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Peguei na fotografia e reconheci-o logo. Tinham-no fotografado da cintura para cima, estendido sobre a cama. segundo me pareceu. Da têmpora, que a bala furara, numerosos fios de sangue negro ralavam-lhe a cara. Mas apesar disso o seu rosto tinha uma expressão de tão completa serenidade como nunca tivera em vida.

Disse com voz apagada que era ele e levantei-me. O comissário quis ainda falar, talvez para me consolar. Nem o ouvi e saí sem olhar para trás.

Fui para casa e desta vez atirei-me para os braços de minha mãe, mas sem chorar. Sabia que ela era estúpida e nada compreendia; ela era a única pessoa a quem eu podia confiar o meu desgosto. Contei-lhe tudo: o suicídio de Jaime, o nosso amor e que eu estava grávida. Mas não lhe disse que o pai de meu filho era Sonzogne. Falei-lhe também da minha promessa e disse-lhe que tinha decidido mudar de vida, que voltaria a fazer camisas, com ela, ou que me empregaria como criada. Depois de tentar consolar-me por meio de uma quantidade de frases parvas mas sinceras, minha mãe disse que não valia a pena precipitar-me: por agora era necessário ver o que faria a família de Jaime.

— Isso — respondi-lhe — é uma coisa que diz respeito ao meu filho e não a mim.

No dia seguinte de manhã os dois amigos de Jaime, Túlio e Tomás, apareceram-me de maneira inesperada. Também eles tinham recebido uma carta, na qual, depois de lhes anunciar que se matava, Jaime advertia-os daquilo a que chamava “a sua traição” e punha-os em guarda contra as consequências do seu acto.

— Não tenham medo — disse-lhes eu duramente —, se estão com medo podem ficar descansados. Nada vos acontecerá.

E contei-lhes a história de Astárito, dizendo-lhes que Astárito, o único que tomara conhecimento das declarações de Jaime, estava morto, que o interrogatório não fora transcrito e que não tinham sido denunciados. Pareceu-me que Tomás estava sinceramente desgostoso com a morte de Jaime, mas que o outro ainda não estava refeito do susto que apanhara. Passado um momento, Túlio declarou-me:

— De qualquer maneira ele meteu-nos num sarilho… quem pode confiar na polícia? Nunca se sabe! É na verdade uma traição!

E esfregava as mãos emitindo uma das suas enormes gargalhadas habituais, como se a coisa fosse realmente cômica.

Levantei-me indignada :

— Como uma traição? Como? Ele matou-se; que mais querem? Nenhum de vocês teria coragem para fazer o mesmo! E depois é preciso que vos diga uma coisa: a vossa traição não vos traria mérito algum, porque vocês não passam de dois pobres-diabos, dois miseráveis, que nunca tiveram um tostão, filhos de desgraçados, pobres camponeses, e se as coisas tivessem corrido bem acabariam por ter aquilo que nunca tiveram e conheceriam uma vida regalada, vocês e as vossas famílias. Mas ele tinha dinheiro; era de boa família; era um senhor; se andava metido nisso era porque acreditava e esperava qualquer coisa de melhor para todos. Ele sim, que tinha tudo a perder, ao passo que vocês tinham tudo a ganhar!… Era isto que eu tinha para lhes dizer… E vocês deviam ter vergonha de me vir falar em traição!

— E tu… — abriu a sua enorme boca para me responder; mas o outro, que me compreendera, fez-lhe um gesto para que se calasse e disse-me:

— Tem razão, mas esteja descansada. Por mim, nunca pensarei senão bem de Jaime.

Parecia comovido e simpatizei com ele porque se via que era de facto amigo de Jaime. Cumprimentaram-me e retiraram-se.

Quando fiquei só senti um grande alívio pelas palavras que dissera a estes dois homens. Pensei em Jaime, depois no meu filho. Sabia que iria nascer de um assassino e de uma prostituta. Mas pode acontecer a qualquer homem ter de matar, a qualquer mulher dar-se por dinheiro; o importante era que viesse ao mundo em bom estado e fosse vigoroso e saudável. Decidi, se fosse um rapaz, que se chamaria Jaime, em memória do meu amado. Mas se fosse uma rapariga, chamar-se-ia Letícia, porque queria que a sua vida fosse, ao contrário da minha, alegre e feliz; e tinha a certeza de que com a ajuda da família de Jaime ela teria essa vida.