— Você esteve presente a esse encontro? — perguntou Kasigi fechando a cara.
— Não, mas ele me contou o que tinha dito, que Gyokotomo-sama aceitara o relatório e dissera que ele mesmo o entregaria aos mais altos escalões, em Teerã e no Japão. Mas nada aconteceu, Kasigi-san. Nada.
— Onde está a cópia do relatório?
— Não há nenhuma cópia. No dia seguinte, antes de partir para Teerã, Gyokotomo ordenou que as cópias fossem destruídas. — Mais uma vez o homem deu de ombros. — A obrigação do engenheiro-chefe Kasusaka, e a minha, era e é construir a refinaria, quaisquer que fossem os problemas, e não interferir com o trabalho do Sindicato. — Watanabe acendeu outro cigarro com a ponta do anterior, tragou profundamente, apagou o outro delicadamente, com vontade de esmagá-lo, e de esmagar o cinzeiro, a mesa, o edifício e a refinaria, junto com aquele intruso do Kasigi que ousava interrogá-lo, que não sabia de nada, que nunca tinha trabalhado no Irã, e que tinha essa posição na companhia porque era parente dos Toda. — Ao contrário do engenheiro-chefe Kasusaka — ele acrescentou suavemente —, eu venho guardando as cópias dos meus relatórios mensais.
— So ka? — disse Kasigi, tentando parecer natural.
— Sim — Watanabe confirmou. E há cópias dessas cópias guardadas em lugar bem seguro, pensou, apanhando uma pasta grossa na sua maleta e colocando-a em cima da mesa, caso você tente responsabilizar-me pelos fracassos. — O senhor pode lê-los se quiser.
— Obrigado — com esforço, Kasigi resistiu à tentação de agarrar a pasta imediatamente.
Watanabe esfregou o rosto fatigado. Tinha ficado acordado a maior parte da noite, preparando-se para este encontro.
— Quando voltarmos ao normal, o trabalho vai progredir rapidamente. Estamos com oitenta por cento do trabalho prontos. Estou confiante de que poderemos terminar, com planejamento correto. Está tudo nos meus relatórios, inclusive a questão do encontro de Kasusaka com os sócios e depois com Gyokotomo-sama.
— O que você sugere como uma solução global para a Irã-Toda?
— Não pode haver nenhuma enquanto não voltarmos ao normal.
— Estamos voltando agora. Você ouviu a transmissão.
— Eu ouvi, Kasigi-san, mas normal para mim significa quando o governo de Bazargan estiver inteiramente sob controle.
— Isso acontecerá em poucos dias. E a sua solução?
— A solução é simples: arranjar novos sócios que queiram cooperar, arranjar o financiamento de que precisamos, e dentro de um ano, em menos de um ano, estaremos produzindo.
— Os sócios podem ser mudados?
— Os antigos foram todos apontados ou aprovados pela corte, portanto homens do xá, agora, portanto, suspeitos e inimigos — disse Watanabe com uma voz tão fina quanto os seus lábios. — Nós não vimos nem um deles depois que Khomeini voltou, nem ouvimos falar mais deles. Ouvimos boatos de que tinham todos fugido mas... — Watanabe sacudiu seus ombros enormes. — Não tenho nenhum meio de checar sem telex, sem telefones, sem transporte. Duvido que os novos 'sócios' tenham uma atitude diferente.
Kasigi concordou com a cabeça e olhou pela janela, sem ver nada. Era fácil culpar iranianos e homens mortos e reuniões secretas e relatórios destruídos. O presidente Yoshi Gyokotomo nunca mencionara nenhum encontro com Kasusaka nem nenhum relatório por escrito. Por que Gyokotomo omitiria um relatório tão vital? Ridículo, porque ele e sua companhia estão correndo o mesmo risco que a nossa. Por quê? Se Watanabe estiver dizendo a verdade, e seus relatórios puderem provar isso, por quê?
Então, por um momento que Watanabe notou, o rosto de Kasigi desmoronou ao perceber a resposta: porque o enorme orçamento e o fracasso gerencial do complexo Irã-Toda, somado ao desastroso declínio da frota mercante mundial, levarão à falência as Indústrias Toda de Navegação, levarão à falência o próprio Hiro Toda e nos deixarão prontos para sermos encampados! Por quem? Evidentemente por Yoshi Gyokotomo. É claro que por aquela família de camponeses enriquecidos que nos detestam por termos uma origem nobre, por descendermos de samurais...
