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Arthur apoiou-se nos seus cotovelos e a examinou.

Era uma caixa cinza, com um brilho fosco. Uma caixa pardacenta quadrada, com uns trinta centímetros de altura. Estava amarrada com uma única fita cinza, arrematada com um belo laço em cima.

Ficou de pé, foi até ela e a tocou, surpreso. Fosse o que fosse, estava lindamente

embrulhada para presente, esperando que ele a abrisse.

Apanhou a caixa com cuidado e levou-a de volta até a sua cama. Espanou a poeira da parte de cima e desfez o laço. O topo da caixa era uma tampa, com uma aba dobrada. Abriu e olhou para dentro da caixa. Era um globo de vidro envolvido em um delicado papel cinzento. Ele o removeu, com cuidado. Não era exatamente um globo porque tinha uma abertura embaixo, ou, como Arthur percebeu ao virá-lo, em cima, circundada por um grosso aro. Era um aquário.

Um aquário de peixes, feito do vidro mais maravilhoso, perfeitamente transparente, mas, ainda assim, possuía uma tonalidade cinzenta extraordinária, como se tivesse sido feito de cristal e ardósia.

Arthur o girou devagar entre as mãos. Era um dos objetos mais lindos que já vira na vida, mas ele estava completamente perplexo diante dele. Olhou dentro da caixa, mas, tirando o papel do embrulho, não havia nada. Fora da caixa, também nada.

Girou o aquário novamente. Era maravilhoso. Era sofisticado. Mas era um aquário. Deu uma batidinha com a unha e ele vibrou com um clangor profundo e glorioso, que durou mais tempo do que parecia possível e, quando finalmente desvaneceu, pareceu não terminar, e sim migrar para outros mundos, como para dentro de um sonho em alto-mar. Encantado, Arthur o girou novamente e desta vez a luz do abajur empoeirado na cabeceira o atingiu em um ângulo diferente e cintilou sobre umas delicadas gravações na superfície do aquário. Ele o suspendeu, ajustando o ângulo da luz, e de repente viu claramente as palavras delicadamente gravadas na superfície do vidro.

"Até mais", diziam elas, "e obrigado..."

E isso era tudo. Piscou, sem entender nada.

Por uns cinco minutos, ele girou o objeto de um lado para o outro, olhou contra a luz sob diferentes ângulos, deu pancadinhas para repetir o seu som hipnótico e ponderou qual seria o significado daquelas palavras vagas, mas não encontrou nenhum. Finalmente, levantou-se, encheu o aquário com água da bica e colocou-o novamente na mesa ao lado da televisão. Sacudiu o pequeno peixe-babel da orelha e deixou-o cair, contorcendo-se, no aquário. Não precisaria mais dele, exceto para ver filmes estrangeiros.

Voltou para deitar-se na cama e apagou a luz.

Ficou parado, em silêncio. Absorveu a escuridão envolvente, relaxando aos poucos os seus membros de cima a baixo, acalmando e regulando a respiração, gradualmente esvaziando a sua mente de todos os pensamentos. Fechou os olhos e descobriu que não conseguia dormir de jeito nenhum.

A noite estava inquieta com a chuva. As nuvens carregadas já haviam se deslocado e estavam naquele momento concentrando a sua atenção em um café de beira de estrada em Bournemouth, mas o céu que percorreram tinha sido perturbado por elas e exibia agora um ar amuadamente encrespado, como se não soubesse o que mais seria capaz de não fazer se fosse provocado.

A lua despontou, aguada. Parecia uma bola de papel enfiada no bolso de trás de um jeans que tinha acabado de sair da máquina de lavar e que só o tempo e um ferro de passar diriam se era uma velha lista de compras ou uma nota cinco libras.

O vento se agitou, de leve, como o rabo de um cavalo tentando decidir que tipo de humor adotaria naquela noite e algum lugar um sino badalou meia-noite. Uma clarabóia se abriu, num estalo. Estava emperrada e teve de ser sacudida e um pouco persuadida, porque o caixilho estava meio podre e as dobradiças haviam sido, em algum momento de sua vida, inteligentemente pintadas por cima, mas finalmente ela se abriu. Uma escora foi usada para mantê-la aberta e uma figura saiu com dificuldade pela estreita vala entre as duas faces do telhado.

