— É uma droga, Scrag, mas é verdade. — Ele agarrou o telefone e tornou a largá-lo. — Vocês todos já fecharam as contas no hotel?
— Sim, Kasigi vai nos encontrar no aeroporto, no portão de embarque. Mandei a nossa bagagem para o terminal e despachei tudo. Podemos ficar aqui até o último momento.
Gavallan ficou olhando para o aeroporto. O movimento era normal.
— Eu não sei o que fazer, Scrag. Não sei mais o que fazer
NO POSTO POLICIAL DA ALDEIA TURCA: 17:18H. — ...como o senhor quiser, effendi. O senhor vai tomar as providências necessárias? — O major disse respeitosamente no telefone. Ele estava sentado na única escrivaninha do pequeno escritório, o sargento em pé ali perto, a faca e o kookri de Erikki em cima da escrivaninha. — ...Ótimo. Sim... sim, eu concordo. Salaam. — Ele desligou, acendeu um cigarro e se levantou. — Eu estarei no hotel.
— Sim, effendi. — Os olhos do sargento brilharam, divertidos, mas ele disfarçou cuidadosamente. Observou o major endireitar a jaqueta e o cabelo e colocar o fez, invejando-lhe o posto e o poder. O telefone tocou.
— Sim, é da polícia. Oh, alô, sargento. — Ele ouviu, cada vez mais espantado. — Mas... sim, muito bem. — Desligou, perplexo. — Era... era o sargento Urbil, da fronteira, major. Há um caminhão da Força Aérea Iraniana com Faixas Verdes e um mulá a caminho para levar o prisioneiro e a moça de volta para o Irã.
O major explodiu.
— Em nome de Deus, quem foi que permitiu que inimigos passassem pela fronteira sem autorização? Há ordens expressas a respeito de mulás e revolucionários.
— Eu não sei, effendi—disse o sargento, assustado com o acesso de raiva do major. — Urbil disse apenas que eles tinham papéis oficiais e que insistiram. Todo mundo sabe do helicóptero iraniano e ele os deixou passar.
— Eles estão armados?
— Ele não disse, effendi.
— Pegue os seus homens, todos eles, armados de metralhadoras
— Mas... e quanto ao prisioneiro?
— Esqueça-o! — O major disse e saiu xingando.
NOS ARREDORES DA ALDEIA: 17:32H. O caminhão da Força Aérea Iraniana era um veículo de tração nas quatro rodas, parte tanque e parte carroceria, e entrou na estrada lateral que era pouco mais que uma trilha na neve, trocou de marcha e se dirigiu para o 212. O sentinela que estava perto foi ao encontro deles.
Meia dúzia de jovens armados, usando braçadeiras verdes, saltaram, seguidos de três oficiais uniformizados da Força Aérea e de um mulá. O mulá pendurou o seu Kalashnikov no ombro.
— Salaam. Estamos aqui para tomar posse da nossa propriedade em nome do imã e do povo — o mulá disse, cheio de importância. — Onde estão o raptor e a mulher?
— Eu... eu não sei de nada. — O policial estava assustado. Suas ordens eram claras: montar guarda e manter todo mundo a distância até ordem em contrário. — É melhor irem primeiro ao posto policial para se informarem. — Ele viu um dos aviadores abrir a porta da cabine de comando e olhar para dentro, enquanto os outros dois desenrolavam as mangueiras para reabastecei o helicóptero. — Ei, vocês três, ninguém pode se aproximar do helicóptero sem permissão!
O mulá ficou na frente dele.
— Aqui está a nossa permissão! — Ele sacudiu os papéis na cai a ao poli ciai e isto o abalou ainda mais, pois não sabia ler.
— É melhor irem primeiro ao posto policial — ele gaguejou, depois, com imenso alívio, viu o carro da polícia se aproximando, vindo da aldeia. O carro derrapou na neve, deslizou alguns metros e parou. O major, o sargento e dois policiais saltaram, com as armas na mão. Cercado pelos seus Faixas Verdes, o mulá aproximou-se deles, sem medo.
— Quem é você? — O major perguntou asperamente.
— Mulá Ali Miandiry do komiteh de Khoi. Nós viemos buscar a nossa propriedade, o raptor e a mulher, em nome do imã e do povo.
— Mulher? Você se refere a Sua Alteza, a irmã de Hakim Khan?
— Sim. Ela
— Imã? Que imã?
