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— Mas quem te pede que roubes ou assassines? — interrompi, indignada. — Peço-te apenas que estejas contente… se não podes, paciência!

Olhou-me e acariciou-me de novo a face com afeição:

— Se estás contente, eu também estou. Estás contente?

— Eu estou! — respondi com segurança e orgulho. — Em primeiro lugar porque gosto muito de crianças e depois porque é teu.

Riu e disse-me:

— Que finória me saíste!

— Porquê finória? Por estar grávida?

— Não, mas tens de reconhecer que neste momento e nestas circunstâncias foi um golpe de mestre! Estou grávida… por conseguinte…

— Por conseguinte?

— Por conseguinte é preciso que aceites o que fizeste! — gritou bruscamente muito alto, saltando e agitando os braços. — Por conseguinte é preciso que vivas! Que vivas! Que vivas!

Não saberei descrever o tom da sua voz. Senti um aperto no coração e os olhos encheram-se-me de lágrimas.

— Faz o que quiseres! — balbuciei. — Se me queres deixar, deixa-me…

Pareceu arrepender-se do seu movimento, aproximou-se de mim e acariciou-me, dizendo:

— Desculpa… não faças caso do que eu disse… pensa no teu filho e não te preocupes comigo.

Segurei-lhe a mão e passei-a pela minha cara molhando-a com as minhas lágrimas e soluçando:

— Oh! Jaime… como posso não me preocupar contigo? Ficamos muito tempo assim em silêncio: ele de pé, junto de mim, passando a mão pela minha cara, eu beijando-lha e chorando.

Depois ouvimos bater à porta.

Ele afastou-me de mim; tive a impressão de que empalideceu; mas de momento não percebi porque e não tive a ideia de lho perguntar. Levantei-me e disse-lhe:

— Foge! Deve ser o Astárito! Sai! Depressa!

Foi para a cozinha deixando a porta entreaberta. Limpei rapidamente os olhos, arrumei as cadeiras e passei para o vestíbulo. Senti-me de novo tranquila e perfeitamente segura; enquanto caminhava às escuras no vestíbulo, lembrei-me de que poderia dizer a Astárito que estava grávida; com isso ele deixar-me-ia sossegada, e se não me quisesse fazer por amor o que lhe iria pedir, com certeza o faria por piedade.

Abri a porta e dei um passo atrás: em vez de Astárito era Sonzogne que estava na soleira da porta. Tinha as mãos nos bolsos como era seu hábito; ao gesto maquinal que fiz de fechar a porta, ele, com uma leve pressão dos seus ombros, abriu-ma inteiramente e entrou. Segui-o até à sala grande. Foi pôr-se junto da mesa ao pé da janela. Não trazia chapéu, e ainda não tinha entrado já eu sentia sobre mim os seus olhos fixos. Fechei a porta de comunicação e perguntei-lhe afectando indiferença:

— Porque vieste?

— Denunciaste-me, hem?

Encolhi os ombros e sentei-me na beira da mesa:

— Não te denunciei.

— Deixaste-me, desceste a escada e foste chamar a polícia.

Estava tranquila. Se sentia algum sentimento era mais cólera que medo. Já não me inspirava qualquer receio, mas sentia-me possuída de um grande furor contra ele e contra todos os que como ele impedem os outros de serem felizes.

— Deixei-te — disse-lhe — e fui-me embora porque amo outro e não quero ter mais relações contigo. Mas não foi para chamar a polícia. Eu não sou delatora! Os polícias vieram por sua conta. Procuravam outro.

Aproximou-se de mim, agarrou-me a cara entre dois dedos e apertou-ma com uma força terrível levantando-ma à altura da sua e forçando-me a descerrar os dentes.

— Agradece ao teu Deus o seres uma mulher! — disse-me. Continuava a apertar-me a cara, obrigando-me a fazer uma careta de dor que eu sentia que era feia e ridícula. Enfurecida, pus-me de pé, repeli-o e gritei:

— Vai-te embora, imbecil!