A figura ficou imóvel, admirando o céu em silêncio.

Estava completamente irreconhecível, diferente da criatura selvagem que irrompera loucamente dentro de casa há mais ou menos uma hora. Tinha dado adeus ao roupão puído e esfarrapado, manchado com a lama de cem mundos e condimentos de junk food de cem espaçoportos imundos, tinha dado adeus ao cabelo desgrenhado, à barba comprida e cheia de nós com seu ecossistema florescente e tudo o mais.

Em vez de tudo isso, havia o Arthur Dent tranqüilo e descontraído, usando calças de veludo cotelê e um suéter bem grosso. O seu cabelo estava curto e lavado, o rosto bem barbeado. Apenas os seus olhos ainda diziam que, fosse lá o que o Universo pensasse estar fazendo com ele, gostaria muito que por favor parasse.

Aqueles não eram os mesmos olhos com os quais observara aquela vista pela última vez, e o cérebro que interpretava a. imagens que seus olhos montavam também não era o mesmo cérebro. Nenhuma cirurgia envolvida, apenas a desarticulação contínua da experiência. A noite parecia uma coisa viva para ele naquele momento e terra escura à sua volta era um ser no qual estava enraizado.

Podia sentir como um formigamento em terminações nervosas distantes, o fluxo de um rio longínquo, colinas invisíveis ondulantes, o grupo de nuvens carregadas estacionadas em algum lugar ao sul.

Podia sentir também a emoção de ser uma arvore, o que era algo inesperado. Sabia que era bom enroscar os dedos dos pés na terra mas nunca imaginara que pudesse ser tão bom assim. Podia sentir uma onda de prazer quase indecente o atingindo em cheio, vindo da New Forest. "Algo para fazer no verão", pensou ele, "experimentar a sensação de ter folhas." De outra direção, sentiu o que era ser uma ovelha assustada com um disco voador, mas aquela era uma sensação virtualmente indistinguível da sensação de ser uma ovelha assustada com qualquer outra coisa que aparecesse no seu caminho, pois as ovelhas eram criaturas que aprendem muito pouco na sua jornada pela vida e ficariam assustadas ao ver o sol nascendo na manhã e admiradas com aquelas coisas verdes recobrindo os campos. Ficou surpreso ao perceber que podia sentir a ovelha se assustando com o sol naquela manhã e na manhã anterior e se assustando com um arvoredo dois dias antes. Podia voltar cada vez mais para trás, mas acabou ficando chato porque eram sempre ovelhas assustadas com coisas que as assustaram na véspera.

Abandonou a ovelha e deixou a sua mente deslizar distante, sonolenta, em ondas crescentes. Ela sentiu a presença de outras mentes, centenas delas, milhares, algumas sonolentas, algumas em sonhos, algumas muito agitadas, uma fraturada. Uma fraturada.

Perpassou brevemente por esta última, depois tentou voltar a senti-la, mas ela lhe escapou, como a segunda carta com a imagem da maçã no jogo de memória. Sentiu um espasmo de emoção, porque sabia instintivamente de quem era aquela mente ou, pelo menos, de quem gostaria que fosse e, quando se sabe o que se deseja ser verdade, o instinto é uma ferramenta muito útil para permitir que se saiba que de fato é. Sabia instintivamente que era Fenny e queria encontrá-la; mas não podia. Se tentasse forçar a barra, sentia que perdia aquela nova e estranha habilidade, então desistiu da busca deixou que a sua mente perambulasse à toa mais uma vez.

E, novamente, sentiu a fratura.

Novamente não conseguia encontrá-la. Desta vez, fosse lá o que o seu instinto estivesse tentando lhe dizer no que era legal acreditar, não tinha mais tanta certeza de que era Fenny talvez fosse uma outra fratura daquela vez. Tinha a mesma característica desjuntada, mas parecia um sentimento mais geral de fratura, mais profundo, não uma única mente, ou sequer uma mente. Era outra coisa.

Deixou a sua mente afundar devagarinho e em sua totalidade na Terra, ondulando, penetrando, afundando.