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Um dia, quando Rhys e Roffe voltavam de Caracas em um luxuoso Boeing 707- 320, que fazia parte da frota de oito aviões da companhia, Sam Roffe felicitou Rhys por uma transação lucrativa que ele havia fechado com o governo.

- Vai ganhar uma boa gratificação por isso, Rhys.

Rhys respondeu calmamente:

- Não quero gratificação, Sam. Prefiro algumas ações e um lugar na sua diretoria.

Merecia isso, decerto, e os dois sabiam disso. Mas Sam respondeu:

- Sinto muito, mas não vou alterar os meus princípios, nem mesmo por sua causa.

A Roffe and Sons é uma empresa privada e ninguém que não seja da família pode pertencer à diretoria ou possuir ações. Rhys sabia disso, sem dúvida. Comparecia a todas as reuniões da companhia, mas não como participante. Sam era o último elemento masculino da família Roffe. As outras pessoas da família eram todas mulheres, primas de Sam. Os homens com quem elas haviam casado tinham um lugar na diretoria da companhia: Walther Gassner, que se casara com Anna Roffe; Ivo Palazzi, casado com Simonetta Roffe; Charles Martel, casado com Hélsne Roffe e Alec Nichols, cuja mãe fora uma Roffe. Rhys fora assim forçado a tomar uma decisão. Sabia que merecia fazer parte da diretoria e que um dia dirigiria tudo. As circunstâncias atuais impediam isso, mas elas podiam ser alteradas.

Rhys tinha decidido continuar à espera, para ver o que acontecia. Sam lhe ensinara a ser paciente. E agora Sam estava morto.

As luzes do escritório acenderam-se de novo e Hajib Kafir apareceu à porta. Kafir era o gerente de vendas da Roffe and Sons na Turquia. Era um homem baixo e moreno, que usava diamantes e uma barriga gorda com atributos de prestígio pessoal. Tinha o ar desmazelado de um homem que se vestia as pressas. Sophie não o encontrara, portanto, numa boate. Outro efeito secundário da morte de Roffe, pensou Rhys: um coito interrompido.

- Rhys! -exclamou Kkafir. - Nunca imaginei que ainda estivesse em Istambul!

Quando o deixei, ia tomar o avião e, como eu tinha alguns casos para resolver…

- Sente-se, Hajib, e ouça com muita atenção. Quero que mande quatro telegramas no código da companhia. São para países diferentes. Quero que sejam levados pessoalmente para o telégrafo por mensageiros de confiança. Entendeu?

- É claro - disse Kafir, espantado. - Entendi perfeitamente.

Rhys olhou para o fino relógio de ouro Baume Mercier que tinha no pulso.

- A agência da Cidade Nova já está fechada. Passe os telegramas pelo Yeni Posthane Cad. Quero que estejam a caminho dentro de trinta minutos. -Entregou a Kafir uma cópia do telegrama que havia redigido. - Qualquer pessoa que fizer algum comentário será sumariamente despedida.

Kafir viu o telegrama, os seus olhos se arregalaram.

- Meu Deus! Meu Deus! Como pôde acontecer uma coisa dessas?

- Sam Roffe morreu em um acidente - disse Rhys.

Depois disso, pela primeira vez Rhys deixou que lhe chegasse à consciência o que ele estava reprimindo desde que recebera a notícia. Rhys tinha evitado pensar em Elizabeth Roffe, filha de Sam, que estava com vinte e quatro anos. Na primeira vez em que Rhys a vira, era uma menina de quinze anos, com aparelho nos dentes, tremendamente tímida e gorda, solitária e rebelde. Com o passar dos anos, vira Elizabeth tornar-se uma moça muito interessante, que tinha ao mesmo tempo a beleza da mãe e a inteligência e o espírito do pai. Havia se ligado muito a Sam. Rhys sabia que a notícia iria abalála profundamente e resolveu dá-la pessoalmente. Duas horas depois, Rhys Williams sobrevoava o Mediterrâneo num jato da companhia, rumo a Nova York.

Capítulo 2 Berlim. Segunda-feira, 7 de setembro. 22 horas.

