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Devo acrescentar que se tratava talvez não tanto de planos, mas mais propriamente de sonhos vagos e cintilantes que podia acalentar sem muitos remorsos precisamente por serem vagos e cintilantes. Mas isto é uma suposição. Pode muito bem ser que, pelo contrário, a minha mãe, por um desvio inveterado de consciência, tenha realmente decidido encaminhar-me um dia para o caminho que fatalmente eu iria tomar sozinha. Se digo estas coisas não é por rancor contra minha mãe, mas porque ainda hoje não sei bem o que pensava ela então e porque a experiência me ensinou que se pode pensar e sentir ao mesmo tempo as coisas mais diferentes sem lhes notar a contradição.

Minha mãe jurara que em caso nenhum se encontraria com Gino e durante algum tempo respeitei o seu juramento. Mas depois dos primeiros beijos, Gino parecia extremamente desejoso de apôr tudo em ordem, como ele dizia, e todos os dias insistia comigo para ser apresentado a minha mãe. Não tinha coragem para lhe dizer que ela não o queria conhecer porque achava a sua profissão demasiado humilde e vi-me por isso forçada a encontrar constantemente pretextos para retardar essa ocasião. Por fim Gino compreendeu que eu lhe escondia qualquer coisa e insistiu tanto que me vi forçada a revelar-lhe a verdade.

— Minha mãe não te quer conhecer. Acha que eu devia casar-me com um homem rico e não com um chauffeur.

Esta conversa passava-se dentro do carro na ruazinha costumada do arrabalde. Gino olhou-me com tristeza, suspirando. Eu estava a tal ponto apaixonada por ele que nem me dei conta do que havia de fingido na sua maneira de falar.

— Eis o resultado de ser pobre! — exclamou.

Depois disso manteve-se num silêncio longo e teimoso.

— Humilha-me — respondeu ele baixando a cabeça. Outro qualquer no meu lugar nem teria falado em noivado, nem teria pedido para ser apresentado à tua mãe. É para que serve querer a gente portar-se bem!

— Que importância tem isso se tens a certeza do meu amor?

— O que eu devia ter feito — continuou ele — era apresentar-me com a carteira bem recheada e sem falar de casamento. Se fizesse isso, tua mãe abrir-me-ia os braços…

Não ousava contradizê-lo porque bem sabia que tudo quanto ele dizia era verdade.

— Sabes o que vamos fazer? — propus daí a momentos. Um destes dias levo-te lá a casa sem dizer nada. Desse modo minha mãe não terá outro remédio senão conhecer-te. Que demónio! Não pode chegar ao exagero de fechar os olhos!

Na noite combinada para isso conduzi Gino a nossa casa. Minha mãe tinha acabado a tarefa desse dia e estava a preparar uma ponta da mesa para jantarmos. Entrei à frente e disse simplesmente.

— Mamã! Este é o Gino!

Esperava que houvesse uma cena desagradável. Até tinha prevenido Gino. Com grande surpresa minha ela disse secamente :

— Muito prazer…

E depois saiu da sala.

— Vais ver que tudo corre bem — disse Gino.

Aproximei-me dele, estendi-lhe a boca e acrescentei:

— Dá-me um beijo…

— Não, não — murmurou ele em voz baixa afastando-me. — Se eu fizesse isso, tua mãe teria muita razão em pensar mal de mim.

Gino sabia encontrar sempre as palavras exactas e perfeitas para cada momento. Tive de concordar para comigo que tinha razão. Minha mãe entrou pouco depois e, evitando olhar para Gino, disse:

— O jantar não chega porque eu não sabia… Mas vou sair e…

Não teve tempo de acabar porque Gino se aproximou imediatamente dela interrompendo-a:

— Por amor de Deus ! Eu não vim cá para que me dessem de jantar. Pelo contrário! Peço licença para as convidar a ambas…

Falava cerimoniosamente, como a pessoas da alta. Minha mãe, que não estava habituada a que lhe falassem assim, nem a receber convites, hesitou uns momentos olhando para mim.