Ele tornou a meter as mãos nos bolsos, aproximando-se ainda mais de mim e olhando-me, como sempre, fixamente nos olhos. Tornei a gritar:

— Não passas de um imbecil… com os teus músculos… os teus terríveis olhinhos azuis… a tua cabeçorra! Vai-te embora! Desaparece, cretino!

“É realmente um imbecil”, pensava eu quando vi que nada dizia, mas que, com um ligeiro sorriso nos seus lábios finos e tortuosos, avançava para mim, olhando-me. Corri para o outro lado da mesa, empunhei um ferro de engomar — um ferro de alfaiate muito pesado — e gritei-lhe:

— Desaparece, cretino, ou atiro-te com isto ao focinho!

Hesitou um momento e parou. Nesse instante a porta da sala abriu-se atrás de mim e Astárito apareceu. Evidentemente que encontrara a porta aberta e entrara. Voltei-me para ele e disse-lhe:

— Diz-lhe que se vá embora… Não sei o que me quer… Diz-lhe que se vá embora!

Não sei porquê, mas senti um grande prazer ao notar a elegância de Astárito. Vestia um sobretudo cinzento, que parecia novo, e uma camisa com riscas encarnadas sobre fundo branco que parecia de seda. Uma bonita gravata cinzento-prata e um fato azul. Olhou-me, enquanto eu brandia o ferro, fixou Sonzogne e disse com voz tranquila:

— Esta menina disse-te que te fosses embora… porque esperas?

— Esta menina e eu — respondeu Sonzogne, em voz baixa —, temos várias coisas a dizer e é melhor que o senhor desapareça.

Astárito, ao entrar, tirara o chapéu, um feltro preto debruado de seda. Sem pressa colocou-o sobre a mesa e avançou até à frente de Sonzogne. A sua atitude deixava-me estupefacta. Um brilho combativo parecia cintilar nos seus olhos negros e melancólicos. A sua boca, que era grande, alargou-se ainda mais num sorriso de satisfação e desafio. Mostrava os dentes. Disse martelando as sílabas:

— Ah! Não queres ir? Pois bem! Eu, pelo contrário, digo-te que vás, e o mais depressa possível!

O outro abanou a cabeça em sinal negativo, mas, com grande admiração minha, recuou. Astárito deu um passo em frente. Estavam agora um em frente do outro, os dois quase da mesma altura.

— Vamos lá a saber! Quem és tu? — disse-lhe Astárito sempre com o mesmo ricto. — O teu nome! E depressa!

O outro não respondeu.

— Não queres dizer, hem? — insistiu Astárito num tom quase voluptuoso, como se o silêncio de Sonzogne lhe desse prazer. — Não queres dizer e não te queres ir embora… É isto?

Esperou um momento, depois levantou a mão e esbofeteou Sonzogne, primeiro numa face, depois na outra. Eu mordi o pulso. “Sonzogne mata-o!”, pensava fechando os olhos. Mas ouvi a voz de Astárito, que dizia:

— E agora desaparece! Quanto mais depressa melhor!

Abri os olhos e vi Astárito empurrar Sonzogne para a porta, segurando-o pela gola. Sonzogne tinha ainda as faces encarnadas e inchadas, mas parecia não resistir. Deixava-se levar como se pensasse noutra coisa. Astárito arrastou-o para a porta da sala, depois ouvi fechar a porta com violência e Astárito reapareceu na sala.

— Mas quem é? — perguntou-me tirando maquinalmente um grão de poeira da banda do sobretudo e olhando-se como se receasse ter comprometido a sua elegância pelo esforço violento que acabara de fazer.

— Nunca soube o seu nome todo. Só sei que se chama Carlos.

— Carlos! — repetiu abanando a cabeça.

Depois aproximou-se de mim. Eu estava no vão da janela e olhava através dos vidros. Astárito passou-me o braço à volta da cintura e perguntou-me num tom de voz já mudado — E tu como vais?

— Bem, obrigada — respondi sem o olhar.

Foi ele quem me olhou fixamente, depois apertou-me com força contra ele, sem dizer nada. Repeli-o docemente e disse-lhe:

— Foste bem gentil comigo. Telefonei-te para te pedir outro favor.