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— … tudo de acordo com o planejado… a nave agora está sendo reorientada… Outros fenômenos semelhantes mais tarde, mas não tão espetaculares… Todos os estágios da partida inicial serão do outro lado do planeta, mas poderemos ver a Magalhães diretamente dentro de três dias, quando ela estiver deixando o sistema. Mirissa quase não ouvia as palavras enquanto olhava para o céu ao qual as estrelas agora retornavam. Um céu que ela nunca poderia olhar de novo sem se lembrar de Loren. Sentia-se vazia de toda emoção agora, e se tivesse lágrimas, elas viriam depois. Sentiu os braços de Brant à sua volta e agradeceu o conforto que eles representavam contra a solidão do espaço. Era a este lugar que ela pertencia, seu coração não fugiria de novo, pois afinal compreendera que, se havia amado Loren por sua força, amara Brant por sua fraqueza. „Adeus, Loren”, sussurrou ela, „seja feliz nesse mundo distante que você e seus filhos vão conquistar para a humanidade. Mas pense em mim algumas vezes, eu que fiquei trezentos anos atrás de você na estrada que parte da Terra.” Enquanto acariciava-lhe o cabelo com desajeitada ternura, Brant desejava ter palavras para confortá-la, e contudo sabia que o silêncio era melhor. Não tinha nenhum sentimento de vitória, embora Mirissa fosse sua uma vez mais, sabia que seu antigo e indolente companheirismo fora perdido para sempre. E por todos os dias de sua vida, Brant sabia, o fantasma de Loren estaria entre eles, o fantasma de um homem que não teria envelhecido nem um dia, quando eles fossem pó levado pelos ventos. Quando, três dias depois, a Magalhães alçou-se sobre o horizonte ocidental, era uma estrela brilhante demais para ser vista a olho nu, muito embora a propulsão quântica tivesse sido cuidadosamente alinhada a fim de que a maior parte de seu escape de radiação não atingisse Thalassa. Semana após semana, mês após mês, ela foi lentamente se apagando, embora mesmo nas ocasiões em que se deslocava pelo céu diurno ainda fosse fácil de encontrar quando se sabia ao certo para onde olhar. Durante a noite, por anos, ela foi freqüentemente a mais brilhante de todas as estrelas. Mirissa a viu pela última vez um pouco antes da sua visão falhar. Por alguns dias a propulsão quântica, agora tornada inofensiva pela distância, devia ter sido apontada diretamente para Thalassa. Encontrava-se então a quinze anos-luz de distância, mas seus netos não tinham dificuldade em apontar a estrela azul de terceira grandeza que brilhava sobre as torres de vigília da barreira eletrificada anti-scorp.

56. ABAIXO DA INTERFACE

Eles ainda não eram inteligentes, mas possuíam a curiosidade que constituía o primeiro passo ao longo da estrada interminável. Como muitos dos crustáceos que um dia tinham florescido nos oceanos da Terra, podiam sobreviver fora d’água por períodos indefinidos. Até os últimos séculos, contudo, houvera pouco incentivo em fazê-lo, com as grandes florestas de algas provendo todas as suas necessidades. As folhas longas e delgadas forneciam alimentos, e os talos resistentes eram a matéria-prima para seus artefatos primitivos. Eles possuíam apenas dois inimigos naturais. Um era um imenso peixe do mar profundo, felizmente muito raro, pouco mais do que um par de mandíbulas vorazes ligadas a um estômago nunca satisfeito. O outro era uma venenosa geléia pulsante, forma móvel dos gigantescos pólipos que algumas vezes cobriam o leito marinho com a morte, deixando um deserto descorado em sua esteira. À parte excursões esporádicas através da interface ar-água, os scorps poderiam muito bem passar sua existência inteira no mar, perfeitamente adaptados ao seu ambiente. Diferentes das formigas e cupins, eles ainda não haviam penetrado num dos becos sem saída da evolução. Ainda podiam responder à mudança. E a mudança, embora ocorrendo ainda numa pequena escala, havia de fato chegado àquele mundo oceânico. Coisas maravilhosas vinham caindo do céu. E de onde elas vinham devia existir mais. Quando estivessem prontos, os scorps sairiam em busca delas. Não havia nenhuma pressa particular no universo atemporal do mar thalassiano. Muitos anos ainda se passariam antes que eles fizessem seu primeiro assalto sobre aquele elemento alienígena, do qual seus batedores haviam contado tão estranhos relatos. Eles jamais poderiam adivinhar que outros batedores estivessem falando sobre eles, e quando avançaram, não poderiam ter escolhido uma ocasião pior. Tiveram a má sorte de emergir em terra firme exatamente durante o segundo mandato, inconstitucional, mas extremamente competente, do presidente Owen Fletcher.

