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- Não! Não é possível! - disse Ivo, fazendo uma careta de dor quando ela passou os braços pelos ombros dele. - Cuidado! Acho que o bicho me arranhou também as costas.

- Como você deve estar sofrendo, amore!

- Nem tanto - disse Ivo comconvicção. - Estou até me sentindo bem. A campainha da porta tocou.

- Vou ver quem é - disse Simonetta.

- Não, eu vou. Estou esperando uns papéis importantes do escritório. Foi até à porta da frente e abriu-a. - Signor Palazzi?

- Si.

Um mensageiro, vestido com um uniforme cinzento, entregou-lhe um envelope.

Dentro havia um teletipo de Rhys Williams. Ivo leu rapidamente a mensagem e ficou muito tempo parado, pensando. Depois, respirou fundo e subiu a fim de preparar-se para o jantar.

Capítulo 4 Buenos Aires. Segunda-feira, 7 de setembro. 15 horas.

O autódromo de Buenos Aires, nos arredores da capital Argentina, estava apinhado com cerca de cinqüenta mil espectadores, que tinham ido assistir às corridas do campeonato. Era uma corrida de cento e quinze voltas em um circuito de quase sete quilômetros. A corrida já se realizava havia quase cinco horas sob um sol fortíssimo e, dos trinta carros que haviam largado, restavam poucos. A assistência estava presenciando o desenrolar de um capítulo da história do esporte. Talvez aquela corrida fosse única nos anais do automobilismo. Não tinha havido antes e talvez nunca houvesse depois nada parecido. Todos os nomes que tinham se tornado lendários nas pistas estavam ali naquele dia: Chris Amon, da Nova Zelândia, e Brian Redman, de Lancashire.

Ali estavam o italiano Andrea Di Adamici num Alfa Romeo 33 e Carlos Moco, do Brasil, num Maech.

O campeão belga Jack Ickx estava presente, e Reine Wisell, da Suécia, pilotava um BRM. A pista parecia um Arco-Iris alucinado, feito dos velozes vermelho, verde, preto, branco e dourado dos Ferraris, dos Brabhams, dos M19A da McLarem e dos fórmula 3 da Lotus. À medida que as voltas se sucediam, os gigantes começavam a cair. Chris Amon estava em quarto lugar quando o carro enguiçou. Raspou no Cooper de Brian Redman, que teve de desligar a ignição para não perder o controle, mas os dois carros ficaram fora de competição. Reine Wisell estava comandando a corrida, seguido de perto por Jack Ickx. Na grande curva, o câmbio do BRM se desintegrou, e a bateria e o equipamento elétrico pegaram fogo.

O carro começou a rodar e bateu no Ferrari de Jack Ickx. A multidão delirava. Três carros se destacavam dos demais no primeiro pelotão. Eram Jorge Amandaris, da Argentina, pilotando um Surtees; Nils Nilsson, da Suécia, num Matra, e Martel, da França, num Ferrari 312 B-2.. Estavam fazendo uma corrida brilhante, acelerando nas retas, reduzindo nas curvas, avançando. Jorge Amandaris ia à frente, e os argentinos aplaudiam febrilmente o seu compatriota. Logo atrás de Amandaris, vinha Nils Nilsson, ao volante de seu Matra vermelho e branco, seguido do Ferrari preto e dourado dirigido por Martel, da França. O carro francês tinha passado quase despercebido até os últimos cinco minutos, quando começou a destacar-se. Do décimo lugar passara para o sétimo e depois para o quinto, fazendo uma corrida firme. A assistência viu então o francês avançar para disputar o segundo lugar ocupado por Nilsson. Os três carros corriam a mais de duzentos e oitenta quilômetros por hora. Era uma velocidade bastante perigosa em pistas cuidadosamente construídas como Brands Hatch ou Watkins Glen, mas numa pista como aquela da Argentina equivalia a suicídio. A um lado da pista foi afixado o sinal de que faltava cinco voltas. O Ferrari do francês tentou passar o Matra de Nilsson, mas o sueco se desviou um pouco, bloqueando a passagem. Aproximando-se rapidamente de um carro alemão retardatário. O carro de Nilsson emparelhou com ele. O carro francês avançou até ficar no estreito espaço entre o alemão e o Matra. O francês acelerou ainda mais, forçando os dois carros a dar passagem, e partiu para ocupar o segundo lugar. A multidão, de respiração suspensa, aplaudiu essa manobra brilhante e perigosa. Faltavam três voltas, e Amandaris estava em primeiro, com Martel em segundo e Nilsson em terceiro.

