— Que horror!
— Sim. A nação inteira ficou indignada. Na mesma hora a Savak foi acusada, e portanto o xá, o xá pôs a culpa nos esquerdistas e jurou que a polícia e a Savak não tinham nada a ver com aquilo. É claro que ele determinou um inquérito que se arrastou por semanas. Infelizmente, a questão da responsabilidade não foi esclarecida. — Watanabe estava prestando atenção no barulho de passos. — Esta foi a centelha que uniu as oposições sob o comando de Khomeini e arrancou os Pahlavi do trono.
— Na sua opinião, quem foi que pôs fogo no cinema? — perguntou Kasigi, depois de uma pausa.
— Quem é que queria destruir os Pahlavi? É tão fácil acusar a Savak! — Watanabe ouviu o elevador parar. — O que significam quinhentas mulheres e crianças para um fanático... de qualquer seita?
A porta foi aberta pelo assistente Takeo. O aiatolá e o civil entraram com um ar importante, com seis homens armados em volta. Watanabe e Kasigi levantaram-se educadamente e se curvaram.
— Sejam bem-vindos — Watanabe disse em japonês embora soubesse falar farsi muito bem. — Eu sou Naga Watanabe, o encarregado daqui, este é o sr. Kasigi da nossa matriz no Japão. A quem eu tenho o prazer de me dirigir, por favor?
Takeo, que falava farsi perfeitamente, começou a traduzir, mas o civil, que já tinha sentado, o interrompeu.
— Vous parlez français? — perguntou com rudeza a Watanabe.
— Iye. Não — disse Watanabe, em japonês.
— Bien sür, m'sieur — disse Kasigi, hesitante, pois seu francês era medíocre. — Je parle un peu, mais je parle anglais mieux et m 'sieur Watanabe aussi. Eu falo um pouco de francês, mas falo melhor inglês e o sr. Watanabe também.
— Muito bem — disse o homem secamente, em um inglês com sotaque parisiense. — Então falaremos em inglês. Eu sou Muzadeh, encarregado da região de Abadan pelo primeiro-ministro Bazargan e...
— Mas Bazargan não faz a lei, quem faz é o imã — o aiatolá o interrompeu vivamente. — O imã nomeou temporariamente Bazargan como primeiro-ministro, até que, com a Vontade de Deus, nosso Estado islâmico seja formado. — Ele tinha sessenta e muitos anos, um rosto redondo, sobrancelhas e barba brancas e usava uma roupa preta bem cortada. — Sob a liderança do imã — acrescentou significativamente.
— Sim, é claro — disse Muzadeh, depois continuou a falar como se não tivesse havido nenhuma interrupção —, e devo informar-lhes oficialmente que a Irã-Toda está, a partir de agora, sob nosso controle direto. Haverá uma reunião dentro de três dias para organizar as formas de controle e as futuras operações. Todos os antigos contratos, feitos pelos xá e portanto ilegais, estão suspensos. Eu vou indicar uma nova junta fiscalizadora da qual serei presidente, com representantes dos operários, um operário japonês e o senhor mesmo. O senhor...
— E eu mesmo e um mulá de Bandar Delam — disse o aiatolá, olhando fixamente para ele.
— Nós podemos discutir a formação do comitê mais tarde. — Muzadeh falava zangado, em farsi, e havia uma certa tensão na sua voz. — O importante é que os operários estejam representados.
— O importante é fazer o Trabalho de Deus.
— Nisso o trabalho do povo e o Trabalho de Deus são iguais.
— Não se o 'trabalho do povo' for um disfarce para o trabalho de Satã!
Os seis guardas iranianos mudaram de posição, inquietos. Inconscientemente, eles se reagruparam em dois grupos, quatro de um lado e dois do outro. No silêncio que se seguiu, seus olhos examinaram um a um todos os homens sentados na mesa. Um dos guardas calmamente destravou uma arma.
— O senhor estava dizendo? — Watanabe disse rapidamente e quase acrescentou Banzai, aliviado, quando viu todos voltarem a prestar atenção nele.