Então, mais uma vez, Kasigi pensou que seu cérebro iria explodir: É claro que por Yoshi Gyokotomo, mas ajudado e acobertado pelos nossos arqui-rivais, as Indústrias Mitsuwari! Oh, Gyokotomo vai perder uma fortuna, mas eles podem agüentar esta perda enquanto molharem as mãos certas sugerindo que irão, em conjunto, absorver as perdas da Toda, desmembrá-la e, com a benevolência do Ministério de Indústria e Comércio, colocá-la sob uma outra administração. Junto com os Toda irão os seus parentes: os Kasigi e os Kayama. Bem que eu queria estar morto.
Oh ko!
E agora sou eu que terei que levar estas terríveis notícias. Os relatórios de Watanabe não provarão nada, pois é claro que Gyokotomo vai negar tudo, amaldiçoando-me por tentar acusá-lo e gritando que os relatórios de Watanabe provam conclusivamente a má administração de Hiro Toda durante todos aqueles anos. Então eu vou ter problemas de qualquer maneira. Talvez o plano de Hiro Toda tenha sido colocar-me no meio desta confusão! Talvez ele queira substituir-me por um dos seus irmãos ou dos seus sobri...
Neste instante houve uma batida na porta e esta foi aberta violentamente. O jovem assistente de Watanabe entrou correndo, desculpando-se profusamente por interrompê-los.
— Oh, sinto muito, Watanabe-san, oh, sinto muito.
— O que é? — Watanabe disse, interrompendo-o.
— Há um grande komiteh chegando, Watanabe-San, Kasigi-sama! Olhem! — O jovem, pálido, apontou para as outras janelas que davam para a frente do prédio.
Kasigi chegou lá primeiro. Diante da porta principal havia um caminhão cheio de revolucionários, e outros caminhões e carros vinham atrás. Saltaram vários homens deles e começaram a se juntar em grupos.
Scragger estava se aproximando e eles o viram parar, depois continuar em direção à porta principal, mas fizeram sinal para ele se afastar enquanto uma grande Mercedes se aproximava. Do banco de trás saltou um homem robusto vestido de preto, com um turbante preto e uma barba branca, acompanhado por outro homem bem mais jovem, de bigode, vestido com roupas leves, com a camisa aberta no pescoço. Todos dois usavam óculos. Watanabe prendeu a respiração.
— Quem são eles? — perguntou Kasigi.
— Não sei, mas um aiatolá significa encrenca. Mulás usam turbantes brancos, aiatolás usam turbantes pretos. — Cercados por meia dúzia de guardas, os dois homens entraram no prédio. — Traga-os aqui em cima, Takeo, com toda a cerimônia. — O rapaz saiu correndo no mesmo instante. — Nós até hoje só fomos visitados por um aiatolá uma vez, no ano passado, um pouco antes do incêndio de Abadan. Ele chamou todo o nosso pessoal iraniano para uma reunião, discursou para eles por uns três minutos, e depois mandou que entrassem em greve em nome de Khomeini. — Seu rosto virou uma máscara. — Esse foi o começo dos nossos problemas aqui. Nós, estrangeiros, temos tentado fazer o melhor possível desde então.
— E desta vez? — perguntou Kasigi.
Watanabe deu de ombros, foi até uma escrivaninha e apanhou uma fotografia de Khomeini que Kasigi não tinha notado, pendurado-a na parede.
— Apenas por delicadeza — disse com um sorriso sardônico. — Vamos nos sentar? Eles esperam que sejamos formais. Por favor, sente-se na cabeceira.
— Não, Watanabe-san, por favor. O encarregado é você. Eu sou apenas um visitante.
— Como quiser. — Watanabe sentou-se no seu lugar de sempre e olhou para a porta.
— Como foi isso, sobre o incêndio de Abadan? — perguntou Kasigi, quebrando o silêncio.
— Ah, desculpe — disse Watanabe, sentindo-se na verdade indignado pelo fato de Kasigi ignorar um fato assim tão importante. — Foi em agosto passado, durante o mês sagrado de Ramadan quando nenhum crente pode comer nem beber desde o nascer até o pôr-do-sol e os ânimos geralmente ficam exaltados. Nessa época houve apenas algumas demonstrações de protesto contra o xá, principalmente em Teerã e em Qom, mas nada de sério, e os tumultos foram facilmente contidos pela polícia e pela Savak. No dia 15 de agosto, incendiários puseram fogo num cinema, o Cinema Rex, em Abadan. Todas as portas, 'por acaso', estavam trancadas ou obstruídas, os bombeiros e a polícia, 'por acaso', custaram a chegar, e no pânico morreram quase quinhentas pessoas, na maioria mulheres e crianças.