isso — depois apanhou a garrafa de cerveja que tinha deixado na neve para gelar e tomou-a devagar. Havia água num barril. Ele quebrou o gelo e jogou água no rosto para refrescar-se, mas não ousou bebê-la. Enxugou o rosto. Sentiu a barba espetando e tornou a praguejar, querendo estar com boa aparência para ela. Então lembrou-se da maleta de vôo e dos aparelhos de barbear que havia lá. Um deles era a pilha. Ele o encontrou.
— Você pode fazer a barba em Teerã — disse para o seu reflexo na janela da cabine, ansioso por partir.
Um último olhar em volta. Neve, pedras e nada mais. Lá longe ficava a estrada Qom—Teerã. O céu estava encoberto mas o teto estava alto. Alguns pássaros voavam lá em cima. Aves de rapina, pensou, fechando o cinto de segurança.
TEERÃ — NA CASA DOS BAKRAVAN: 17:15H. Uma porta se abriu no muro e duas mulheres saíram, cobertas de chador e véu, Xarazade e Jari estavam irreconhecíveis. Jari fechou a porta e foi andando apressadamente atrás de Xarazade, que avançava rapidamente no meio da multidão.
— Princesa, espere... não há pressa...
Mas Xarazade não diminuiu o passo até virar a esquina. Então parou e ficou esperando impacientemente.
— Jari, vou deixá-la agora — disse, não dando tempo a Jari de interrompê-la. — Não vá para casa, mas encontre-me no café, você sabe qual, às seis e meia, espere por mim se eu me atrasar
— Mas princesa... — Jari mal podia falar. — Mas Sua Excelência Meshang... a senhora disse a ele que nós íamos ao médico e não...
— No café por volta das seis e meia, sete horas, Jari! — Xarazade saiu andando depressa, atravessou o tráfego perigosamente para evitar que a empregada a seguisse, entrou num beco, depois em outro e logo estava livre.
— Eu não vou me casar com aquele homem horrível, não vou, não vou, não vou! — murmurou alto.
A zombaria começara já naquela tarde, embora tivesse sido apenas no almoço que Meshang anunciara o grande mal. A sua melhor amiga tinha chegado há uma hora atrás para perguntar se eram verdadeiros os boatos de que Xarazade ia se casar com um membro da família Farazan.
— O bazar só fala nisso, Xarazade querida, eu vim imediatamente para dar-lhe os parabéns.
— O meu irmão tem muitos planos, agora que eu estou quase divorciada — ela tinha dito displicentemente. — Eu tenho muitos pretendentes.
— É claro, é claro, mas o boato é de que o dote já foi combinado.