Amandaris tinha visto a manobra. Sabia que o francês era bom, mas não acreditava que ele pudesse ameaçar-lhe a vitória nas últimas duas voltas. Pelo canto do olho, viu o Ferrari que tentava se emparelhar com ele. Viu de relance o rosto frio e determinado do piloto sob o capacete. Amandaris lamentava o que tinha de fazer, mas as corridas não eram um jogo para desportistas, mas, sim, um jogo para vencedores. Os carros se aproximavam da extremidade norte do circuito, onde havia uma curva com uma grande rampa inclinada para fora. Era o ponto mais perigoso da pista, onde já tinha havido numerosos desastres. Amandaris lançou outro olhar rápido ao piloto francês da Ferrari e empunhou com mais força o volante. Quando os dois carros começaram a aproximar-se da curva, Amandaris levantou levemente o pé do acelerador, de modo que o Ferrari começou a avançar.

Viu o piloto lançar-lhe um olhar de espanto na sua armadilha. Jorge Amandaris esperou até que o Ferrari estivesse firmemente decidido a ultrapassá-lo por fora. Neste momento, Amandaris abriu tudo e começou a mover-se para a direita, cortando em linha reta o caminho do francês, cujo único recurso seria subir pela rampa. Amandaris viu a súbita expressão de espanto no rosto do francês e disse em silêncio: "Salud!"

Neste momento, o piloto do carro francês virou a direção para o Surtees de Amandaris. O Ferrari ia colidir com ele. Havia apenas um metro de distância entre os dois carros e, naquela velocidade, Amandaris tinha de tomar uma decisão instantânea. Como alguém podia adivinhar que aquele piloto francês era inteiramente louco? Num ato rápido e reflexo, Amandaris virou o volante para a esquerda, tentando evitar que milhares de quilos de metal se chocasse com ele e freou rápido, de modo que o carro de Jorge Amandaris derrapou. Depois, perdeu o controle e rolou pela pista em uma coluna de fogo e fumaça. Mas a atenção do público estava voltada para o Ferrari do piloto francês, que recebia a bandeirada da vitória e era imediatamente cercado por uma multidão entusiástica.

O piloto levantou-se e tirou o capacete e os óculos. Era uma mulher de cabelos cor de trigo, curtos e feições clássicas finamente modeladas. O corpo estava trêmulo não de cansaço, mas de emoção, desde o momento em que olhara para Jorge Amandaris e o fizera partir para a morte. Nos alto-falantes, um locutor dizia: "A corrida foi vencida por Hélsne Roffe-Martel, da França, pilotando um Ferrari". Duas horas depois, Hélsne e seu marido Charles estavam em sua suíte no Hotel Ritz, no centro de Buenos Aires, deitados diante da lareira. Hélsne estava nua sobre ele, na clássica posição de La diligence de Lyon, e Charles dizia:

- Oh, Deus! Por favor, não faça isso comigo! Por favor! Ele foi sentindo sua excitação crescer, e ela foi aumentando a pressão, ferindo-o, observando as lágrimas aflorarem aos seus olhos. "Estou sendo punido sem razão", pensou Charles. Ele temeu pensar no que Hélsne seria capaz de fazer-lhe se soubesse do crime que ele havia cometido. Charles Martel casara-se com Hélsne Roffe pelo nome e pelo dinheiro dela.

Depois da cerimônia, ela conservara o nome, ao qual acrescentara o dele, e Charles ficara com o dinheiro. Quando descobriu que tinha feito um mau negócio, era muito tarde.

Charles Martel era advogado em um grande escritório de advocacia em Paris quando conheceu Hélsne Roffe.

Tinham-lhe pedido que levasse alguns documentos à sala de conferências onde se realizava uma reunião. Na sala estavam os quatro sócios principais do escritório e Hélsne.

Charles já ouvira falar nela. Não havia na Europa quem a desconhecesse. Era uma das herdeiras da fortuna feita com produtos farmacêuticos da família Roffe. Rebelde, alheia às convenções, e de quem os jornais e revistas gostavam de falar, era campeã de esqui, pilotava o seu Learjet, chefiava uma expedição às montanhas do Nepal, praticava automobilismo e hipismo e trocava de homem quase com a mesma facilidade com que trocava de roupa. A fotografia dela aparecia em quase todos os números de Paris-Match e Jours de France. Tinha ido ao escritório de advocacia porque ali estava se tratando do seu divórcio, mas Martel não estava interessado em saber. Os Roffes do mundo estavam fora do seu alcance. Charles entregou os papéis. Estava um pouco nervoso não pela presença de Hélsne, que não lhe interessava, mas porque se achava diante dos chefes do escritório. Representavam a Autoridade, e Charles Martel respeitava a Autoridade. Era fundamentalmente um homem retraído que se contentava em viver modestamente em um pequeno apartamento em Passy, onde cuidava da sua coleção de selos. Charles Martel não era um advogado brilhante, mas era competente, cuidadoso e honesto. Tinha um sentimento um pouco rígido de dignidade.