IX — SAGAN 2

57. AS VOZES DO TEMPO

A nave estelar Magalhães ainda se encontrava a apenas algumas horas-luz de distância quando Kumar Lorenson nasceu, mas seu pai ainda dormia, e só iria receber a notícia trezentos anos depois. Ele chorou ao pensar que seu sono sem sonhos tinha abrangido toda a vida de seu primeiro filho. Quando conseguia enfrentar o suplício, ele observava os registros que aguardavam por ele nos bancos de memória. Poderia então ver seu filho crescer até se tornar adulto, e ouvir sua voz enviando saudações através dos séculos. Saudações que jamais poderia responder. E veria também (não havia meio de evitar) o lento envelhecer da mulher há muito morta, que ele tivera em seus braços há apenas uma semana atrás. Seu último adeus lhe chegava de lábios há muito transformados em pó. A tristeza, embora profunda, logo passaria. A luz de um novo sol enchia o céu adiante, logo haveria outro nascimento, num mundo que já arrastava a nave estelar Magalhães para sua órbita final. Um dia toda a dor cessaria, mas nunca a lembrança.

FIM

Nota Bibliográfica

A primeira versão deste romance, um conto de 12.500 palavras, foi escrita entre fevereiro e abril de 1957 e posteriormente publicada na Revista IF (EUA) de junho de 1958 e na Science Fantasy (Reino Unido) em junho de 1959. Ela pode ser mais facilmente localizada em minhas antologias da Harcourt Brace, Javanovich, O outro lado do céu (1958) e Do oceano e das estrelas (1962). Em 1979 eu transformei o tema numa curta sinopse de filme, publicada na revista OMNI (v. 3, n.° 12, 1980). Esta sinopse foi publicada em minha antologia ilustrada O sentinela (Byron Preiss/Berkley, 1984), juntamente com uma introdução explicando sua origem e o modo inesperado pelo qual ela levou à criação e filmagem de 2070: Odisséia no espaço II. Este romance, a terceira e ultima versão da história, foi iniciado em maio de 1983 e terminado em junho de 1985.

1.° de julho de 1985 Colombo, Sri Lahka.

Agradecimentos

A primeira sugestão de que as energias do vácuo poderiam ser usadas para propulsão parece ter sido feita por Shinichi Seike em 1969. („Veículo espacial elétrico quântico”, 8.° Simpósio sobre Ciência e Tecnologia Espacial em Tóquio.) Dez anos depois, H.D. Froning, da McDonnell Douglas Astronautics, apresentou a idéia na conferência de estudos interestelares da Sociedade Interplanetária Britânica (Londres, setembro de 1969), seguindo-se dois trabalhos: „Exigências propulsivas para um Ramjato interestelar quântico” (JBIS, v. 33, 1980) e „Investigação de um Ramjato quântico para vôo interestelar” (AIAA 81-1534,1981.) Ignorando-se os incontáveis inventores de „propulsões espaciais” não específicas, a primeira pessoa a ter usado a idéia em ficção parece ter sido o Dr. Charles Sheffield, cientista-chefe da Earth Satellite Corporation. Ele discute a base teórica para a propulsão quântica em seu romance As crônicas de McAndrew (revista Analog, 1981, Tor, 1983) chamando-a de „propulsor a energia de vácuo”. Um cálculo reconhecidamente ingênuo de Richard Feynman sugere que cada centímetro de vácuo contém energia bastante para ferver todos os oceanos da Terra. Outra estimativa, por John Wheeler, fornece um valor 79 ordens de grandeza maior.