O major estava numa posição insustentável. Ele não podia de forma alguma entregar o finlandês e a mulher para um bando de foras-da-lei por causa de um pedaço de papel ilegal, isto seria uma grave negligência e custar-lhe-ia a cabeça. Se o mulá insistisse, ele seria obrigado a resistir e a defender o posto policial mas, obviamente, não tinha homens suficientes para isso e fatalmente cairia no confronto armado. Ele também estava convencido de que o mulá e os Faixas Verdes estavam preparados para morrer ali mesmo, o que não era o seu caso.
Então, resolveu arriscar:
— O raptor e Lady Azadeh foram levados para Van esta manhã. Para extraditá-los, vocês terão que se dirigir ao QG do Exército, não a mim. A... a importância da irmã do khan fez com que o Exército tomasse conta deles.
O mulá ficou pensativo. Um dos Faixas Verdes disse grosseiramente:
— Como vamos saber que isto não é mentira? - O major avançou para ele, o rapaz recuou um passo, os Faixas Verdes apontaram as armas de trás do caminhão, os pilotos, desarmados, atiraram-se no chão, apavorados e o major levou a mão ao revólver.
— Parem! — O mulá exclamou. Foi imediatamente obedecido, até mesmo pelo major, que ficou furioso consigo mesmo por ter permitido que o orgulho e que os seus reflexos sobrepujassem a sua autodisciplina. O mulá pensou por um momento, considerando as possibilidades. Então disse: — Nós vamos enviar uma solicitação a Van. Sim, vamos fazer isso. Mas não hoje. Hoje nós vamos apanhar o que nos pertence e partir. — E ficou lá, com os pés ligeiramente afastados, o rifle pendurado no ombro, extremamente confiante.
O major fez força para disfarçar o alívio. O helicóptero não tinha nenhum valor nem para ele nem para os seus superiores e era um enorme embaraço.
— Eu concordo que este registro seja iraniano — disse secamente. — Quanto a ser propriedade de vocês, eu não sei. Se você assinar um recibo, deixando em aberto a questão da propriedade, pode levá-lo e partir.
— Eu assinarei um recibo pelo nosso helicóptero.
Nas costas do mandado de prisão, o major escreveu um texto que o satisfazia e que talvez satisfizesse ao mulá. Este se virou e gritou para os aviadores que, apressadamente, começaram a enrolar as mangueiras, e o piloto ficou em pé ao lado da cabine, tirando a neve da roupa.
— Você está pronto, piloto?
— Agora mesmo, Excelência.
— Aqui está — disse o major, estendendo o papel para o mulá. Com mal disfarçado desprezo, este assinou sem ler.
— Você está pronto agora, piloto? — perguntou.
— Sim, Excelência. — O jovem piloto olhou para o major e o major viu ou achou que viu a infelicidade nos olhos dele e um pedido mudo por um asilo impossível de ser concedido. — posso ligar os motores?
— Ligue — o mulá disse rapidamente — é claro. — Em segundos, os motores pegaram e os rotores começaram a ganhar velocidade. — Ali e Abrim, vocês vão voltar para a base no caminhão.
Obedientemente, os dois rapazes entraram no caminhão junto com o motorista da Força Aérea. O mulá fez sinal para eles partirem e para os outros entrarem no helicóptero. Os rotores estavam girando velozmente e ele esperou até que todo mundo estivesse instalado na cabine, depois empunhou a arma, sentou-se ao lado do piloto e fechou a porta.
O 212 começou a se afastar. Zangado, o sargento apontou a metralhadora.
— Eu posso acabar com aqueles malditos bastardos, major.
— Sim, sim, nós poderíamos fazer isso — o major pegou a cigarreira. — Mas vamos deixar para Deus. Talvez Deus faça isso para nós. — Ele acendeu o isqueiro com as mãos trêmulas, tragou a fumaça e observou o caminhão e o helicóptero se afastarem. — Aqueles cães terão que aprender boas maneiras e levar uma lição. — Ele foi até o carro e entrou. — Deixem-me no hotel.