Depois respondeu:

— Cá por mim, se a Adriana quiser…

— Podíamos comer na casa de pasto aqui ao lado… — propus eu.

— Onde quiserem — respondeu Gino.

Minha mãe declarou que ia tirar o avental e deixou-nos sós! Enchia-me uma enorme e ingénua alegria, tinha a impressão de que acabava de conseguir uma grande vitória quando na realidade isto tudo não passava de uma comédia, na qual eu era a única pessoa que permanecia completamente sincera. Aproximei-me de Gino, e antes que ele conseguisse impedir-me beijei-o com paixão. O meu beijo marcava o termo da ansiedade que me tinha atormentado tantos dias, a segurança de que mais nenhum obstáculo agora se ergueria contra o meu casamento, a minha gratidão por Gino pela sua atitude amável para com a minha mãe, a minha afeição por ele, uma afeição sincera, confiante e desarmada como só é possível sentir-se aos dezoito anos quando ainda nenhuma desilusão nos tocou e feriu a alma. Só mais tarde é que vim a compreender como esta candura tem pouca importância para os outros. A maior parte das pessoas consideram-na ridícula e gostam de a macular.

Dirigimo-nos os três para um modesto restaurante que ficava perto da nossa casa, do outro lado das fortificações. À mesa.

Gino, deixando de me dar qualquer importáncia, consagrou-se por completo a minha mãe, no claro desejo de a conquistar, o que aliás me pareceu louvável e legítimo; foi por isso que não prestei grande atenção às suas exageradas amabilidades para com ela. Gino tratava-a por “madame”, tratamento absolutamente novo para ela, e tinha o cuidado de usar esta palavra o mais possível no começo e no fim das suas frases. Ao mesmo tempo, com o ar mais natural deste mundo. Dizia-lhe: “A senhora, que é uma pessoa inteligente, deve compreender.” Chegou ao extremo de lhe declarar que quando tinha a minha idade ela devia ter sido muito mais bonita do que eu.

— Que provas tens disso? — perguntei, um tanto amuada.

— Ora! Estas coisas adivinham-se, não precisam de provas! — respondeu com ar superior e entendido.

Quanto a minha mãe, coitada, não sabia que fazer. Cheguei a notar que às vezes repetia a si própria, murmurando, os madrigais afectados e manifestamente interesseiros de Gino.

Esta era, com certeza absoluta, a primeira vez na sua vida em que lhe diziam coisas destas, e o seu coração esfomeado não conseguia saciar-se. A mim, como já disse, todas essas falsidades me pareciam uma prova de respeito de Gino pela minha mãe e da sua delicada ternura para comigo. E tudo isto era como o toque final do pincel no belo retrato de Gino, já tão cheio de perfeições e qualidades.

Entretanto, um grupo de gente jovem viera sentar-se na mesa próxima da nossa. Um dos rapazes, que me pareceu estar embriagado. Pôs-se a olhar insistentemente para mim e disse em voz alta qualquer frase obscena a meu respeito. Gino ouviu-a, levantou-se imediatamente e dirigiu-se-lhe:

— Repete o que acabas de dizer! — ordenou.

— O caso interessa-te? — perguntou o outro, numa voz, um pouco pastosa, de bêbado.

— Esta senhora e esta menina estão acompanhadas por mim! — declarou Gino elevando a voz — e enquanto estiverem comigo tudo o que lhes diz respeito me interessa. Entendido?

— Entendido. Não te irrites — respondeu o rapaz, assustado.

Os outros, apesar da sua atitude hostil, nada se atreveram a fazer. E o rapaz, fingindo-se ainda mais embriagado do que na realidade estava, encheu um copo com vinho e ofereceu-o a Gino. Este recusou com um gesto.

— Não queres beber? — gritou o bêbado. — Não gostas de vinho? Fazes mal. O vinho é bom e faz bem. Está bem, pronto, bebo eu!

Esvaziou o copo de uma golada. Gino encarou-o severamente durante momentos e depois voltou para junto de nós.

— Gente mal educada! — disse sentando-se.