— Há poucos minutos apenas. — Talbot apagou o cigarro e tossiu distraidamente. — Alô, Duncan! Bem, isto aqui está uma confusão, hein?
— Se está. — Gavallan olhou para o outro homem.
— Ah, posso lhe apresentar o sr. Armstrong?
— Olá — cumprimentou-o Gavallan, imaginando onde o vira antes e quem era ele, notando a dureza do olhar e o rosto forte. Aposto cinqüenta libras como ele é da CIA, se for americano, pensou. — O senhor também é da embaixada? — perguntou como quem não quer nada.
— Não, senhor — respondeu o homem, sorrindo.
Gavallan tinha preparado os ouvidos, mas não detectou um sotaque nem genuinamente inglês nem americano. Pode ser uma coisa ou outra, ou canadense, pensou, é difícil dizer com duas palavras.
— Você está aqui em missão oficial, George? — perguntou McIver.
— Sim e não. — Talbot foi andando para a porta que levava ao pátio do aeroporto, onde o carro de McIver estava estacionado, afastando-os dos ouvidos indiscretos. — Na verdade, assim que ouvimos o barulho do jato de vocês, nós, ahn, nós corremos para cá na esperança de que vocês pudessem levar, ahn, alguns despachos para o governo de Sua Majestade. O embaixador ficaria imensamente grato, mas, bem, nós chegamos bem na hora em que o avião estava decolando. Uma pena!
— Gostaria de ajudar no que for possível — disse Gavallan, também em voz baixa. — Talvez amanhã? — Viu o olhar trocado entre os dois homens e ficou imaginando o que mais estaria errado.
— Será possível, sr. Gavallan? — Perguntou Armstrong.
— É possível. — Gavallan chegou à conclusão que ele era inglês, embora sem muita certeza.
— Você vai partir com ou sem permissão do Irã, uma permissão oficial, nem passaporte? — Talbot sorriu e tossiu sem notar.
— Eu, ahn, tenho uma cópia da permissão. E outro passaporte. Eu pedi um de reserva, oficialmente, no caso de alguma eventualidade
— Irregular, mas prudente — suspirou Talbot. — Sim. Oh, aliás, eu gostaria muito de ter uma cópia da sua permissão para pousar.
— Talvez não seja uma idéia muito boa... oficialmente. Você nunca sabe o tipo de roubo que algumas pessoas andam fazendo hoje em dia.
— Se você, ahn, partir amanhã, nós ficaríamos gratos se tivesse a gentileza de levar o sr. Armstrong. Suponho que Al Shargaz será a sua primeira parada — disse Talbot.
— Isto é um pedido formal? — perguntou Gavallan, hesitante.
— Formalmente informal. — E Talbot sorriu.
— Com ou sem permissão do Irã, visto e passaporte?
— Você tem toda a razão em perguntar. — Disse Talbot dando uma risada. — Eu garanto que os papéis do sr. Armstrong estarão perfeitamente em ordem. — E acrescentou incisivamente para terminar a conversa: — Como você salientou, não há limites para os furtos que estão ocorrendo hoje em dia.
— Muito bem, sr. Armstrong, eu estarei na casa do capitão McIver. O senhor decide se quer entrar em contato comigo. O primeiro ETD será por volta das 17 horas, mas eu não vou ficar esperando. Está bem?
— Obrigado, senhor.
Mais uma vez, Gavallan prestou atenção no sotaque do homem, mas não conseguiu ter certeza.
— George, quando nós começamos a conversar, você disse, referindo-se àquele filho da mãe arrogante: "Ele está com toda a razão, sabe." Está com a razão a respeito de quê? Que agora eu vou ter que procurar ou me apresentar a alguma nebulosa autoridade em Teerã?
— Não. Que Bakhtiar renunciou e está escondido.
— Meu Deus, você tem certeza? — E os dois homens o olharam de boca aberta.
— Bakhtiar renunciou formalmente há umas duas horas atrás e, sabiamente, desapareceu. — A voz de Talbot era suave e calma, a fumaça do cigarro pontuava suas palavras. — Na verdade, a situação se tornou subitamene muito arriscada, daí a nossa, ahn, ansiedade em, bem, não importa. Ontem à noite, o chefe do Estado-Maior, general Ghara-Baghi, apoiado pelos generais, ordenou a todas as tropas que voltassem aos quartéis, declarando que as Forças Armadas, de agora em diante, eram 'neutras', deixando assim o primeiro-ministro totalmente indefeso e entregando o Estado a Khomeini.