Anna Roffe Gassner sabia que não devia gritar de novo, pois Walther voltaria para matá-la. Encolhida em um canto do seu quarto, tremia incontrolavelmente e esperava a morte. O que havia começado como um belo conto de fadas terminava em terror, um indescritível terror. Ela tardara muito a convencer-se da verdade: o homem com quem se casara era um louco assassino. Anna Roffe nunca tinha amado ninguém antes de conhecer Walther Gassner, nem mesmo sua mãe, seu pai ou a si própria.

Fora uma menina frágil e doente, que sofria de freqüentes desmaios. Não podia lembrar-se de um tempo em que não tivesse vivido às voltas com hospitais, enfermeiras e especialistas que eram trazidos de avião de lugares distantes. Como era filha de Anton Roffe, da Roffe and Sons, as maiores autoridades médicas eram levadas à cabeceira de Anna, em Berlim. Examinavam-na, submetiam-na a numerosos exames, e por fim partiam sem saber mais do que sabiam ao chegar. Não conseguiam fazer um diagnóstico. Anna não pôde ir à escola como as outras crianças. Tornou-se reservada e criou um mundo próprio, cheio de sonhos e fantasias, onde só ela entrava. Pintava à sua maneira os seus quadros da vida, pois as cores da realidade eram muito ásperas, e ela não podia aceitálas.

Quando Anna completou dezoito anos, os seus desmaios desapareceram tão misteriosamente quanto haviam começado.

Mas tinham lhe marcado a vida. Numa idade em que as moças em geral ficavam noivas ou se casavam, Anna nunca fora beijada por um rapaz. Convencia-se de que isso não tinha a menor importância. Estava contente em viver no seu mundo de sonhos, longe de tudo e de todos. Por volta dos seus vinte e cinco anos, os pretendentes começaram a aparecer. Anna Roffe era uma herdeira que tinha um dos mais prestigiados nomes do mundo, e muitos homens estavam ansiosos pela participação na fortuna dela. Recebeu propostas de um conde sueco, de um poeta italiano e de meia dúzia de príncipes de países pobres. Anna recusou todos. Quando ela fez trinta anos, Anton Roffe murmurou, tristonho:

- Vou morrer sem deixar netos.

No seu trigésimo aniversário, Anna foi para Kitzbehel, na Austria, e ali conheceu Walther Gassner, professor de esqui, treze anos mais moço que ela. Na primeira vez em que Anna viu Walther, perdeu literalmente o fôlego. Ele estava esquiando pela íngreme encosta do Hahnenkamm, e foi o espetáculo mais belo que os olhos de Anna já haviam contemplado. Ela chegou mais perto do final da pista a fim de vê-lo melhor. Parecia-lhe um jovem deus, e ela ficou toda feliz só de olhá-lo. Walther percebeu o olhar dela.

- Não Está esquiando, gnãdiges Frãulein?

Ela abanou a cabeça, não confiando na sua voz. Ele sorriu e disse:

- Permita-me então convidá-la para almoçar.

Anna fugiu, apavorada como uma colegial. Daí em diante, Walther Gassner passou a perseguí-la. Anna Roffe não era tola. Sabia muito bem que não era bela, nem brilhante. Era uma mulher comum e, além do seu nome, tinha muito pouco a oferecer a um homem. Mas sabia também que, por trás dessa fachada comum, escondia-se uma mulher intimamente bela e sensível, transbordante de amor, de poesia e de música.

Talvez por não ser bela, Anna tinha uma profunda veneração pela beleza. Visitava os grandes museus e passava horas a admirar quadros e estátuas. Ao ver Walther Gassner, teve a impressão de que todos os deuses estavam vivos diante dela. Anna estava fazendo a primeira refeição no terraço do Tennerhof Hotel quando Walther Gassner se aproximou dela.

Parecia, de fato, um jovem deus. Tinha um perfil clássico marcado com feições delicadas, sensíveis e enérgicas. O rosto estava bem queimado pelo sol da montanha e os dentes eram muito brancos e certos. Os cabelos eram louros e os olhos tinham um tom cinzento de ardósia. Sobre as roupas de esqui que ele vestia, Anna podia ver o movimento dos bíceps e dos músculos das coxas, o que a fazia sentir tremores pelo corpo. Tratou de esconder as mãos no colo para que ele não visse as calosidades da ceratose.