— O imã Khomeini, que a paz esteja com ele
— Ah, o aiatolá Khomeini — o major disse, ofendido pelo título. — Que 'povo'?
O mulá estendeu-lhe os papéis com a mesma agressividade
— O povo do Irã. Aqui está a nossa autorização.
O major apanhou os papéis e leu-os rapidamente. Havia dois, escritos em farsi. O sargento e seus dois homens haviam-se espalhado, cercando o caminhão, com as metralhadoras na mão. O mulá e os Faixas Verdes olharam desdenhosamente para eles.
— Por que eles não estão escritos na forma correta, legal? — O major perguntou. — Onde está o carimbo da polícia e a assinatura do chefe de polícia de Khoi?
— Nós não precisamos disso. Estão assinados pelo komiteh.
— Que komiteh! Eu não sei de nada a respeito de komitehs.
— O Komiteh Revoluncionario de Khoi tem autoridade sobre esta área e sobre a polícia.
— Esta área? Esta área é a Turquia.
— Eu me refiro à área próxima à fronteira.
— Com que autoridade? Onde está a sua autoridade? Mostre-me Os rapazes ficaram irritados.
— O mulá já mostrou isso — um deles disse agressivamente. — O komiteh assinou o papel.
— Quem o assinou? Você?
— Fui eu — disse o mulá. — É legal. Perfeitamente legal. O komiteh é a autoridade. — Viu o pessoal da Força Aérea olhando para ele. — O que vocês estão esperando? Reabasteçam o helicóptero!
Antes que o major pudesse dizer alguma coisa, um deles falou respeitosamente:
— Desculpe-me, Excelência, o painel está todo quebrado, alguns dos instrumentos não estão funcionando. Não podemos voar com ele até que tenhamos feito uma revisão. Seria mais seguro..
— O infiel pilotou de Tabriz até aqui, viajando de dia e de noite, pousou em segurança, então por que vocês não podem pilotá-lo de dia?
— É só que seria mais seguro fazer uma revisão antes de levantar vôo, Excelência.
— Mais seguro? Por que mais seguro? — Um dos Faixas Verdes perguntou asperamente, aproximando-se dele — Nós estamos nas mãos de Deus, fazendo o trabalho de Deus. Você quer atrasar o trabalho de Deus e deixar o helicóptero aqui?
— É claro que não, é cl...
— Então obedeça ao nosso mulá e reabasteça-o! Agora!
— Sim, sim, é claro — disse o piloto, humildemente. — Como quiser.
— Rapidamente, os três obedeceram. O major ficou chocado ao ver que o piloto, um capitão, deixava-se mandar tão facilmente pelo jovem arruaceiro que agora olhava para ele desafiadoramente.
— O komiteh tem jurisdição sobre a polícia, aga — o mulá estava dizendo.
— A polícia serviu ao Satã xá e é suspeita. Onde está o raptor e a... a irmã do khan?
— Que autoridade você tem para atravessar a fronteira e fazer exigências? — O major estava furioso.
— Em nome de Deus e do imã Khomeini, isto é autoridade suficiente! — O mulá apontou para os papéis. Um dos rapazes empunhou a arma.
— Não faça isso — o major avisou. — Se você disparar um único tiro no nosso solo, as nossa forças invadirão a fronteira e queimarão tudo o que houver daqui a Tabriz!
— Se for a vontade de Deus! — O mulá encarou-o, com seus olhos escuros e cheios de determinação, desprezando o major e aquele regime decadente que ele e seu uniforme representavam para ele. Guerra agora ou mais tarde era a mesma coisa para ele, ele estava nas mãos de Deus e fazendo o trabalho de Deus e a Palavra do imã os levaria à vitória sobre todas as fronteiras. Mas agora não era hora de começar uma guerra, havia muito o que fazer em Khoi, esquerdistas para derrotar, revoltas para sufocar, os inimigos do Irã para destruir e, para isso, nessas montanhas, cada helicóptero era inestimável.
— Eu... peço permissão para tomar posse da nossa propriedade — prosseguiu mostrando-se mais razoável. Ele apontou para as letras. — Este registro é nosso, isto prova que ele nos pertence. Foi roubado do Irã. O senhor deve saber que ele não tinha permissão para sair do Irã, portanto, legalmente, ainda é nosso. A ordem de prisão — ele apontou para os papéis na mão do major — a ordem de prisão é legal, o piloto raptou a mulher, então nós tomaremos posse deles também. Por favor.