— O senhor quer formar um novo comitê?
— Sim. — Com algum esforço, Muzadeh tirou os olhos do aiatolá e continuou: — Você deverá ter todos os livros preparados para serem examinados por nós e será considerado responsável por qualquer... qualquer problema que possa ocorrer, e por crimes passados ou futuros contra o Irã, passados ou futuros.
— Nós temos trabalhado em conjunto com o governo do Irã desde o...
— Com o xá, não com o povo iraniano — Muzadeh interrompeu. Atrás dele, os guardas, rapazes, alguns adolescentes, alguns quase imberbes, começaram a cochichar.
— É verdade, sr. Muzadeh — disse Watanabe, imperturbável. Eleja tinha passado por este tipo de confronto muitas vezes nos últimos meses. — Mas nós somos japoneses. A Irã-Toda está sendo construída por técnicos japoneses com a maior ajuda possível de operários iranianos, e é financiada inteiramente com dinheiro japonês.
— Isso não tem nada...
— Sim, nós sabemos — disse alto o aiatolá, mas Simpaticamente, adiantando-se ao outro —, nós sabemos disto e vocês são bem-vindos no Irã. Nós sabemos que os japoneses não são americanos canalhas, nem ingleses mentirosos, e embora vocês não sejam muçulmanos, para infelicidade de vocês, seus olhos não estando ainda abertos para Alá, nós os consideramos bem-vindos. Mas agora, com a ajuda de Deus, temos o nosso país de volta, agora temos que fazer... que fazer novos acordos para futuras operações. O nosso povo vai ficar aqui, fazendo perguntas. Por favor, cooperem com ele... vocês não têm nada a temer. Lembrem-se, nós queremos esta obra pronta e operando tanto quanto vocês. Meu nome é Ismael Ahwazi, e eu sou o aiatolá desta região. — Ele se levantou com uma rapidez que fez alguns dos homens darem um pulo.
— Nós voltaremos dentro de quatro dias.
Muzadeh falou veementemente em farsi.
— Há outras ordens para estes estran...
Mas o aiatolá já tinha saído. Furioso, Muzadeh se levantou e saiu pisando duro, seguido pelos seus homens.
Quando ficaram sozinhos, Kasigi permitiu-se apanhar um lenço e enxugar a testa. O jovem Takeo ainda estava em estado de choque. Watanabe revistou os bolsos à procura de cigarros, mas o maço estava vazio. Ele o amassou. Takeo despertou e correu até uma gaveta e trouxe um maço novo, abriu-o e ofereceu-o.
— Obrigado, Takeo — disse Watanabe e aceitou fogo. — Pode ir agora.
— Ele olhou para Kasigi. — Então, tudo vai começar de novo.
— Sim — respondeu Kasigi, compreendendo as implicações de um novo komiteh empenhado em terminar a obra. — Esta foi a melhor notícia que poderíamos receber. Isto será muito bem recebido no Japão. — De fato, pensou, cada vez mais animado, esta notícia vai neutralizar o relatório de Watanabe e talvez, de algum modo, nós, Hiro Toda e eu, possamos, juntos, neutralizar Gyokotomo. E se, o que seria ainda melhor, Hiro renunciasse em favor do seu irmão, seria perfeito!
— O quê? — perguntou, vendo que Watanabe estava olhando para ele.
— Eu não quis dizer que o trabalho vai recomeçar, Kasigi-san — disse o engenheiro-chefe, rispidamente. — O novo komiteh não vai ser melhor do que os outros; de fato, será pior. Com os sócios, o inevitável pishkesh abria portas e você sabia em que pé estava. Mas com esses fanáticos, com esses amadores? — Irritado, Watanabe passou a mão nos cabelos. Que os deuses e os espíritos me dêem forças para não xingar este idiota pela sua estupidez, pensou. Seja esperto. Acalme-se, ele não passa de um macaco, não tão bem-nascido quanto você, que é um descendente direto dos senhores do norte.