Para o inferno com tudo isso. Eu já estou cheio. Cristo, ela diz que odeia o Irã e tudo o que diz respeito ao Irã, mas não sabe nada a respeito do Irã, nunca saiu de Teerã, não quer sair, nem prova a comida e só visita umas poucas esposas inglesas — sempre as mesmas, uma minoria vulgar e intolerante, limitada, igualmente chateada e chata, com suas intermináveis partidas de bridge, seus intermináveis chás e seus "Mas querida, como você pode tolerar algo que não seja da Fortnums ou da Mark e Sparks?" — que adoram um convite para ir à embaixada britânica jantar mais um gorduroso rosbife com pudim de Yorkshire ou tomar chá com sanduíches de pepino e bolo, todas elas convencidas de que tudo que é inglês é o melhor do mundo, principalmente a cozinha britânica: cenouras cozidas, couve-flor cozida, batatas cozidas, repolho cozido, rosbife malpassado ou carneiro cozido demais como o ápice da perfeição...
— Oh, pobre Excelência, o senhor não parece nada feliz — ela tinha dito baixinho.
Tom olhara para ela e seu mundo se transformara.
— O que houve? — ela perguntou, com uma pequena ruga de preocupação no rosto oval.
— Desculpe — respondeu, por um instante sentindo-se desorientado, o coração disparando e com um aperto na garganta que nunca sentira antes. — Pensei que você fosse uma aparição, algo saído das Mil e uma noites, uma... — interrompeu-se, sentindo-se um tolo. — Sinto muito, estava a milhões de quilômetros daqui. Meu nome é Lochart, Tom Lochart.
— Eu sei — ela disse rindo. Tinha olhos castanhos luminosos. Seus lábios pareciam ter brilho, os dentes eram muito brancos, o cabelo escuro, comprido e ondulado e sua pele era da cor da terra iraniana, cor de oliva. Estava usando seda branca e um pouco de perfume e mal chegava à altura dos ombros dele. — O senhor é o terrível capitão que dá uma bronca no meu pobre primo Karim, pelo menos três vezes por dia.
— O quê? — Lochart estava achando difícil se concentrar. — Quem?
— Lá. — Ela apontou para o outro lado da sala. O jovem estava usando roupas civis e sorria para eles, e Lochart não o reconhecera como um dos seus alunos. Muito bonito, com cabelos escuros e encaracolados, olhos escuros e bem proporcionado. — O meu primo predileto, capitão Karim Peshadi, da Força Aérea Imperial iraniana. — Ela tornou a olhar para Lochart, com seus longos cí1ios negros. E novamente ele sentiu o coração disparar.
Controle-se, pelo amor de Deus! Que diabo está havendo com você?
— Eu, ahn, eu procuro não brigar com eles a não ser, ahn, a não ser que mereçam... é só para salvar a vida deles. — E tentava se lembrar da folha de serviços do capitão Peshadi, mas não conseguiu e, em desespero, passou a falar em farsi. — Mas, Alteza, se me der a estrema honra, se tiver a gentileza de conversar comigo e me conceder a honra de dizer o seu nome, eu prometo que... — Tentou encontrar a palavra certa, não conseguiu e substituiu. serei eterna-mente seu escravo, e é claro que farei com que Sua Excelência, o seu primo, passe com a nota máxima, na frente de todos os outros!
— Oh, Excelência — respondeu em farsi, batendo palmas, encantada. — Sua Excelência o meu primo não me disse que falava nossa língua! Oh, como as palavras ficam bonitas quando o senhor as pronuncia...
Quase fora de si, Lochart escutou os cumprimentos extravagantes que eram normais em farsi e ouviu-se respondendo da mesma forma — abençoando Scragger, que lhe dissera, há muitos anos atrás quando ele tinha entrado para a Sheila Aviation, depois de ter saído da RAF em 1965. “Se você quiser voar conosco, cara, é melhor aprender farsi porque eu não vou aprender!” — Pela primeira vez percebeu como o farsi era uma língua perfeita para falar de amor, para fazer insinuações.
— Meu nome é Xarazade Paknouri, Excelência.