— Neutras? — repetiu Gavallan, sem acreditar. — Isso não é possível. Não é possível. Eles estariam cometendo suicídio.
— Concordo, mas é verdade.
— Cristo!
— Evidentemente, apenas algumas unidades vão obedecer, outras vão lutar — disse Talbot. — Certamente a polícia e a Savak não foram afetadas por essa ordem; eles não vão desistir, embora a batalha agora esteja perdida. Insha'Allah, meu velho. Enquanto isso, muito sangue vai correr pelos esgotos, isto eu lhe garanto.
— Mas... se Bakhtiar... isso não significa que tudo terminou? — disse McIver, animando-se. — A guerra civil está terminada, graças a Deus. Os generais impediram um verdadeiro banho de sangue... um banho de sangue completo. Agora voltaremos à normalidade. Os problemas terminaram.
— Oh, não, meu caro — disse Talbot, com mais calma ainda. — Os problemas estão só começando.
NA PLATAFORMA BELLISSIMA: 18:35H. O pôr-do-sol foi glorioso, com nuvens colorindo o horizonte de vermelho, um céu límpido e claro, a estrela vésper brilhando, uma lua quase cheia. Mas fazia muito frio, a quatro mil metros de altitude, e como já estava escuro a leste, Jean-Luc teve dificuldade em enxegar o 212 que se aproximava.
— Lá vem ele, Gianni — Jean-Luc gritou para o perfurador.
Era a terceira viagem de Scot Gavallan. Todo mundo — operários, cozinheiros, três gatos, quatro cachorros e um canário que pertencia a Gianni Salubrio — já tinha sido transportado em segurança para a plataforma Rosa, com exceção de Mario Guineppa, que teimara em esperar até o fim, apesar da insistência de Jean-Luc, e de Gianni, Pietro e mais dois, que estavam ainda fechando a plataforma.
Jean-Luc ficou de olho no bloco que se mexia de vez em quando, dando-lhe arrepios na espinha. Quando o helicóptero voltou da primeira viagem, todo mundo tinha prendido a respiração por causa do barulho, embora Pietro lhes tivesse assegurado que aquilo não passava de lenda — só dinamite começaria uma avalanche, ou um Ato de Deus. E então, como que para desmenti-lo, o bloco tornou a se mover, só um bocadinho, mas o suficiente para fazer os que ainda estavam na plataforma se sentirem mal.
Pietro desligou o último interruptor e as turbinas dos geradores a diesel pararam. Cansado, enxugou o rosto, deixando uma mancha de óleo. Suas costas doíam, e suas mãos também, por causa do frio, mas o poço estava selado e tão seguro quanto possível. Lá adiante, sobre o abismo, viu o helicóptero se aproximando cautelosamente.
— Vamos embora — disse para os outros, em italiano. — Não há mais nada para fazer aqui. Mais nada, a não ser explodir aquele bloco de merda lá em cima.
Os outros se benzeram com irritação e foram andando para o helicóptero, deixando-o sozinho. Ele olhou para o cume.
— Você parece que está vivo — resmungou. — Um monte de merda monstruoso esperando para apanhar a mim e aos meus lindos poços. Mas você não vai conseguir, seu desgraçado!
Foi até o pequeno depósito de dinamite e apanhou os dois explosivos que tinha fabricado — seis bananas de dinamite em cada um, amarradas em volta de um pavio de trinta segundos. Cuidadosamente, colocou-os numa pequena sacola, com um isqueiro e fósforos.
— Mãe de Deus — rezou com simplicidade — faça com que estes desgraçados funcionem.
— Pietro! Ei, Pietro!
— Estou indo, estou indo, ainda temos muito tempo! — Lá fora, ele viu o rosto branco e assustado de Gianni. — O que foi?
— É Guineppa. É melhor dar uma olhada nele.
Mario Guineppa estava deitado de costas, com a respiração difícil e as pálpebras tremendo. Jean-Luc estava ao lado da cama, com a mão no pulso do homem.