NO HOTEL: Azadeh estava debruçada na janela, examinando o céu. Ela tinha ouvido o 212 decolar, enchendo-se de esperança de que Erikki tivesse conseguido escapar.
— Oh, Deus permita que seja verdade..
Os aldeões também estavam olhando para o céu e agora ela também viu o helicóptero voando em direção à fronteira. Suas entranhas se reviraram. Será que ele trocou a liberdade dele pela minha? Oh, Erikki...
Então ela viu o carro da polícia entrar na praça e parar na frente do hotel. O major saltou, endireitando o uniforme. Seu rosto perdeu a cor. Resolutamente, ela fechou a janela e se sentou na cadeira, de frente para a porta, perto do travesseiro. Esperando. Esperando. Novos passos. A porta imediatamente se abriu.
— Siga-me — ele disse. — Por favor. Por um momento, ela não entendeu.
— O quê?
— Siga-me, por favor.
— Por quê? — Ela perguntou, desconfiada, suspeitando de uma armadilha e não querendo deixar a segurança do estilete escondido. — O que está acontecendo? O meu marido está pilotando o helicóptero? Ele está voltando? O senhor o mandou de volta? — Ela perdeu a coragem, com medo que Erikki tivesse se entregado em troca da segurança dela. — É ele que está pilotando?
— Não, o seu marido está na delegacia. Os iranianos vieram buscar o helicóptero e também vocês dois. — Agora que a crise tinha passado, o major estava se sentindo muito bem. — O helicóptero tinha registro iraniano e não tinha autorização para sair do Irã, portanto eles tinham direito a ele. Agora siga-me.
— Para onde, por favor?
— Eu achei que a senhora gostaria de ver o seu marido. — O major estava se divertindo em olhar para ela, se divertindo com o perigo, imaginando onde estaria escondida a arma. Essas mulheres têm sempre uma arma ou algum tipo de veneno, alguma espécie de morte espreitando pelo estuprador desavisado. É fácil escapar se você estiver preparado, se vigiar-lhes as mãos e não dormir. — Bem?
— Há... há iranianos na delegacia?
— Não. Isto aqui é a Turquia, não o Irã, não há nenhum estrangeiro esperando pela senhora. Vamos, não precisa ter medo.
— Eu... eu desço logo. Imediatamente.
— Sim, imediatamente. A senhora não precisa de bolsa, só sua jaqueta. Ande logo antes que eu mude de idéia. — Ele viu o lampejo de ódio nos olhos dela e se divertiu mais ainda. Mas desta vez ela obedeceu, com ódio, vestiu a jaqueta e desceu, odiando a sua impotência. Atravessou a praça ao lado dele, com vários olhos seguindo-os. Entrou na delegacia e foi levada para a mesma sala da véspera.
— Por favor, espere aqui.
Então ele fechou a porta e entrou no escritório. O sargento estendeu-lhe o telefone.
— É o capitão Tanazak, o oficial de serviço na fronteira, major.
— Capitão? Major Ikail. A fronteira está fechada para todos os mulás e Faixas Verdes até ordem em contrário. Prenda o sargento que deixou alguns deles passarem há duas horas e mande-o para Van. Há um caminhão iraniano voltando. Detenha-o por vinte horas, Dem como os homens que estão lá dentro. Quanto a você, está sujeito à corte marcial por ter deixado de cumprir instruções sobre homens armados! — Ele desligou e olhou para o relógio. — O carro está pronto, sargento?
— Sim, effendi.
— Ótimo. — O major saiu e foi até a cela, seguido pelo sargento. Erikki não se levantou. Só os seus olhos se mexeram. — Agora, sr. piloto, se estiver preparado para ficar calmo, controlado e não mais estúpido, vou trazer a sua mulher para vê-lo.
A voz de Erikki estava rouca.
— Se algum de vocês tocar nela, eu juro que os matarei.
— Eu concordo que deve ser difícil ter uma esposa assim. É melhor ter uma feia, a menos que ela seja mantida num purdah. Agora, o senhor quer vê-la ou não?