— Então Sua Alteza saiu das Mil e uma Noites, afinal.
— Ah, mas não posso lhe contar nenhuma história, nem que jure que vai cortar minha cabeça! — E acrescentou em inglês, dando uma risada. — Eu era a ultima da minha classe em histórias.
— Impossível! — Contestou imediatamente.
— O senhor é sempre tão galante, capitão Lochart? — Os olhos dela o provocavam.
— Só com a mulher mais linda que eu já vi. — E ele se percebeu respondendo em farsi.
O rosto dela ficou vermelho. baixou os olhos e ele pensou, apavorado, que tinha estragado tudo, mas quando ela tornou a olhar para ele, seus olhos sorriam.
— Obrigada. O senhor tornou feliz uma velha senhora casada...
O copo lhe caiu das mãos e ele praguejou e apanhou-o, desculpando-se, mas ninguém notara, exceto ela.
— Você é casada? — deixou escapar, mas é claro que ela devia ser casada e, de qualquer modo, ele era casado e tinha uma filha de oito anos e não tinha direito algum de ficar aborrecido. Pelo amor de Deus, você está agindo como um lunático. Você enlouqueceu.
Então seus olhos e ouvidos entraram em foco.
— O quê? O que foi que disse?
— Oh, eu disse que fui casada... bem, ainda sou, por mais três semanas e dois dias, e que meu nome de casada é Paknouri. Meu nome de família é Bakravan... — Fez parar um garçom, apanhou um copo de vinho e deu a ele. Mais uma vez a ruga de preocupação — Tem certeza de que está bem, capitão?
— Oh, sim, oh, sim — respondeu rapidamente. — O que era mesmo que estava dizendo? Paknouri?
— Sim. Sua Alteza, emir Paknouri, era tão velho, tinha cinqüenta anos, era amigo do meu pai, e papai e mamãe acharam que seria bom para mim casar com ele e ele concordou, embora eu seja muito magra e não gorda e atraente, por mais que eu coma. É a Vontade de Deus. — Ela deu de ombros e sorriu e o mundo pareceu ficar mais brilhante. — Evidentemente eu concordei, mas com a condição que se não gostasse de estar casada depois de dois anos, nosso casamento terminaria. Então, no dia do meu 17º aniversário, nós nos casamos e eu não gostei logo de saída, e chorei e chorei e então, como não havia filhos depois de dois anos, nem depois do ano extra com que eu concordei, o meu marido, meu senhor, concordou gentilmente em se divorciar de mim e agora ele, graças a Deus, pode tornar a se casar e eu estou livre, mas infelizmente velha e...
— Você não é velha. Você é tão jovem..
— Oh, sim, velha!
Seus olhos estavam dançando e ela fingia estar triste, mas ele percebeu que ela não estava e se viu conversando com ela, rindo com ela, depois fazendo sinal ao seu primo para se juntar a eles, temendo que o primo fosse o homem da escolha dela, conversando com eles, aprendendo que seu pai era um importante bazaari, que sua família era grande, cosmopolita e bem relacionada, que a mãe era doente, que tinha irmãs e irmãos e que estudara na Suíça, mas só por meio ano, porque sentia muita saudade do Irã e da família. Depois jantou com eles, mostrando-se alegre e animado, mesmo com o general Valik, e foi a noite mais divertida que ele já tinha passado.
Ao deixar a festa, naquela noite, não foi para casa; tomou a estrada de Darband, subindo as montanhas, onde havia inúmeros cafés em belos jardins nas margens do rio, com mesas e cadeiras e divas suntuosamente estofados, onde se podia descansar, comer ou dormir, alguns deles projetados por sobre o rio, de modo que a água batia embaixo. E ficou deitado lá, olhando as estrelas, sabendo que estava diferente, sabendo que enlouquecera mas que seria capaz de vencer qualquer obstáculo, enfrentar qualquer provação, para se casar com ela.
E conseguira — embora o caminho tivesse sido duro e, muitas vezes, tivesse gritado de desespero.
— Em que está pensando, Tommy? — perguntou ela, sentando-se a seus pés, no lindo tapete que fora presente de casamento do general Valik.